EVANGELHO DOS CINICOS E PATIFES - Manoel Ferreira
A in-versão dos princípios e valores -
desculpem-me os leitores pela franqueza deslavada desde já – seja uma realidade
inconteste em nossa modernidade, estamos os homens todos enfiados nela até o
pescoço, e não podemos vislumbrar quaisquer modos de nos desvencilhar dela,
libertar-nos, é ela que nos dá segurança de podermos seguir os nossos passos em
busca da cidade dos pés juntos, de vivermos ainda, sermos vida. Embora em todos
os níveis inteligíveis e inimagináveis, isto seja o veneno da serpente, não há
alternativa senão in-verter-lhes para nos sentir no mundo, no meio das coisas,
dos homens, dos objetos, dos séculos e milênios. Quem não os vê in-vertidos, ou
está cego ou prefere dar as costas a esta verdade e realidade, ou não quer se
comprometer, já que se os vê significa dizer que também in-verteu os seus
princípios, é seguidor do rebanho. Fosse moda, fosse coisa de um tempo de
transição, ser-se-ia possível relevar, com-preender, até mesmo provar para
saber que gosto tem os princípios e valores in-vertidos, quais são os
benefícios, os resultados positivos, mas é verdade absoluta, prolongar-se-á por
anos e anos; fosse uma fase dos homens, possível seria entender, fases passam
num abrir e fechar de olhos, num bocejo, mas é processo, dura até acabar e mais
alguns séculos e milênios de lambuja.
A dignidade e honra que ontem era
responsável pelas relações entre os homens, que nos permitia a amizade
verdadeira, o amor eterno, construir nossa id-ent-idade, personalidade e
caráter, foram trocadas pela hipocrisia e aparência, não se deve deixar-se ser
conhecido, mostrar o que vai dentro, o que habita o espírito e alma de
sentimentos, isto não tem mais qualquer sentido, não leva a lugar algum, não
proporciona qualquer benefício, hoje o que está em voga são os bens materiais,
e para os conseguir não importam os meios. A responsabilidade da Igreja com as
ovelhas do Senhor, com a dignidade dela, foi trocada pela libertinagem de todas
as qualidades e espécies. Não é invenção minha, quando clareio a sua
consciência, leitores, lembrando-lhes que um padre americano praticou a
pedofilia com mais ou menos duzentas crianças surdas, não tendo sido punido.
Quem era responsável por punir e expulsar os padres que desvirtuavam os
princípios da Igreja e Deus, não o fez. Ele era o nosso papa hoje, Bento XVI.
Questionado, dissera que o padre americano não fora punido por ter estado muito
doente na época. Qual nada! Fora isto para preservar e conservar a imagem da
Igreja. Então, para praticar a pedofilia não estava doente, estava doente para
ser punido por ela. Qualquer explicação ou justificativa que der, além desta
que é ridícula e imbecil, não convencerá a humanidade, os cristãos. Era de
responsabilidade dos políticos, prefeitos, vereadores, senadores, deputados,
presidentes cuidar com esmero dos interesses do povo, dos cofres públicos,
proporcionarem progresso e desenvolvimento à nação; hoje o que impera mesmo é a
corrupção deslavada, políticos canalhas e imbecis, só lhes interessam o poder. Assassinatos, hediondos ou não, eram cometidos
pelo povo, favelados, bandidos; hoje são mais cometidos pelas classes
superiores, advogados, padres, médicos. Não faz muito um médico assassinou a
esposa, esquartejou-a, fora condenado. Já está nas ruas, estudando Direito em
universidade, usufruindo direitos de todos os cidadãos como se fosse cidadão,
indivíduo normal. Fosse pobre, mofaria na cadeia. A cadeia no Brasil só existe
para os pobres.
