ANA JÚLIA MACHADO CRÍTICA LITERÁRIA POETISA E ESCRITORA ENSAIA À LUZ DOS FILÓSOFOS HUSSERL E SARTRE O AFORISMO 580 /**ASES VELAM O PÔQUER**/



No texto tempo de travessias e imaginação fértil…do escritor Manoel Ferreira Neto, em que o título surge na minha despretensiosa convicção para baralhar ainda mais o leitor. Mas que não deixa de ser inoportuno, porque quem joga pôquer oculta o real…não deixa de viver num mundo imaginário…e que vulgarmente fazem bluff, para enganar o que está no jogo com ele…ganha quem tiver mais imaginação…cada um procura o seu destino. E, quando fala no que é isto de existir’? Pois se calhar não deixa de ser uma utopia, visto que vivemos mesmo uma fantasia transitória…a vida um dia termina não é eterna. Assim como quando termina com a frase: Folhas secas caídas, húmus para outras (estrume que será para outros que virão), serão emprenhadas no tempo - flores, exalarão odores deleitáveis, aformosearão a natureza, arrebatamentos dos observares.

Folhas estopadas no chão hoje. Assim vê a vida…

Vou fazer uma análise que não sei se correta, pois tanta coisa se poderia dizer deste aforismo...focar-me como vejo este aforismo, ou seja, um modo de ler literatura que se centraliza na faculdade de provocação dos apegos e no relacionamento que se refere ao físico com exceção das entranhas, do ledor no mundo dos factos, via idealidade. Como extensão anómala do conhecimento – coacto ou seja, que foi coagido; que não possui o direito de escolha; desprovido de tomar suas inerentes decisões. Que no jogo diz-se do poderoso que já não pode-se mexer na enchente temporal, mas aberta as faculdades intersiderais –, a imaginação é o império que, descarregado pelo texto literário, introduz o corpo do leitor ao saber vivo da erudição, que, de outro modo, se circunscreveria à criação de sentido, com toda a eficácia do texto e do leitor se transformando em ponderação. Está em entrelinhas que aquilo que da prática viva resiste à exegese, facilita, de feição veloz, um local da Erudição que trata das leis gerais que reinam o universo. Ao leitor, o que se entende, como uma “volta para casa”; e consente a vivência carinhosa de oportunidades divisíveis por meio da comunicação entre imaginário e ilusório.

Calculo que quer dar a ideia de presença em uma hipótese da imaginação aplicável à leitura, em que as concepções de escrúpulo, autoconsciência e atenção, dispensadas às ciências cognitivas e à filosofia do intelecto, são postas em diálogo com a contenda sobre a conexão entre físico e subjetividade e com a fenomenologia husserliana e sartriana, para a ponderação sobre uma circunstância afetiva da consciência. Atribuo, então, um carácter dúctil à imaginação, que a aproxima da memória, como dimensões em que se interpenetram a realidade externa e os afetos. Leva-me a argumentar nesse caso a aptidão de se pensar a experiência literária como um jeito de representação/afeto.

Ana Júlia Machado

#AFORISMO 580/ASES VELAM O PÔQUER#
GRAÇA FONTIS - PINTURA: #O JOGO#/ARTE ILUSTRATIVA
Manoel Ferreira Neto - AFORISMO

Lágrimas velam as estrelas sejam cadentes, sejam cintilantes - "Águia, conduza-me por uni-versos e horizontes...", "condor guiai-me por in-finitos e in-fin-itivos dos verbos, a estilística meta é a luz do gerúndio per-fazendo outras dimensões e ângulos da tangência do espírito e da alma -, sentimentos indizíveis, in-explicáveis, emoções in-auditas, in-inteligíveis. A outra dimensão da alma, concebida e gerada à mercê do tempo de ventos, dada a luz por inter-médio dos mistérios e enigmas da solidão do silêncio no instante de lazer.

Tempo de travessias.

O que é isto - ec-sistir? É engalfinhar-se na teia de aranhas das decisões e consequências que o homem "des-enleia  com a exultação e a erudição do habitar." Nesta inspiração que compõe esta baila, floresço, apesar da quimera que é o seu eidos, floresço, teço alamedas e becos para as verdades nostálgicas e dúvidas ancestrais. Avisto no Éden as exíguas constelações do medo e da fuga... - o que é isto a aura surdir com sua aparência magnificente nas sombras das idéias e dos sonhos? 

Tempo de metáforas versejando a noite ao longo de sua passagem ao alvorecer, versos e estrofes inscrevendo nos ideais o som do "Ser" que se ritma e melodia de querências e volos do eterno, lágrimas descendo faces, velando estrelas que cintilam os silêncios do vir-a-ser. Tempo de metafísicas das turvas elucubrações desorientadas havendo inúmeras passagens em que se re-vela um segredo secreto, vontade cansada e incerta de pregar  um verdadeiro retrocesso, de pregar a con-versão, a negação das facticidades e ipseidades e dizer com todas as letras na ponta da língua em riste: "Procurem a salvação noutra parte."

