PÁGINAS DE SABOR CLÁSSICO (?) II - Manoel Ferreira
Bem-aventurados
os corruptos de gravata de cinco voltas e chapéu de coco, porque nos eventos
sociais e familiares serão elogiados pelos interesseiros, serão endeusados pela
coragem de roubar dos inocentes e ingênuos.
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Bem-aventurados
os fofoqueiros, porque no mundo são lídimos e idôneos conhecedores da alma
humana, e no além só lhes restarão a língua, as palavras registradas nas tábuas
frias do apocalipse.
Bem-aventurados
os “promesseiros do poder”, porque as promessas, como as leis, foram feitas
para não ser cumpridas, e assim a cadeira giratória estarão sempre às suas
disposições, servirão para se livrarem do assédio dos mendigos e miseráveis,
ser-lhes-ão o objeto em que sentarem para o descanso merecido.
Bem-aventurados
os procuradores gerais e jurisconsultos que trocam tapas na prefeitura, porque
serão lembrados e glorificados pela eternidade como os defensores da falta de decoro parlamentar e animalidade,
princípios que governam os nossos
tempos, e os primeiros não pedirão demissão e os segundos não serão jogados no
olho da rua pelo prefeito.
Bem-aventurados
as professoras de língua, porque a saliva do conhecimento extasiará o clitóris
dos verbos e suas conjugações, tesará o ponto “g” da sede das figuras de
estilo, e a linguagem em estado de clímax molhará as formas da carência e
solidão da carne.
Bem-aventurados
os professores de matemática, porque não são de meias medidas nem de metáforas.
Eles dizem as coisas pelo seu nome, às vezes um nome horroroso, mas não havendo
outro, não o escolhem. São sinceros, francos, ingênuos. As letras fizeram-se
para frases; o algarismo não tem frases, nem retóricas.
Bem-aventurados
os indivíduos que se sentam nas espinhosas cadeiras do magistério, porque seus
corações não foram cuidadosamente arroteados, antes de lhes acenderem almenaras
em suas cabeças.
Bem-aventurada
a opinião deste país que é o magistrado último, o supremo tribunal dos homens e
das coisas. A nação possui nas mãos o direito a todos superior a todos os
direitos. No Juízo Final, a opinião será a pedra angular que abrirá a porta do
paraíso para as delícias do vazio e do abismo.
Bem-aventurada
a soberania nacional que reside nas Câmaras, em cujos gabinetes são redigidas
as leis que regularão as vaidades e libertinagens dos vereadores, deputados, e
no Paraíso Celestial serão contratados e convocados por Deus para a revisão dos
Dez Mandamentos; as Câmaras são a representação nacional, os políticos, a
representação das leis divinas que garantirão a salvação dos cafajestes no mundo.
Bem-aventurados
os umbigos liberais que tocam os umbigos conservadores, ao som da viola democrática, porque é a tão esperada
e decantada fraternidade política e coreográfica.
Bem-aventurados
os chimpanzés que não têm nenhuma espécie de sociedade, nem instituições, não
há em parte alguma embaixadas nem consulados; o que quer dizer que não há
nenhuma espécie de reclamação diplomática, insatisfações da política externa.
Bem-aventurada
a instituição que, devidamente reparada da terrível exaustão da vida que tem
sofrido desde o seu primeiro instante, pode se dizer sem medo de errar, é o
palácio da grandeza moral e da opulência material da pequena província que, em
face do velho Olimpo, embriagada de perfumes, circundada de luzes, ergue para
Deus, onde há de vir sua prosperidade, os olhos prenhes de esperança e fé.
Bem-aventurados
os ladrões da dignidade humana, porque o dinheiro para o esquife de primeira
classe não lhes faltará, a paz no túmulo será absoluta.
Bem-aventurados
os pernósticos da sabedoria e sapiência, porque seus discípulos e seguidores
estarão livres das elucubrações férteis dos valores e virtudes plenos, eternos.
Bem-aventurados
os assassinos dos políticos corruptos, porque serão reconhecidos pelos homens
como exterminadores de leis e limites, libertadores das algemas e correntes da
sociedade tradicional.
Bem-aventurados
os padres pedófilos, porque não serão julgados no juízo final como
masturbadores de dogmas di-versos da carne.
Bem-aventurados
os defensores das imoralidades e depravações, porque no reino de Ferluci
saberão com categoria o valor dos réis e tostões da vida pura.
Bem-aventuradas
as prostitutas da elite, porque salvaram os casamentos da mesmidade sexual, das
insatisfações libidinosas, das posições estratégicas entre o poder e a
seriedade do conúbio íntimo.
Bem-aventuradas
as prostitutas da ralé, porque satisfizeram os mais íntimos desejos a quem nada
restava senão fantasiar os prazeres da carne, e no jardim do éden a serpente
descansará das injúrias e blasfêmias dos homens por tantos séculos e milênios;
por inter-médio delas os pobres conheceram a “gina” dos valores carnais, o “vá”
das virtudes ossificadas.