Os homens dignos, honrados, honestos
são insinceros porque não vale a pena insistir e persistir em seus idôneos
princípios, além de serem considerados fora do tempo deles, estrangeiros,
negligenciados e discriminados, levam prejuízos inestimáveis, seus objetivos e
interesses são frustrados, as labutas são enormes e árduas para lhes recuperar,
têm de adquirir, solidificar os valores materiais, bens e finanças, isto é a
única importância no mundo, na vida. Com a sinceridade os prejuízos serão
muitos e diversos. Entre a sinceridade, resultando fracassos, falências,
frustrações, os três “f” que levam a mendicância e a indigência num caixão
doado pela prefeitura, cova de cinco palmos de profundidade. A insinceridade e
todos os seus benefícios, recursos, é ser inteligente, ter senso, instinto,
visão das coisas, sensibilidade, desfrutar os prazeres, alegrias, felicidades
do bem-estar e conforto; a insinceridade é o absoluto.
Na antiguidade, com esta categoria
filosófica, conceito secular e milenar, não me refiro a anos incontáveis, mas
nos últimos cinqüenta anos, os patifes eram aqueles que viviam à margem de
todos os princípios e valores que dignificavam, elevavam os homens, o bem, a
honestidade, a honra, a compaixão, a solidariedade, a franqueza, os princípios
da Igreja, das Palavras de Deus, todas as suas atitudes e ações eram
arbitrárias, gratuitas, espúrias. Viviam discriminados, carregando nas costas
os preconceitos, sem qualquer direito, jogados no mundo, condenados ao
anonimato, à miséria absoluta.
Contudo, se olho, observo, como venho
fazendo nos últimos vinte anos, percebo que os homens dignos e honrados,
tementes a Deus, seguiam os figurinos dos valores e princípios eternos,
desejando o “novo homem”, a espiritualidade, a imortalidade, o que é merecedor
de reconhecimento e consideração, mas discriminar os patifes fora atitude
censurável, condenável, porque eles poderiam ter contribuído bastante para o
desenvolvimento da consciência, para o progresso da razão e da racionalidade,
com o que lhes é bem peculiar, o extremo e absoluto valor que em si trazem, a
grande virtude que lhes habita as pré-fundas.
Sei que os leitores vão se espantar,
assustar com a minha franqueza, sabem que sou homem direto e franco com o que
penso e sinto, mas não esperavam que fossem me comprometer tanto, defendendo os
patifes, logo eu quem descasca os pepinos da patifaria dos homens, destilo os
ácidos nas condutas e posturas dos
patifes, e aconselho a todos a manterem milhas de distãncia deles, são
perniciosos, devemos nos resguardar das trilhas escusas, devemos sempre lutar
por nosso ser, identidade, caráter, personalidade; e agora desdigo tudo isso,
defendendo os patifes, considerando-lhes seres honrados, honestos. Se serve de
justificativa ou explicação, digo-lhes algo que não é de hoje que acredito
piamente, assino embaixo com letras bem legíveis o meu nome, caprichando nelas
para não ser a assinatura nunca esquecida, passe para a eternidade como a mais
bem escrita, embora esteja com a consciência tranqüila, calma, sei muito bem o
que digo e afirmo com empáfia: em todos os santos habita um poucochito de
canalhice, caguinchice, em todos os patifes habita um poucochinho de santidade.
Quem vai duvidar disso? Se há quem, revisite a história, há inúmeros casos
disso em todos os séculos e milênios.
Ademais, o que tenho a dizer sobre a
sinceridade dos patifes não irá denegrir a minha imagem. Aliás, vai contribuir
na minha andança pelas veredas dos brios humanos, de suas condutas e posturas
no mundo, conscientizar-lhes a respeito da importância da vida, o que ela
significa para nós; vai contribuir para o conhecimento dos homens do que me
habita as pré-fundas, coisas que não saberia nem de longe expressar, dizer,
tendo dedicado a minha vida a procurar realizar no quotidiano de meus dias e
décadas, vivê-las com sinceridade e autenticidade, sempre pronto a desfazê-las,
se mais não têm a contribuir com o meu crescimento humano e espiritual, é
importante demais saber desaprender tudo o que aprendido, começar a aprender
outras coisas, tentar realizá-las a contento.
