À LUZ DA EFEM-ER-IDADE - Manoel Ferreira
Se o tudo fosse o nada – o artigo
“o” identifica, de-fine o “tudo”, isto
é, refiro-me às coisas contingentes em sua completude, o mesmo no concernente
ao nada; não houvesse o artigo, o sentido seria noutro, não abarcaria o que
desejo expressar; mesmo que permanecesse o artigo identificando “tudo”,
retirando o de “nada”, não mostraria o que pretendo – o nada jamais seria o
tudo, para sê-lo necessário transformá-lo através de trabalho, de sonhos que
podem ser reais, tornarem-se realidades, o tempo de vida é muito curto para uma
façanha deste porte. Como explicar o nada que nascemos, apesar dos dons,
talentos, sensibilidade, capacidades espirituais, e transformamos em tudo ao
longo da vida para sermos homens? Fabricamos uma côdea do pão de nossa
sobrevivência, somos limitados apesar de tudo. O tudo são as graças que Deus
nos doou gratuitamente, tais graças são para nos tornarmos homens. Nascemos
nada, transformamos-lhe em tudo, com a morte nada e tudo se confundem, são
únicos, uma unidade.
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Há quem
não valorize o que tem, o que conseguiu com anos de lutas, insistências,
persistências, dores e sofrimentos, o que construiu com muitos esforços,
angústias e desesperos; para eles, é nada, isto por ambição, fome, sede, querem mais, muito mais, desejam superar
os limites que lhes são de natureza e condição, vencer as carências e ausências
de serem queridos e amados; bens materiais são efêmeros, só os espirituais,
culturais e intelectuais são eternos, conferem a eternidade, sino, símbolo,
metáfora de uma verdade. Se acontece de os perderem, conhecerão o nada, o resto da vida não lhes seja possível
resgatar um pontinho da côdea do pão com que antes lhes alimentou, com que
tinham segurança para o amanhã, com que sabiam haver construído algo. Advêm o
arrependimento, culpa, chorar leite derramado é cretinice.
Estar dis-posto a isto é saber que a morte
virá e muito pouco será real-izado. Se o nada fosse tudo – ou devesse dizer
“fosse o tudo”? Jogo com os dois sentidos, aproveito o espírito brincalhão que
se me anunciou agora -, o tudo nada seria, o tudo jamais teria existido. Há uma
vantagem sem precedentes em o nada ser tudo, sejamos sinceros e olhemos à luz
da efemeridade da vida; há uma vantagem sem precedentes em o nada ser tudo, ser
o tudo, aliás, sendo inteligentes e de espírito que con-templa o real, a
realidade, deveríamos só olhar as coisas por inter-médio desta luz. Não seria
preciso lutar a unhas e dentes para algo construir, suar o corpo inteiro para
se sentir útil na vida e aos homens, ser feliz, vivenciar as alegrias, receber
de outrem reconhecimentos e glórias, que jamais acontece como deveria sê-lo,
isto porque imperam a inveja – a inveja é como tomar veneno e esperar que o
outro morra - , o despeito, o ciúme, é esperado que realizam coisas mais importantes
do que o outro, superam os seus dons e talentos, e nunca acontece, mas após a
morte vêm com toda a pompa, glórias e louvores são aos milhares, até mesmo
considerar uma inteligência excelente, grandes feitos, um homem simples em
gênio, ser lembrado por sempre; não haveria sentimento de angústia por os
empreendimentos todos nada haverem resultado, luta e trabalho perdidos, para
nada, sentimentos de fracasso e frustração por os sonhos haverem sido irreais,
objetos de fugas, justificativas, medos e ilusões, apenas para ludibriar as
incapacidades, incompetências di-versas, e mesmo para não ser aos olhos do
outro um verdadeiro ser vegetativo. Sendo o nada o tudo, tudo, sonhos, desejos,
vontades, o ser e o não-ser não existiriam, se existissem, seriam criações e
criatividades de uma imaginação fértil, interessante observar que só os
artistas em todas as dimensões da arte são
portadores de imaginação fértil, também os incompetentes, incapazes, com uma diferença sutil, os
artistas realizam seus sonhos e projetos com a fertilidade de suas imaginações,
o incompetente e incapaz só a possui, mas dele nada sai. A imaginação fértil só
serve mesmo para inveja, despeito, ciúme, multiplicar suas dores e sofrimentos.
