#NÃO FAÇO ESBOÇOS DA MEMÓRIA DAS COISAS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO SATÍRICO $$$



Sim, mas agora, enquanto dura esta manhã de ideais e pro-jectos além dos lotes vagos da inconsciência e alienação, instintos e cegueira, além dos jardins de delícias da terra maculada de idolatrias fúteis, ciências gaias, reverências indecentes, bem-aventuranças jubiladas por suas ausências de sentidos e significados, estapafúrdios despautérios, este tempo de após chuva por toda a madrugada, esta neblina que cobre a montanha, esse friozinho ads-tringente, as flores, as folhas respingadas, essa paz que sinto no mais profundo de mim, quiçá por querer, ter vontade de cavalgar noutros prados, no corpo os sintomas do tropear do cavalo, na mente os prazeres inomináveis das coisas futuras que se a-nunciam, embora seja inacreditável, seja-me con-sentido crer o que jamais poderei ser, seja-me permitido nada saber do que já sei, do que desejava saber.
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Ser de sou, em mim o verbo,
Que re-nasce, re-nascendo o re-nascer,
Que, re-nascendo o re-nascer, re-nasce o ser-da-vida,
Sou de ser, nos re-cônditos da alma,
A luz que alumina a morte e vida do verbo,
Iluminância que cintila de brilhos luzidos
A vida e o eterno-do-ser,
Ilumin-idade que dessedenta a carência
Ilumin-itude que des-fomenta as ausências
Da sabedoria das Palmeiras do Inverno.
Perquiro de mim:
"Por que crê assim com tanta fé
O verbo que renasce na carência dessedentada
Traz em suas conjugações particulares do tempo pretérito
O sujeito dos equívocos mais atrozes, árduos,
A Sabedoria é re-pensar os caminhos dos saberes,
Projetar outros que os suprassumam e superem..."
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Ergo-me para uma nova manhã, manhã docemente viva, manhã efetivamente presente em todas as coisas, especialmente nas minhas retinas – quem dera pudesse con-templar as imagens que perpassam as minhas pupilas! quiçá as volúpias e êxtases fossem mais pujantes! A minha felicidade é pura, é o reflexo do sol na água, é a imagem da sombra no chão que é de giz. Cada acontecimento vibra em meu corpo como pontas finas de estalactites que se espedaçassem... Acordei esta manhã e olhei para a mesma página velha, a existência na mesma velha gaiola das incompetências, incapacidades, faltas, falhas, lapsos de inteligência e percepção das coisas. Sinto-me como um prisioneiro em um mundo de mistério, gostaria que algo se revelasse inesperadamente e empurrasse para trás o relógio para mim...
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Ser de verbo, em mim o vento,
Que regencia os tempos e histórias dos sonhos,
Que concorda as dialéticas e as circunstâncias ambíguas,
Que conjuga os enganos e dúvidas com as contas do terço
Das in-verdades e devaneios,
Que corrobora "enálages" aperfeiçoarem as con-tingências
E ideais do tempo e dos ventos;
Depois dos momentos curtos e profundos,
Mínimos e abismáticos, vivo com serenidade e
Calmaria durante longo tempo,
Quase impossível conceber a sua extensão,
Diria em termos dos alhures aos algures a distancia,
Com-preendendo, recebendo,
Resignando-me a tudo, sendo-lhe indiferente de todo.
Caem as folhas secas no chão irregularmente!,
Caem os frutos das árvores nas calçadas da avenida,
O populacho não apanhando, diz ser venenosos...
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Parece-me fazer parte do verdadeiro mundo e estranhamente haver-me distanciado dos homens, haver-lhes desconhecido, ser indiferente a eles, se existem, se são frutos de imaginação fértil, isso muito pouco diz-me respeito, isto muito pouco me desperta para outras jornadas em busca da verdade. Embora neste instante consiga estender-lhes a mão com uma fraternidade e solidariedade de cuja fonte viva sente presente. Falo-lhes das próprias dores, falo-lhes dos desejos e esperanças, falo-lhes dos sonhos e da fé, e eles, embora não ouçam, não pensem, não falem, têm um olhar bom, um olhar compassivo. Olhar que enternece o mais profuso da alma.
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Ser de quem sou...
A verdade me falta na continuidade do tempo,
O eu-de-mim é a busca dela:
Vivo manuscrevendo as entre-pedras de suas estradas,