O que habita o patife de tão importante
assim que me fez tomar da pena para lhe dedicar estas letras com tanto carinho
e reconhecimento? Compreendo que os leitores já estejam curiosos, ansiosos por
saberem de que se trata. Ouço-lhes pedindo, rogando que não enrole, não encha
lingüiça, quem muito enrola, enche lingüiça tem o rabo preso. Não se abre os
verbos de uma vez, é preciso ter em mãos os arrebiques e ornamentos para embelezar
as palavras, idéias, pensamentos, esclarecer as intenções e objetivos, enviar
mensagens sinceras e dignas a todos os homens. Não fosse assim, que valor
teriam as artes, a cultura? Acredito que nenhum. Independente disso, sou homem
e indivíduo que necessita deixar as coisas bem claras para não ser mais
discriminado do que já fui na minha vida, fui sempre incompreendido, tachado de
tudo que se possa imaginar, não davam nada por mim. Hoje, isto já não existe
mais, devido ao fato de haver tomado as letras como meu cajado, na minha subida
às serras em direção ao Olimpo, pelos campos de vegetação rasteira, tornar-me
um cronista, com as crônicas mostrar a nossa modernidade, o que todos podem
fazer para que este cenário de nossos tempos seja modificado, impere os valores
humanos. Sou reconhecido, renomado. Não é por isso que me descansarei, não
preciso mais me preocupar com coisa alguma. E por isto que coloco isto de
dizerem que se se faz a fama, pode-se deitar na cama. Deitar na cama outra
coisa não me diz senão o descanso, a tranqüilidade. Deitar na cama neste dizer
para mim significa que as responsabilidades são ainda maiores com a fama, não
apenas para conservá-la, preservá-la, mas para aderi-la a novos horizontes e
uni-versos da humanidade, ser húmus para novos questionamentos e re-flexões.
Outra coisa não habita os patifes senão
o cinismo que é a sinceridade deles, ele pode contaminar uma consciência reta,
pura e elevada, do mesmo modo que as traças, os ratos, as baratas podem roer os
mais sublimes livros do mundo. Esperavam outra coisa habitando as pré-fundas
dos patifes? Vocês, leitores, ao longo desta leitura, no íntimo foram
imaginando muitas coisas, lembrando-se dos que conhecem e bem, e viram muitas
coisas a partir do conhecimento que têm deles, sinceridades que estão latentes
neles, mas devido às circunstâncias dos valores in-vertidos que trazem em si
mesmos, impedem-lhes de lhes tornar manifestos. Mas não pensaram no cinismo,
disto tenho certeza, estou disposto a jurar por Deus. Mas não se encontram
assustados, espantados com o que lhes digo, pois estão todos persuadidos que
sou cínico, sarcástico, irônico, defendo o cinismo, e todos os cínicos, são os
únicos que merecem respeito, consideração, reconhecimento, pois nenhuma valor
ou virtude tradicionais, conservadores são a verdade, ao contrário, são as
patifarias dos homens, são as canalhices de todos, porque não levam a lugar
algum, impedem todos de se espiritualizarem, de crescerem, de amadurecerem,
conhecerem o que salva, redime todos dos pecados da carne, dos enganos e erros
dos verbos conjugados ao in-verso dos
radicais e terminações pessoais. O cinismo é o veneno de tudo que tido e havido
como verdade.
Se não lhe tomo mais o seu tempo
precioso, lendo este meu cumprimento nesta manhã de inverno tão agradável,
delicioso, vou-lhes dizer o porquê o meu valor peculiar é o cinismo, como o
descobri na minha vida, de que modo me serviu para ser quem hoje sou, o quanto
cresci e amadureci exercitando-o a todos os momentos, instantes. Não me
alongarei muito, compreendo que todos têm seus afazeres, mas antes de fecharem
o jornal, deixando-o sobre a mesa da sala de visita ou sobre o criado-mudo de
suas alcovas, terminem, e tentem ser cínicos só por hoje, caso tenham
resultados benéficos, repitam o cinismo amanhã, e todos os dias, até serem
cínicos até a medula espinhal, verão o quanto ele é benéfico nestes tempos de insinceridade,
desonestidade, corrupção, falta de identidade, caráter, personalidade,
patifaria. Não se esqueçam de procurar algum patife que conheçam, estreitem a
amizade com eles, aceitem suas lições, mensagens, assimilem suas palavras e
atitudes, procurem aprender com eles o cinismo puro, inocente, ingênuo.