Lágrimas de alegria?
        Emergir de um desvario,
        florar de um devaneio na floração
        de um desejo,
        não da demanda de um revérbero
        em algum reflexo
        na imagem dos sibilos do tempo nos ventos.
                                   Lágrimas de felicidade?
                                     Con-templar ao longínquo, ao distante,
                                          a fragrância do in-cógnito,  
                                                            Lágrimas por o celeste estar
                                   re-vestido de tanta beleza,
                                               beleza pura,
            beleza inocente,
beleza ingênua.
                                             
                                             Noite - noite sim!
                                        Instante-limite da alma
                                                       que
                                        sente o sentimento do vazio,
                                                nasce um sonho
                                                          de
                                                        verbo
                                        que regencia a liberdade.

                                  As perguntas, para as quais não há
                                                     res-postas,
                                      são apenas chamas de achas
                                            das utopias, vontades
                                                       do Ser,
                                           endossam os limites das
                                            possibilidades humanas,
                                               traçam  as fronteiras
                                                  da ec-sistência.         
                                            
Mas não é momento mais lindo, mais mágico? Princípio do alvorecer, genesis do amanhecer, quando a vida sente no espírito o boreal de sua glória, voar, voar por todos os horizontes, realizando sua essência, o "Ser" em todas as suas dimensões contingentes e trans-cendentais. Na penumbra, na poeira e na fumaça, parecem muito mais re-vestidas de perspectivas a serem in-vestigadas e avaliadas.

Lágrimas velam as estrelas. Estrelas são veladas por lágrimas.

Elucubração...
                         Fantasia...
                                           Imaginação fértil... Nada de falta de inspiração, nada de palavras haverem-se re-colhido para renascerem outras. Esvaeceram-se. Secaram-se.

O meu sacrifício é re-duzir-me à existência pessoal. Fiz do meu prazer e da minha dor o meu destino disfarçado ou o disfarce foi o destino da dor. E ter apenas a própria existência é, para quem já presenciou e viveu as lágrimas, velar as estrelas. Mister tenha a modéstia de existir. Quiçá o que sou faculta a garra de coalhar-me num AÍ, caracteriza uma INTELECÇÃO.

Nada há que se possa considerar nestas linhas preenchidas, contudo ficará registrado, testemunho de quê? De nada, em verdade. Não vou jogar fora algo que me custou angústia sem limites para ser produzido, ao longo dos ventos o vômito, ao longo do tempos, a náusea, não vou desprezar o quão refleti e pensei sobre estas lágrimas que velam as estrelas. Há coisas que nascem póstumas, tenham ou não valores que endossem, a posteridade que cuide de jogá-las fora ou re-colhê-las.

                     O ás do pôquer,
          Que esplendorosa e esplendente
                         jogada: quatro ases,
                            naipes diferentes,
                 o desejo da jogada consumada,
                               é a perspectiva
                                  da outra jogada,
                               é o sortilégio de cortar o baralho,
                   a etern-idade não é a poesia da luz,
                   a etern-itude não é a poiética da sombra,
                       a etern-escência não é a poemática
                             da contra-luz, da luz,
                             da contra-sombra, dos raios de sol,
                                 é intenção do jogo a glória
                                         da harmonia
                                entre a dialéctica das sombras
                                      que ventos perpassaram,
                                e o diá-logo mon-ológico
                                        dos abismos do ser
                                             desejos da palavra
                                                  que superou e suprassumiu o silêncio,
                         o que ela exorta com a sua magia,
                         o que ela expele na fumaça do cigarro, efêmero,
                         o que ela exulta com a estética da expressão do estilo,
                         o que ela concede des-abrochar de prazer e náusea,
                         alfim as sensações de beleza, de belo,
                         carecem da exultação das sensações do Ser,
                         carece do exalar o ser das con-tingências.               

Deixando de lado palavras secas, falta de inspiração, ausências de molhados sonhos de desejos totens e totens de vontades, as palavras se re-colheram para re-nascerem outras, sendo hoje tão alheio, tão disperso, tão inexistente no tempo e existente neste ínfimo e esvaecente sentir seus tempos, nada me diz quaisquer respeito, tão indiferente, se o abismo se trans-cender, tornando-se paisagem no In-finito, estou-me nas tintas, pouquíssimo se me dá. Já-já o anoitecer, virá o sono, estarei dormindo.

Aquela velha e eterna coisa: "Amanhã será outro dia..." Murmúrio eleva-se, mas desta vez dá margem a sentir que traz em seu bojo segredos e mistérios.

Folhas secas caídas, húmus para outras, serão concebidas no tempo - flores, exalarão perfumes deliciosos, embelezarão a natureza, êxtases dos olhares.

Folhas secas no chão hoje.

(**RIO DE JANEIRO**, 08 DE FEVEREIRO DE 2018)

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