Bem-aventurados
os homossexuais, e suas declinações, porque as mulheres estarão sempre livres
dos desejos escusos de “consolo’ e
outras alternativas “di-versas”, e os seus desejos serem negligenciados.
Bem-aventurados
os “oportunistas da morte”, porque poderão sair nas colunas sociais com as
personalidades, e serem tão importantes como ele, livrando-se da sina da pobreza,
pretice e periferia, e ainda com uma homenagem póstuma com letras as mais
sofisticadas, tiradas do baú dos vernáculos.
Bem-aventurados
os covardes, porque no Reino de Deus a coragem é apenas leitmotiv para a eternidade.
Bem-aventurados
os que pulam a cerca, porque no frigir das claras e gemas o prazer foi
inusitado e excêntrico, e receberão mensagens dos amigos e cúmplices em todos
os níveis da mídia, parabenizando-lhes por outras realidades além de suas alcovas.
Bem-aventuradas
as leis que obrigam os feridos e as famílias dos mortos a indenizarem as
companhias pela perturbação que os desastres trazem ao do serviço.
Bem-aventuradas
as lendas que são melhores do que a história autêntica, porque as lendas
resumem todo o fato da independência nacional, ao passo que a versão exata o
reduz a uma coisa vaga e anônima. Tenha paciência o meu ilustrificado amigo. Eu
prefiro o grito do Ipiranga; é mais sumário, mas bonito e generoso.
Irmãos e irmãs
em Cristo, e frente à Igreja Católica, venho mesmo com a intenção de andar
pelas ruas da cidade com um batedor à frente e um guarda-costas atrás,
defendendo não os meus interesses particulares, mas as bem-aventuranças, o que
penso e sinto da sociedade, dos valores íntimos, virtudes comunitárias.
Jesus dissera
com todas as letras em riste: “Sou a verdade e a luz, e quem acreditar em mim
viverá no Paraíso Celestial”, modificando um pouco as palavras da Bíblia. Sou
eu não a verdade e a luz, sou a claridade e transparência de um tempo escuso e
viperino, mas que, no futuro, daqui a dois milênios, quando de mim nada mais
restar, será considerado e reconhecido como a luz perene e absoluta da
liberdade.
Não peço a
ninguém, nem mesmo aos leitores que admiram a minha coragem de re-velar as
bem-aventuranças da modernidade com tanta empáfia, identificando quem os homens
são, de criticar sem piedade e dó todas as merdas dos homens, expelidas com dor
e sofrimento, sentados no vaso sanitário, ou tranquilamente, lendo o Suplemento
Literário do Estado de Minas, fumando um “paieiro”, que tomem estas palavras
como a divinidade e divindade de meus projetos de o homem ser seus instintos,
razões e nonsenses, desejos de libertinagem, porque ainda há esperanças deste
quadro de tanta realidade concreta seja modificado, Deus é que sabe quando.
Acreditai e
regozijai os indivíduos de valores e virtudes inomináveis, de condutas
retrógradas e conservadoras, imaculadas, de fé e esperança na vida, porque a
eternidade terrena, contingente lhes será garantida, mesmo que ao longo dos anos
sejam muxibas leves que o vento sopra e elas abanem para lá e cá; para vós não
haverá nem inferno nem paraíso celestial, convosco as metafísicas ou visões do
além, as ressurreições e redenções serão carochinhas das histórias seculares e
milenares. A vida no mundo será esplendorosa e mágica, até a consumação do
“absoluto”.
Rogai glórias e
tributos aos tempos modernos que liberam as línguas e serpentes para conjugarem
na primeira pessoa os verbos defectivos da condição e natureza humana; graças e
méritos aos tempos primitivos de agora, que não permitiram a alienação das
canalhices dos homens, abriram as janelas para o conhecimento do não-ser.
Se aguço os
ouvidos de jegue para ouvir o canto dos urubus, dançar e rebolar, com as
bem-aventuranças da modernidade, não é só para acabar com a raça da ralé
humana, mostrar-lhe suas verdades indevassáveis, mas para alegrar-me com o que
me habita bem íntimo, e por forças da razão e dos princípios da sociedade estão
guardadas a sete chaves, e também para me sentir livre da modernidade, de seus
valores e virtudes, conceitos e definições avessos, esperando a a-nunciação dos
novos tempos e homens.
Cada lágrima
nossa em diamante converte, longe daquele asilo dos senis que defendiam a
eternidade do bem, o espírito se abate; a existência é um frívolo combate, um
eterno ansiar por bens e valores que o tempo leva, flor que resvala ao mar, luz
que se esvai na treva, pelejas sem
ardor, vitórias sem conquista.
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