Não se ad-mirem que acabe eu de cinta
de seda, por agir conforme aprendi com o cinismo, aprendi que não engulo sapos
secos, não mastigo músculos,, pensando ser filet mignon, macio, gosto
delicioso, a digestão se faz simples e tranqüila, não assino embaixo as
palavras do monsenhor, dos sábios, sendo cínico, mostro-lhes que estão bem
equivocados, o que aprenderam no seminário serve apenas para tripudiar os
fiéis, no que concerne ao medo indescritível da morte, não concordo com os
figurinos da finesse e diplomacia, não admito verdades de plantão. Olho tudo de
esguelha e soslaio, e rio sem freios de quem as aceita de mão beijada, e se
sentem isentos e livres de quaisquer censuras das autoridades eclesiásticas,
políticas, empresariais, funcionários públicos, militares e civis, dos
profissionais autônomos, por serem eles os re-presentantes máximos dos
princípios éticos e morais, dos sábios e doutos, intelectuais, por o
conhecimento pleno da contingência, transcendência, a espiritualidade é a
verdade absoluta dos homens.
Quem sabe a cinta de seda que usarei
por vivenciar e viver o cinismo em todos os pormenores e arrebiques não será
uma reminiscência da tanga do homem primitivo, e quando passar pelas ruas e
avenidas da cidade todos me apontem com o indicador em riste, dizendo “Aquele
ali é o cínico de cinta de seda nas horas de trabalho e responsabilidade, nas
de descanso, o cínico de tanga primitiva?” Quem sabe se não vou re-montar os
tempos de Apuleio, Diógenes, Voltaire, até ao colar de miçangas, para me
produzir ainda mais, não apenas ao tangente ao cinismo, à sátira aos valores e
aos brios dos bons e eternos princípios, como fizerem estes homens, mas para
despertarem os olhos dos transeuntes ocupados com os afazeres quotidianos, os
vagabundos que fofocam sobre a vida alheia nas esquinas e praças da cidade,
sentados na porta do cinema, relembrando os velhos e bons tempos em que eram
úteis, faziam diferença em suas especialidades trabalhísticas, fizeram opinião
e consciência pública, e hoje são velhos
inúteis, vivem de uma aposentadoria que lhes garante o feijão de
terceira, o arroz de quarta, o músculo dos bois ou vacas, os pés de porco só no
almoço, vivem da comiseração e favores dos filhos que negaram e negligenciaram
tudo o que lhes ensinaram com amor e carinho, mostrando-lhes os caminhos da
virtude, dos valores eternos, morais, éticos, , e mais alguma coisa que lhes
passou batido, inconsciente, nada mais tem valor para os filhos, jamais lhes
seria possível trans-formar em conscientes.
Montaigne é de parecer que não fazemos
mais que repisar as mesmas coisas e andar no mesmo círculo; e o Eclesiastes diz
claramente que o que é, foi, e o que foi, é o que há de vir. Com autoridades de
tal porte, podemos crer que acabarão algum dia alfaiates e costureiras. Um
colar apenas, matéria simples, nada mais; quando muito, nos bailes, um
simulacro de gibus para pedir com graça uma quadrilha ou um polca. Oh! a polca
das miçangas! Imaginem, leitores, eu de tanga dos primitivos de colar de
miçangas num baile ou hora dançante com a presença da fina nata da sociedade de
vestidos longos, ternos e gravatas. Há
de haver uma com esse título, porque a polca é eterna, e quando não houver mais
nada, nem sol, nem lua, e tudo tornar ás trevas, os últimos dois ecos da
catástrofe derradeira usarão ainda, no fundo do infinito, esta polca, oferecida
ao Criador: Derruba, meu Deus, derruba!
Que eu não possa eu ler esse artigo,
ver as figuras, compará-las, e repetir os ditos do Eclesiastes e de Montaigne,
e anunciar aos povos desse tempo que a civilização mudará outra vez de camisa!
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