#AFORISMO 582/RESTA-ME IR EMBORA PARA CASA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA - #NOTAS BIOGRÁFICAS# /ARTE ILUSTRATIVA/ Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Intros de pecções sublimes, circuns de pecções edênicas, quiçá, vislumbrando o nada que flana livre e solto na neve, performance de dançarino no sopro do vento, brincadeira inocente, (nada mais esplendoroso e mágico), por todo o inverno não será trapézio, trampolim, ponte para o In-finito, a neve cobre toda a trajetória, itinerário até lá. Quem sonha, cria e re-cria todas as utopias da liberdade em atingir este pampa santo do uni-verso, onde degustar as divin-idades do verbo e do ser, terá de esperar a primavera, à mercê das chamas da lareira, às voltas com a memória eivada de lembranças, saudações... quem dera o esquecimento, quem dera não mais re-colher e a-colher os acontecimentos!

Encolheram-se até os instintos mais primevos. A chuva cai forte neste instante, de repente um raio seguido de trovão, um bêbado dá de fuça com o chão, saindo do botequim. A tarde estava muito escura, nuvens pretas, armava uma tempestade. Não dei atenção a observar as coisas, a tempestade de imediato. Encolhi-me, o que nunca fiz na vida diante de raios, trovões, relâmpagos. E eu escrevendo sobre o nada que flana livre e solto na neve, tempo de refestelar-se, está exausto de tanto con-duzir as almas ao In-finito.

Pudesse eu criar, nas emoções,
                                                    uma sinfonia do universo,
                                                            ópera do horizonte,
                                                            serenata do in-finito,
                                                                              em notas suaves a inteirar-se
                                                                                        nos liames da alma...
                    Engenho e arte a síntese delas em atos diferentes,
                                       o nonsense e o simples em cena,
                                       teatro do absurdo,
                                       angústias e tristezas abomináveis,
                                                  a contingência de mistérios, enigmas,
                                       nos recônditos da inconsciência...

Pudesse eu criar, nos sentimentos, uma ária de vida em partituras verdadeiras, num tom profundo, numa tonicidade real...

Sei existir, em mim, o início de uma composição musical, mas a percuciência das palavras a se mostrarem nítidas, afasta a música e tudo é destilado.

As palavras,
uma definição
contingente...

Estou tão estupidificado com o raio seguido de trovão, as palavras tremelicando escafederam-se, só a pena desliza no papel, a mão segue-lhe solícita e compassiva.

Não mais qualquer trovão, relâmpago, a chuva apenas caindo, aliás diminuiu bastante. Por que o raio seguido de trovão justamente quando escrevia sobre o nada flanando na neve, livre e solto? Sei a resposta: as con-tingências da vida ainda mais pujantes e eu com a minha poesia. Não foi somente eu quem se assustou com o fenômeno, o bêbado deu com as fuças na calçada.

Perdi o rumo das coisas. A pena segue delineando caracteres nas linhas da página, nada sei do que é registrado. Levanto a cabeça um pouco: alguns clientes observam-me, chove, um raio ensurdecedor, e continuo com a pena deslizando na linha da página. "Só um louco!..."

Raio seguido de trovão: que estardalhaço! Se Mefistófeles ouviu, com certeza  enchafurdou-se nalgum cubículo do inferno. Os meus instintos se encolheram.

O coração pulsando vazio, vago, no interior do peito e uma tristeza enorme na alma, quase um pensamento.

Mantenho-me num silêncio infeliz e dissolvo-me absolutamente no interior.

A mão direita treme de delíquio.
                                                    Os dedos retesam-me fáceis,
                             recusam o estilo, a forma,
                                                                       negligenciam o sentido.
A perna esquerda cruzada
                                      De por baixo da mesa,
                                                quiçá um estilo de ironia,
                                      até no corpo deverão estar presentes o contrário,
                                                         a dialéctica, o nonsense.

Os olhos dispersam-se no universo das palavras.

Sentia-me em estado de êxtase com o nada flanando livre e solto na neve, escreveria algo além de todas as inspirações, e vem o raio seguido de trovão, tirando-me a iluminação. Por mais talentos e dons habitem-me, por mais a inspiração transcenda todos os limites, inda assim não serei capaz de recuperar, resgatar a idéia do nada flanando na neve. Tudo o que a pena registrou desde o fenômeno sentido algum tem, nonsense deslavado.

Longe de mim ser profeta de minha vida. Início de Quaresma e um fenômeno natural deste acontece, desvirtuando minhas idéias, encolhendo os meus instintos! "Deus, oh Deus, perdoai-me as sátiras, ironias, cinismos, sarcasmos. Prometo que de agora em diante serei adepto e fiel a todos os dogmas e preceitos da Igreja."

Só com um fenômeno assim no início de Quaresma para me fazer prometer fidelidade aos dogmas e preceitos da Igreja. Melhor isto que dividido ao meio por um raio, ainda sob as pornéias dos presentes: "Vivia dividindo as palavras na contramão das regras gramaticais. Está ai dividido ao meio por um raio, a alma fazendo companhia aos insurrectos e hereges da linguística no abismo do inferno". O que é a criatividade das pessoas: "abismo do inferno", e tais criatividades só no momento de trágicos acontecimentos.

A chuva passou. A tarde está agradável. Resta-me ir embora para casa, deitar-me, dormir. Quem sabe amanhã a iluminação seja inda mais divina: a neblina flane no nada e este se sinta mais regozijado, o friozinho perpassando-lhe as pers dos "stícios-inter", quê sensações deliciosas!...

Quem pode saber o calor e suor que provocam levar as almas ao In-finito?!...

(**RIO DE JANEIRO**, 13 DE FEVEREIRO DE 2018)

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