DES-ALGEMA DE NÓS - Manoel Ferreira
Se me disserem que “o branco é preto, em
verdade...”, acredito, sem pestanejar, sem quaisquer dúvidas ou desconfianças, não sei se passando a divulgar entre os homens
da comunidade, incluindo as mulheres, são da raça humana; comigo mesmo,
entretanto, assumo o branco ser preto, em verdade. Concluindo o dito, “... embora
o preto não seja branco, em verdade”, isto porque nem sempre a inversão se
torna verdadeira e plausível de entendimento. Diria a todos os ventos o que me
convenceram, mostraram-me a face verdadeira, e comigo amaria o novo em mim, “o
branco é preto, em verdade; embora o preto não seja branco, em verdade”. “Em
verdade” seria apenas para enfatizar que acreditei piamente no que me disseram,
e acreditei tanto que se tornou verdadeiro não apenas aos meus olhos, à minha
racionalidade, à minha razão, mas ao meu espírito e alma.
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Mostrando-me a partir de argumentos os
mais racionais, com estratégias de linguagem e estilo, não em palestras ou
entrevistas, mas no trocar de dedos de prosa, os mais plausíveis, inteligentes
– oh, como a raça humana progrediu e se desenvolveu na mentalidade!... Sinto-me
sobremodo orgulho de ser contemporâneo dela. Não acreditaria nisto de liberdade
nesta comunidade, apesar de que é o berço de lutas e angústias pela liberdade,
berço da arte e da música, berço dos ideais e utopias os mais profundos e
geniais, em verdade... Isto só um imbecil, destes que apresentam o cartão em
todas as suas conversas, íntimos, cúmplices, dizendo “sou um imbecil; não
compreendo as coisas sérias”, não iria acreditar nesta História.
Por que não acredito ser esta
comunidade livre, esta terra livre? Pergunta óbvia, analisando em todos os
ângulos a inteligência e a sabedoria. Outra não seria de modo algum plausível,
até desconfiando da inteligência, não havendo o cartão, mas a realidade óbvia
diante dos olhos.
Não estou colocando isto em discussão,
as idéias claras acompanhadas de intenções as mais sinceras e responsáveis, por
não ser de minha alçada travar colóquios estilizados e cristalizados acerca da
verdade e responsabilidade histórica de uma comunidade, não sendo nascido nela,
não sendo o objeto de meus conhecimentos profundos. Aliás, muito pouco conheço,
e, dizendo em verdade, tenho sérias dúvidas do que conheço.
Não me cabe discutir este assunto.
Deverei, com certeza, pesquisar a fundo a História desta comunidade. De bom
senso inclusive, antes de afirmar algo sério, comprometedor. Pouco tempo de
residência e domicílio não permite a ninguém conhecer a fundo a cultura de um
lugar.
Sim. Assumo esta realidade, reconheço
nada saber da história, nem informações precisas devo conhecer. Questionaria:
“Se posso dizer estar nas condições normais de sanidade, sem a identidade, como
pode haver a liberdade? Passado é passado, a História não pára. Onde está a
identidade de um povo que não conhece o seu presente?”.
Assunto muito complexo, a intenção não
é, em verdade, discutir, causar polêmica, ser aclamado, rejeitado, odiado, a
moeda só tem duas faces, não é verdade? Para causar polêmica mister se faz conhecer a fundo as coisas, é
preciso que as coisas sejam em demasia sérias, e a seriedade delas não a
encontro em lugar algum, só vejo farsas e tramóias em todos os lugares, só
conheço pessoas hipócritas e imbecis, nada conhecem de nada, e o que conhecem
são o que ouviram deste ou daquele cujo interesse fora único, que ninguém
conhecesse a verdade, em verdade.
Ando meditando profundamente no
tangente à identidade, a partir da infância até agora com quase cinqüenta anos,
o que construí, em que nível amadureci, desenvolvi, podendo dizer sou homem
livre. As experiências e vivências trouxeram-me até aqui, há um curriculum
vitae, conheço algumas coisas de mim, outras des-conheço, e só com este
encontro do mistério é que me posso revelar.
Não seria isto que está em discussão, a
minha vida, pouco me importando se o que é dito e escrito sobre a História
desta comunidade é de direito e merecimento, se não é, se há inúmeras lendas,
preconceitos, mitos, a verdade está ainda por ser dita, esclarecida,
ocasionando a falta de identidade, de liberdade.
Sou quem não sou e não sou quem sou,
quem sabe podendo traduzir estas palavras por “tudo o que trago em mim dentro é
aparência”, assim não tendo mais respostas a dar a ninguém, condenado a ouvir sempre estas
palavras em quaisquer situações. O que estaria esperando? Devo, então, procurar
modos de superar os problemas inúmeros ao invés de estar dizendo a comunidade
ser ainda escrava, as algemas estão ainda mais presentes.
Numa moeda não há apenas duas faces, há
inúmeras, quem sabe abrindo assim possibilidade de apresentar uma flexibilidade
das palavras, deixando aos outros a interpretação, o que está realmente em
discussão.
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