NÃO ESTOU EXALTANDO A VULGARIDADE! GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA




Fico a imaginar se houvesse alguém que exaltasse a vulgaridade, colocasse-a no Olimpo, a que nível não estaríamos os humanos condenados a viver, a sarjeta imunda em que estaríamos arrastando. Não há nem como imaginar isto, além do nó górdio na garganta, um mal estar no estômago sem limites, uma náusea sem fronteiras.


Não é possível haver quem exalte a vulgaridade – se houver quem, aí é de responsabilidade de Deus, fora muito intransigente com o ser humano, ninguém merece chegar a este nível, mas como Deus não é responsável por nossa vulgaridade de exaltar a vulgaridade, - por mais que se compreenda e entenda o mundo e a Vida, ou por mais que não se compreenda e entenda o ser humano.


É sim impossível haver quem exalte a vulgaridade, seria objeto de riso de todos os homens de senso, de razão, inteligência, sabedoria. E mesmo: quem exaltasse a vulgaridade sofreria por saber que a sua condição única era a vulgaridade, ficaria nos anais da história como a vulgaridade em corpo e alma, em suma, em pessoa.


Ninguém mais ouviria alguém dizer a plenos pulmões não estar exaltando a vulgaridade, e todos estando cientes de que além de suas idéias e pensamentos, seus sonhos e utopias serem vulgares, o que seria risível, objeto de comentários em todos os salões de personalidades e figura impoluta de caráter sem jaça. Não teria sentido algum dizer assim, pois que isto não acontecia, não tinha nenhum fundamento – de nada valeria dizer isso, não teria utilidade.


E com que intenção alguém iria exaltar a vulgaridade? Em caráter particular e individual? Em caráter de ideologia e interesses os mais mesquinhos? Em caráter de poder e insígnia? Fosse assim, estaria sim endossando a sua inscrição na estátua em praça pública, o seu epitáfio como vulgar, a vulgaridade em pessoa.


Daí é que não acredito que alguém seja capaz de exaltar a vulgaridade, torná-la não apenas um “mito”, mas uma “verdade” para todos os tempos e épocas da humanidade. Seria uma falta de amor-próprio sem limites. E não há homens no mundo quem não tenham amor-próprio. Somos homens que nos amamos a todo momento, só buscamos o que nos convém, o que nos faz crescer e amadurecer.


Há-de se ressentir quando alguém diz estar exaltando a vulgaridade – outra coisa não está dizendo senão que está contribuindo para resultados viperinos, imorais e antiéticos, quando deveríamos estar, ao contrário, buscando contemplar as verdades, traduzir os sonhos, utopias, sermos quem constrói uma vida digna, um mundo ainda mais digno. E quando alguém diz que não está, é motivo e razão suficientes, um testemunho sem fronteiras para saber que não está mesmo, aliás, não seria de modo algum inteligente dizer que não está, é o óbvio, todos sabemos disso.


E se digo aqui, quem está escrevendo, registrando nesta folha de papel essas idéias e pensamentos, não estar exaltando a vulgaridade, não estar mesmo porque tem consciência e sabedoria, sendo apenas uma “redundância” – poderia chamar assim? Não o creio -, ao contrário, chamaria de ênfase. A ênfase numa linguagem vulgar é estar destacando a idéia, com este ou aquele interesse, com esta ou aquela ideologia. Seria até um atestado de vulgaridade estar exaltando a vulgaridade.


Não creio que já tenha chegado ao nível de ser testemunho de minha própria vulgaridade, insanidade, ou melhor dizendo, pois que só um insano poderia exaltar a vulgaridade. Aí sim colocaria em mãos dos amigos e conhecidos, inimigos e companheiros, o direito e o dever de me internar num hospício por estar exaltando a vulgaridade.


´Seria merecedor de hospício quem exaltasse a vulgaridade, e não há medo ou terror maior para os homens que chegarem ao nível da loucura irreversível, morrendo, e ficando a memória dele como louco, varrido, esquizofrênico, psicopata, esquizóide. É óbvio pensar que ninguém, sabendo que a consequência de exaltar a vulgaridade, o resultado que ela permite com categoria e saberia é o “hospício”. Não precisaria estar dizendo isto. Contudo, arrisco enfatizar a ideia por ser muito interessante, até mais de importância. Ninguém iria desejar começar a exaltar a vulgaridade até morrer louco no hospício, nada mais podendo dizer a respeito senão de sua vulgaridade no mundo, de sua loucura por haver começado a exaltar, atingindo o limite do razoável, ultrapassando-o, atingido o limite do inteligível, atingido o nível máximo que é, “sem tirar nem por”, como sempre houvera esta expressão, a agonia por não ser mais capaz de retornar, e tudo o mais servirá de aproximação da morte, com todos os sofrimentos e dores possíveis.


Sendo um homem de ótimo bom senso, não acredito e nem posso acreditar que nas entrelinhas nada mais estar a fazer senão isto, eu é que não posso perceber ou intuir, por desvios desse ou daquele nível, perturbação psíquica e emocional dessa ou daquela categoria. Não posso acreditar que o esteja fazendo. Se estiver, é bom mesmo para que aprenda a dizer as coisas com mais engenhosidade e arte, por esta trilha de busca de compreensão e entendimento, é isto o que estou a dizer, por estas palavras mesmas.


São eminentemente vulgares estas palavras. Se não acredito que seja, não seria mais conveniente começar a pensar que não tem sentido algum, o que mais se ouve, o que mais se faz na humanidade desde tempos imemoriais é exaltar a vulgaridade, somos homens vulgares, de uma vulgaridade ajuramentada. Essa é a nossa condição de humanos: exaltar a vulgaridade, ser vulgar para assim expressar a nossa vida, o nosso ser. Aí não podendo dizer que somos homens condenados ao vulgar, somos quem jamais somos. Ao contrário, dizendo que somos livres.


Seria um acinte aos homens, e teriam toda a razão se me condenassem ao desconhecimento após estas palavras, as interpretações de todos os pontos de vista possíveis e impossíveis. Não lhos tiraria a razão, teriam-na de direito. E isto não faria. Creio que se trata de minha vida, como a contemplo e interpreto, como a vejo e vislumbro, é dizer o que penso e sinto. E o que penso e sinto é não estar exaltando a vulgaridade. Não estar dizendo nas entrelinhas, sendo esse o interesse, o jogo particular, que os homens são vulgares; se atingimos esse nível em nossa civilização, fora por não havermos parado e pensado o que estávamos exaltando como a nossa verdade, a nossa esperança, o nosso orgulho, mas ainda haver tempo para uma mudança e transformação, bastando unicamente nos entregarmos ao sonho do verbo amar, e tudo o mais seria justificado e explicado, não importando, mas constituindo a nossa verdade, o que fizemos do que fizeram de nós, o quanto mostramos a nossa capacidade e arte de viver, de sermos Vida, e de a realizarmos em todos os sentidos.


Não havendo quem sustente agora, neste ponto de minha escrita, que estou sim exaltando o vulgar, por unicamente vivermos num mundo em que o mais que se faz é exaltar o vulgar para que não seja permitido mergulhar no sentido da vida, na Vida, atingimos sim o Olimpo da vulgaridade, não apresentarei quaisquer argumentos em minha defesa, pois seria uma vulgaridade sem limites apresentar argumentos em defesa da vulgaridade que me fora indicada como mérito, se nada fiz que exaltar a vulgaridade, de buscar o vulgar como sustento e alimento de minha vida.


#riodejaneiro#, 10 de junho de 2019#

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