GRANDES E INESQUECÍVEIS ATITUDES - Manoel Ferreira
A razão que me faz amar, acima de nada,
antes de tudo, sobre todas as coisas deste mundo sem porteiras e cancelas, de
outros mundos sem limites e horizontes, sentindo-me no terceiro paraíso de
tantas felicidades e alegrias, nunca dantes sentimentos, a nossa Câmara
Municipal é que ali a gente pode dizer tudo o que no músculo e nas veias do
coração, que é sentimento, que é emoção, sobre os segredos que rolam nos
bastidores dos gabinetes dos egrégios vereadores, presidente, enfim de tudo que
lhe é peculiar, das trocas de animosidades e ranger de caninos – o que não me
dado saber é se este ranger de caninos re-vela desejo reprimido de morder,
arrancar algum pedaço de carne fresca, lavada com sabonete de grife, alguns
importados do Paraguai, perfumado com loções importadas de Paris, apetitosa;
nalguma oportunidade de encontro com algum vereador, perguntar-lhe-ei se o é,
não sendo, se teria a finesse de explicar-me, sou um indivíduo sobremodo
curioso acerca de tudo que acontece na Câmara Municipal.
Não conheço outro métier de tão
indescritíveis princípios, normas, regras, leis, emendas, cláusulas, técnicas
de diplomacia e finesse, onde o cidadão se sente cidadão, ser humano de raça e
estirpe, o povo se sente tranqüilo, alegre, em sua própria residência. Alguns,
insatisfeitos com os rumos da sociedade moderna, dizem que vão morar no mato em
companhia dos bichos, em relação com a natureza, lá serão felizes; eu, se
estivesse insatisfeito com a mesma sociedade, compraria colchonete e ia morar
debaixo da rampa do prédio da Câmara Municipal, até o presidente encontrar um
quartinho lá dentro para mim, já que é defensor dos “sem tetos”. Modo de dizer,
óbvio, pois que tenho o meu teto juntamente com a minha família, seria apenas
um insatisfeito com a sociedade, e por sentir indescritível apreço pela vida
dos vereadores, com posturas e condutas, princípios morais e éticos,
sentimentos de valores e virtudes reais e insofismáveis, sentimento de missão
em ajudar o povo, deixei tudo de lado e fui morar debaixo da rampa da Câmara
Municipal, mas se quiser retornar não há o que me impeça, a família irá
receber-me de braços abertos.
Cá fora, tudo são restrições, pode-se
isto, não se pode aquilo, pode-se dizer isto, melhor silenciar sobre aquilo. Um
homem crê que um advogado é patife, outro o mesmo é um dos homens mais dignos,
honestos, honrados, além de ser de uma inteligência incomum; outro acredita que
um professor é analfabeto, está na sua cadeira cativa por finesses políticas,
apadrinhado por outras autoridades, outro que o mesmo é o supra-sumo do
conhecimento, dom e talento para ensinar as lições não lhe faltam, não é
orgulhoso por ser professor da instituição de ensino; outro jura que o juiz é imbecil, não entende nada
de leis, é de ad-mirar se algum dia leu alguma emenda de uma lei, outra jura
que é linha dura, não perdoa mesmo, com ele o infrator dos princípios da
sociedade, morais e éticos, sociais e religiosos, vai para a cadeia, os
inocentes são absolvidos, não faz aliança com nenhum partido político, não
defende as posturas e idéias de ninguém, a sua lei é a lei. Todos apertam as
mãos, abraçam-se com volúpia e êxtase, dão tapinhas nas costas, jantam em
rebanhos em restaurantes finos e de comidas caras e deliciosas, tomam uísque
estrangeiro, conversam patacas e picuinhas, e raramente um pateta morre com
convicção serena e verdadeira de que o é. Obra das conveniências, costume,
hábito, mania da civilização, que corrompe tudo.