As pedras em fileira das peças artísticas
Dos tempos de Martha Moura,
Sinto-me tecendo as linhas poéticas
Do diamante que risca o éter do apocalipse
Dos pretéritos das genesis às luzes das etern-itudes...
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Sim, mas agora, enquanto dura esta música do extermínio do Muro de Berlim, The Wall, o itinerário propício para encontrar a alma é afastá-la o mais possível de mim... Existir só em mim é não ser mais alguém. Um riso tres-loucado repousa em todo o quarto como se de tão sentido houvesse perdido o significado, e fosse apenas sua própria idéia. Reconfortante um repouso e os pensamentos inteiros são reminiscências de entrega. Para além de minha subjetividade... alcanço o seio mole e fecundo do próprio ser... A longa extensão dissolvendo os limites...
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Saber onde estar para poder estar em toda a parte, saber onde deitar-me para estar passeando por todas as alamedas, por todas as quitandas. A meta invisível, resolver a equação da inquietação prolixa, ali sem restrições nenhumas. Não há resultado de conversa que não seja meu por acaso. Não há modo de eu não estar em toda parte. O meu privilégio é tudo.
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Ser de nada verbos que sibilam entre pedaços de jornal crestados pelo sol, ressecados e quebradiços como folhas mortas, tão amarelas que se poderia dizer, imaginar que tivessem sido mergulhadas em ácido pícrico. Lembrou-me melhor do que senti outro dia, junto ao mar, quando segurava uma pedra. Era uma espécie de enjoo adocicado. Como era desagradável! Não se tem noção. E vinha da pedra, falando sério, passava da pedra para as minhas mãos. Espécie de náusea nas mãos. Se houvesse pequena luzinha de consciência desta náusea nas mãos, bem, eu só poderia estragar o meu tope, a minha reputação, o que eu faria com ela de qualquer maneira, talvez levá-la à casa de penhores, a um "brechó" da Avenida Rio Branco.
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Distante da margem do rio de águas turvas, o impenetrável bosque de fetos verdeja ainda; é um bosque de folhas ondulantes, no qual a alcatéia, pisando, traça permanentes veredas, enquanto se dirige ao topo da colina para uivar a deus-dará. As plantas tem enormes folhas esbranquiçadas que pendem como orelhas. Ao toque pareceria cartilagem. Como nos dias da meninice, abria passagem violentamente, através da espessura, fundindo-me entre as plantas altas, nadando com as mãos, e procurando, às apalpadelas, onde pôr o pé. Insetos e répteis assustavam-se à minha aproximação.
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Todo dia é a mesma coisa, fora da porta sentir-me mais longe do que nunca, tão longe que o mais egrégio senso de percepção, intuição não consegue estabelecer a distância, sabe-se ser imensurável, algumas coisas na vida acabam ficando tarde demais para aprender... distantes demais para serem vistas senão à mercê de binóculo. Bem, creio sim que estou perdido em algum lugar, devo ter feito algumas voltas ruins. Em que serena e tranquila consciência posso estabelecer as vias de retorno, se nada me é sabido das voltas ruins, a penas cruzei becos e alamedas? Inexistem as vias por onde trilhei, deixaram de existir tão logo rompi-lhes. O vento, ele sussurra para as árvores em rima, só posso compor o poema rimando uma palavra de cada vez num verso de poucos vernáculos... Pode-se dizer a insanidade está esmagando minha alma, você pode dizer que eu estava em qualquer coisa, mais rolos que outras coisas... No romper da alvorada até o belo lago do Cisne Negro, grandes nuvens brancas, como carruagens que balançavam suavemente...
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Sinto como se estivesse flutuando, e não tenho quaisquer intenções escusas de com este flutuar justificar equívocos, enganos, erros de minha espécie, da espécie humana, deriva isto da cena de estar eu perguntando "o que o diabo pode, para ser tudo?", o que isto possivelmente significa? Então ele diz: "Eu sei que você é artista, eu não faço esboços da memória das coisas."


#RIO DE JANEIRO(RJ), 08 DE JULHO DE 2020, 13:20 p.m.#

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