Poder-se-ia
viver tranqüilo, nada de esforços, lutas, desfrutar cada momentinho da vida,
sem preocupações de qualquer ordem e nível, não coçar saco pela vida a fora,
porque isto é vulgar, e também porque esta expressão “coçar saco” é própria de
quem, ou não gosta de dar duro para conseguir seus objetivos, ou não gosta de
trabalhar para sobreviver, ou já conseguiu tudo o que queria, ou se satisfaz
com muito pouco, precisa chamar a atenção do outro, precisa mostrar-se para
ser, não vislumbra qualquer outra coisa, pode coçar saco pelo resto do tempo
que ainda lhe resta, como quem conseguiu a fama desejada pode deitar na cama,
refestelar-se contando os segundos e minutos, olhando as nuvens brancas e
azuis, os raios do sol castigando a terra, a chuva caindo fininha ou
tempestade, as estrelas brilhantes no céu, dando-se ao luxo de as querer
contar, a lua a iluminarem a escuridão da terra. Pode ficar pelas esquinas,
bancos de praça, falando da vida dos outros, censurando-lhes as mazelas e
pitis, arbitrariedades e gratuidades, fraquezas de caráter, condenando-lhes. Isto
é próprio do tudo que inevitavelmente tem de ser construído, deve sê-lo,
custando o que custar, o preço da vida.
A vida
seria divina, se o nada fosse o tudo: não haveria dificuldades, obstáculos,
limites, impossibilidades, janelas e portas estariam escancaradas para qualquer
desejo, seria só estralar os dedos e as coisas desejadas estariam à mão, com
direito a risos e saltitâncias de alegria e felicidades; não haveria tristezas,
solidão, desconsolo, carências, medos, das dores e sofrimentos advindas deles
estar-se-ia isento, não existiriam em verdade... Quê beleza a vida sem dores e
sofrimentos! Não se morreria com o sentimento de fracasso e frustração por não
sido possível sentir-se realizado; não se morreria com o sentimento de que não
teve condições de vislumbrar o tudo, de con-templá-lo; morrer-se-ia de nada;
tomando em consideração que o homem pratica o suicídio por sua vida não ter
sentido, e o sentido está sem dúvida relacionado ao tudo, não haveria
suicídios, uma grande vantagem, com efeito.
Nada
haveria, se o nada fosse tudo, fosse o tudo, creio até que os homens
esbanjariam suas felicidades, alegrias, não seriam de momento, não aconteceriam
só de vez em quanto nestas ou naquelas situações, estariam presentes sempre na
vida. Nem mesmo se sentiriam entediados e enfastiados com o mesmo. A repetição
das coisas que acabam culminando no mesmo é do tudo que precisa ser construído
ao longo da vida.
O
espírito sempre quer e deseja conquistar outras realidades, sentir-se
conhecendo a vida, descobrindo outras possibilidades, outros sonhos, quimeras e
fantasias, está sempre com os olhos além do que está vivendo. Dizem filósofos,
psicólogos, sabedorias seculares e milenares que o homem deve viver o seu
momento presente, viver o presente é o mais importante da vida, nele o homem
encontra salvação de suas realidades psíquicas, emocionais, contingentes, nele
se liberta das suas correntes e algemas de caráter e personalidade, nele se
espiritualiza, nele cresce e amadurece. Nalguns sentidos, estão todos com razão,
o presente é a vida, o passado é a vida que se foi, que se transformou, e o
futuro é a vida que poderá ser diferente se entregue nas mãos dos projetos e
sonhos. Assim, não se pode tirar do homem a sua dimensão de outras realidades,
da felicidade, da alegria, do amor incondicional, é o futuro que poderá
libertá-lo das dores e sofrimentos, torná-lo homem-deus, pode tornar-lhe eterno
com seus feitos, seus sonhos, utopias.
Se o
homem fosse nada, a vida seria o tudo? Como poderia sê-lo: para haver vida, mister
as criaturas de Deus. Não consigo imaginar o homem sem vida – todas as
criaturas de Deus são vidas, as vidas lhes habitam -, sem vida é o cadáver do
homem. A vida é tudo, o homem é nada, se não se entrega por inteiro à busca do
tudo, absoluto, pleno. Nada é nada, nada é tudo. O que existe mesmo é a vida, é
o nosso maior tesouro, a chave-mestra de tudo que somos, do que seremos. Em
verdade, não deveríamos legar qualquer atenção a isto de “tudo” ou “nada”,
preocuparmos unicamente com a vida, dar-lhe sentido, realizá-la, sentirmos
felizes e realizados com ela, pois que é objeto de nossos desejos e vontades, é
o verbo de nossa carne, com o que nos espiritualizamos ao longo do tempo de
nossa existência. Em verdade, o tudo e o nada são as nossas algemas e correntes,
são as nossas angústias, e não libertaremos deles jamais se não
com-preendermos, entendermos, conscientizar-nos que é a vida que nos libertará
deles, transformar-nos-á, tornar-nos-á
em homens verdadeiros.
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