Creio haver ouvido desde que me entendo
por gente as pessoas dizerem que odeiam políticos, correm deles as léguas. O
ódio se fundamenta por hoje serem amigos inseparáveis, andam juntos, amanhã
tornam-se inimigos capitais, bufam e esperneiam se se encontram nos plenários,
pelas ruas. Se defendem as mesmas idéias, os mesmos projetos, se tomam as
mesmas decisões, se os interesses e ideologias em pauta são con-templados por
ambas as partes, a amizade é indescritível; caso contrário, tornam-se inimigos,
rasgam os verbos mútuos em todas as personalidades. Não são homens de caráter,
personalidade; são, em verdade, maria-vai-com-as-outras. Não sou quem vai
contestar isso, não vou contrariar a consciência do povo, isto porque estão com
a razão, qualquer imbecil disto sabe com propriedade. É de mandar-me a pua, se
afirmo que há alguns indivíduos que se tornam amigos inseparáveis de alguns
políticos por seus interesses e objetivos estarem em jogo, e são estes
políticos que vão realizá-los para eles; e os políticos ficam eufóricos e em
estado de êxtase porque através destes amigos terão outros eleitores; depois
das eleições, é que se sabe se o coelho está atrás do mato, se é o mato é que
está atrás do coelho. Se os interesses dos amigos não são realizados, tornam-se
inimigos, e em todas as esquinas, portas de igrejas, até mesmo dentro delas
descem a pua, foram passados para trás, tomados como reais imbecis e idiotas,
restaurantes, nas praças da cidade.
Se nem todos conhecem os princípios
idôneos da Excelentíssima Câmara Municipal, o menu das diplomacias, o estatuto
dos comportamentos e condutas de todos os vereadores entre si, deles mesmos com
a comunidade que re-presentam, presumivelmente defendem a caninos e unhas as
grandes e inesquecíveis atitudes deles; nem observam as regras de caráter e
personalidade da casa, que são, logo ao terminar a rampa, ultrapassar a porta
de entrada, desabotoar o colete e tirar os sapatos, não só para os pés estarem
à fresca, enfim andaram léguas e léguas, mas também para não contaminar o
tapete vermelho estendido desde o
primeiro degrau da escadaria que leva ao saguão, várias mesas de secretárias ao
longo com os devidos apetrechos e ornamentos da função pública delas, servir às
ordens e intransigências dos vereadores à risca, até mesmo deixarem de lado
amizades porque não condizem com as verdades políticas, humanas, sociais e
financeiras dos vereadores, tais amizades têm amigos que vão prejudicar os
projetos, as verbas não serão recebidas; leais e fiéis em tudo como o são as
secretárias, ouvem e executam as ordens, se não o forem, sofrerão as
conseqüências.
Na Ilustríssima, Ilustrificada Câmara
Municipal, é o contrário, não começa nele para atingir a verdade insofismável e
inconteste, não é enganar trouxas, neste contrário já habita a divinidade da
verdade, odeio rima pobre, mas intenções justificam os meios - é por isto,
leitor, que os políticos não têm caráter e personalidade, o que importa são os
interesses e ideologias, tudo é permitido . Lá não há sedas rasgadas, verbos
deslavados, nem outras bugigangas e convenções. A nossa Câmara Municipal é
ícone de dignidade, honra, honestidade; confesso nunca haver ouvido, mesmo dos
imbecis e idiotas, que desabone a conduta dos vereadores, quiçá os homens de
todos os séculos e milênios venerem a nossa Câmara Municipal, eternizou-se,
imortalizou sem quaisquer deslizes políticos, o que não houve em toda a nossa
história. Tenho verdadeiro orgulho deles, não poderia deixar de lhes
homenagear, vangloriar, ufanizar, cumprimentar nestas linhas que traço com o
meu pobre coração batendo com euforia e êxtase.
A última sessão (para não me alongar
mais do que faz mister) deu-nos um dos espetáculos mais esplendorosos, não
assisti a iguais no circo, no teatro, em eventos artísticos, em que a natureza
rude e ingênua vinga os seus foros. Tratava-se da limpeza do matadouro.
Ao que parece, este serviço estava a
cargo de Lúcio Tranqueira, que o fazia a troco de leite de pato, fui muitíssimo
beneficiado pelo prefeito, devia-lhe muitos favores, era o seu modo cordial de
agradecer tantos favores e benefícios, e dado a outro por uma quantia bem
elevada. Ninguém entendeu a atitude do prefeito – se Tranqueira estava fazendo
de graça, por que dar a outro que estava recebendo mais do que recebia? A única
explicação verdadeira que o povo diz é que o prefeito estava mesmo querendo
gastar o dinheiro do cofre público. Políticos da equipe de Fuinha do Amaral, o
prefeito, dizem que Tranqueira tinha seus interesses nisto de trabalhar de
graça, se fossem atendido, seria complicado explicar ao povo. Um dos
vereadores, Castanho Dourado, pegou do ato, e começou a dizer que o prefeito
não tinha culpa do que fizera, visto que foi mal informado por outro vereador,
Patrício Alves, e caiu em cima deste com todas as puas em mãos e na imaginação.
