*A MORTE NÃO TROCA DEDOS DE PROSA SOBRE A VIDA* GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA $$$



Acordei esta manhã
A campainha tocando com insistência
Que visita mais inconsequente, oito e meia,
Quem poderia ser? O que queria?
Era a morte, convidando-me para um passeio na montanha,
Era o seu modo de cumprimentar-me
Pelo aniversário natalício,
Inverno, o tempo estava neblinado, agradável,
Pedi-lhe um tempinho, tinha de apanhar
O chapéu no cabide de minha alcova.
Ofereceu-me caminharmos de mãos dadas,
Dizia ela ser muito fácil olhá-la de perto, sentir-lhe as forças,
Difícil era defini-la,
Dizia eu o quanto amava o inverno, inspirava-me tanto
Que de quando em vez via-me
Passeando, vagabudeando pelas ruas de Savanna-La-Mar,
Dizia ela nada haver mais lindo que observar o infinito
Seguindo o mar à distância,
Dizia eu "Amo ouvir"
Os sinos das Igrejas badalarem pela manhã...
Então, completou a minha fala:
Quando há pássaros trinando seus cantos no domus,
De excelência para os ouvidos e a alma"
A montanha estava deserta, solitária,
Sentamos numa pedra e ficamos observando o mar,
Perdoasse-me, não sabia trocar dedos de prosa sobre a vida,
Deixar-me-ia sozinho, contemplando as coisas,
Tinha compromisso a cumprir com urgência,
Tempos difíceis, tinha de atender chamados a todo segundo,
Não sabia aquando iria descansar um pouco,
O Pai Supremo havia prometido-lhe férias prêmias
Por tempo considerável, tivesse um pouco de paciência,
Com certeza, não seria este ano, ano duro e complicado,
Quando quisesse eu passear ao seu lado
Era só chamar, a sua manhã fora maravilhosa, curtiu bastante
Banhasse-me em verbos de luz, estava carente deles...
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Antes de se despedir, declamou uns versos, apertou-me a mão e foi embora:


Morrer a morte
Não morre a vida
Viver a vida
Não morre a morte
Morte e vida
Vida e morte
Horizontes e universos
Esplendem o nada des-finito
Nada de sombras, brumas,
Nada de raios de sol, luzes
Fin-itudes e arribas
Buscas do verbo de além
De temas em temas, formando sementes e raízes,
Sementes e raízes que o tempo assegura os frutos,
De temáticas em temáticas, verbalizando as folhas
Que, sob a incidência do sol e luzes,
Permanecem verdes e viçosas,
À noite, à mercê dos ventos de leste,
Recebem a neblina a cobrir-lhes, beleza e vida,
Secam, caem, tornam húmus de outras folhas.
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Olhando-a desaparecer na neblina, recitei os meus versos,
em voz alta para ouvir enquanto andava lentamente:


Morte e Vida
Vida e Morte
Trazei os vossos infinitos sombrios
Qual profuso fanal, por sobre o meu gentio
E todos os rincões haverão de banhar-se em verbos de luz
Fiquei silente, oh vida, oh céus,
Ouvindo estranho canto, inédito, eloquente,
na grandeza sem fim dos pulcros avatares...
Não sinto mais o furor das tempestades,
Das ondas o rumor, o murmúrio, o sussurro,
Nem doutras potestades,
Dos surdos vendavais na vastidão dos mares.
Venho sussurrando os prados e cascatas,
Eu, o vento,
Penhascos e jardins, de onde brotam flores
Que trazendo da selva o perfume dos ramos,
Ao rosto levarei o mundo iluminado
Ao fogo da glória.
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Vida, morrer
Morrer, vida
Quê estranho ocaso cuja luz difusa
Re-vela o tempo, a-nuncia o além só pela aparência,
Mostrando ao mundo sua lei confusa.
Inverno da vida é pó-ente
Primavera da vida é pó-esia,
Raios fundindo-se lentamente
À noite delirante e caprichosa.


#RIO DE JANEIRO(RJ), 14 DE JULHO DE 2020, 12:44 p.m.#

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