Não esteve com um nem duas; disse-lhe com todas as palavras em riste que estava
perseguindo o Tranqueira, e protegendo a alguém à custa dos cofres municipais,
algum rabo preso, com certeza, e isto deveria ser devidamente investigado; que
era um escândalo e já não era o primeiro; que o dito vereador é uma potência do
matadouro, onde prefere a quem quer; que prorroga contratos sem conhecimento da
causa; que protege um certo Arnoldo, e muitas outras, parecia que lia um
“boletim de ocorrência” da polícia militar, concluindo por dizer cinicamente
que esperava que o outro, a quem fora dado a tarefa de limpeza do matadouro,
com a eloqüência que todos lhe reconhecem, viria explicar o ato. Os presentes
ao plenário da Câmara Municipal entenderam que Tranqueira estava sendo honesto,
digno, o que era de se ad-mirar, espantar, assustar, nada estava cobrando por
dever ao prefeito muitos favores e benefícios, e que o tranqueira mesmo era o Patrício Alves.
Tudo isso foi dito sem barulho, e
respondido sem barulho. O presidente da Câmara Municipal não interrompeu a fala
do vereador por um segundo apenas, ouviu serenamente com um sorriso um pouco
disfarçado para não se entregar de mão beijada a todos os vereadores e os
presentes. A resposta de Patrício Alves
foi que o novo empresário, que faz a limpeza por $ 4.000, 00 (quatro mil
reais), dá $2.000,00 (dois mil reais) a Lúcio Tranqueira mensais, que a fazia
de graça. Leitor, juro por tudo que há de mais sagrado neste mundo, Espírito
Santo, Deus, Jesus Cristo, Maria são fichinhas, que não estou inventando,
servindo-me de minha imaginação fértil. A única coisa que faço e nada entender
do que está acontecendo. Nem isso, nem a proposta com que o orador terminou,
para que se faça o contrato definitivo com o dito Lúcio Tranqueira. Repito tudo
isto sem barulho, sem cochichos ao pé do ouvido, sem qualquer manifestação
fisionômica de insatisfação, raiva.
Pode-se dizer, é verdade, que os pontos
mais polêmicos deviam ser excluídos da ata, onde se relacionavam os serviços da
Câmara, que não são poucos nem fáceis. Com efeito, leitor, e você bem sabe
disso, compreendo que tenha dificuldade de dizer, ser mal entendido e as
conseqüências não serem nada fáceis, a natureza é rude e franca; mas os ventos,
que são os seus jornais, não transmitem tudo o que ela arranca do coração;
alguma coisa morre por sempre. Não; sou infeliz com este exemplo, não serve, é
ridículo e medíocre; pensemos noutro.
A civilização, que não inventou o
defluxo, inventou o lenço, que dissimula e simula o defluxo,, guardando no
bolso os seus efeitos. Mas a pura natureza está com o chamado lenço de cinco
pontas, que são, Deus me perdoe, os próprios dedos que ele nos deu, e a sua
regra capital é ir deixando os defluxos pelo caminho. Pois bem; deixe a
Ilustrificada Câmara o uso piegas do lenço, não guarde na algibeira os seus
defluxos.
Por que nada entendo do que houve na
última sessão? Tenho a certeza, caríssimo leitor, de que você está rindo de
tudo isto, mais que eu, enfim sou ad-mirador de carteirinha da Câmara
Municipal, e você tem todas as razões para odiá-la, ter náusea, asco, calafrios
na espinha dorsal. O que não entendo é como fazer limpeza do que não existe, há
décadas que o matadouro foi fechado, entra prefeito, sai prefeito, promessas de
eleição são feitas, uma das primeiras é a construção de novo matadouro, mas
isto está incluso nas histórias da carochinha. Mais ainda: como é possível que
a Câmara Municipal faça uma sessão para discutir o por que do prefeito dar o
serviço a outro que estava cobrando mais do que devia, quando um faria de
graça? O vereador mostra o que deve ser feito com rigor e categoria. O que me
pergunto mesmo com esta sessão da prefeita? Pergunto o que está sendo feito com
os quatro mil reais?
O leitor não concorda comigo que a
nossa Câmara Municipal é digna de muita admiração e respeito? Os vereadores, presidente são muito
inteligentes, sui generis no que tange a inteligência, não os chamaria de
gênios, porque isto iria me comprometer, que eu admire, vanglorie, aplauda,
ufanize, isto é de meu direito, mas lhes considerar gênios é realmente bajular,
e você, leitor, vai logo pensar o que estou desejando receber em troca desta
bajulação. Não é verdade? Deito o resto ao chão, e vou espremer os miolos para
elucubrar o que está sendo feito com os quatro mil reais dos cofres públicos.
Comentários
Postar um comentário