SECRETA LUZ INTERIOR GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Esmola
demais faz o santo desconfiar. Onde está conseguindo estas tantas notas tão
graúdas? Algo está fedendo no reino da Dinamarca. Acredito sim nesta máxima
popular. Quando começa a falar muito numa pessoa, mostrando os seus méritos,
talentos, dons, só há duas alternativas lógicas: está-se adulando com algum
interesse secreto ou manifesto ou está-se clamando a todos os deuses que seja
reconhecido. Não posso é acreditar só existem alternativas lógicas, apenas
duas. Pode simplesmente não haver alternativa, justificativa, mas outra
dimensão que transcenda a estas visíveis aos olhos de cretinos e imbecis.
Há valores
que são luz, e desconhecê-la, fingir que não se sabe, agir de modo contrário
para que ela não ilumine, enfim os interesses serão condenados a sete chaves, é
haver se acomodado com as trevas, sentir confortável com a escuridão. Perder a
oportunidade de se engrandecer, conhecer valores que são pedras angulares da
busca incessante e eterna, viver de outro modo e estilo.
Na
escuridão, o que mais incomoda são os olhos, a visão – qual a necessidade
deles, dela? A resposta é espontânea e verdadeira: são inúteis de todo. No
início é difícil sair apalpando as coisas, quando elas existem, para não cair;
com o tempo nem as mãos têm mais utilidade para saber onde se apóia; os pés
valem pelas mãos, adquiriram uma sensibilidade aguçada para intuir e perceber
onde se está pisando, para não deslizar pelo abismo afora.
Só mesmo um
homem ou um povo que viveu nas trevas por longos anos pode avaliar com
categoria e vigor o que isto significa ou significou para ele, as dores e as
angústias por que passara as suas horas intermináveis, as vezes sendo elas que
preenchiam os vazios da alma e do espírito. Só mesmo um homem ou um povo que
percebeu a presença da luz nestas trevas e não titubeou um único segundo,
tomando-a em mãos, desejando outra vida, outros valores que não apenas
justifiquem os traumas e conflitos por que passara nas trevas, mas que sejam a
Vida, pode avaliar a importância dela, o que ela pode vir a transformar e mudar
o destino.
Tinha eu
outros objetivos e projetos com estas palavras, mas me senti em demasia atraído
pela ambigüidade, ironia, sarcasmo, por haver intuído e percebido outros
caminhos por onde andar alegre e satisfeito, podendo vislumbrar a natureza, a
grama verde e viçosa, o canto dos pássaros de todos os estilos, ritmos,
alcançando assim a outra margem que são as verdades que outros me deixam, sendo
herdeiro delas, alimentando assim o espírito e alma, criando outros sonhos,
dentro de outros sonhos.
Há homens
que nos enriquecem com as suas experiências, vivências, e negligenciá-las ou
denegri-las, é testemunho insuspeito de espírito pobre e inútil. Lembrarmos de
suas palavras, de suas obras escritas com o sangue que lhes corre nas veias, sangue
da vida, seus relatos biográficos de pessoas íntimas, amigos, personalidades,
pessoas simples e humildes, é uma alegria, presenças de outros ideais, outros
sonhos, outros estilos e modos de um encontro com a Vida, o sentido dela.
Proporciona-nos uma parte da luz interior que lhes habita o íntimo.
Às vezes,
imagina-se que nos primeiros momentos de aproximação destes homens que nos
legam o fruto de suas experiências, de suas sensibilidades logo se abrem a
todos os ventos, escancaram-se, deixam janelas e portas abertas, não
necessitando de qualquer esforço para lhes mergulharem nos íntimos. São
imaginações, fantasias. São ainda mais difíceis de convivência. É mesmo o tempo
que nos auxilia a conhecer um pouco dos sentimentos, emoções, caráter desses homens,
os seus mais profundos sonhos, utopias, e mesmo assim sabemos que este
conhecimento é mínimo – a dimensão espiritual deles transcende a nossa
compreensão e entendimento -, muitas vezes até assumindo que muito disto que
acreditamos ser conhecimento outra coisa não é senão pontos de vista, de
interpretação em harmonia com o nosso íntimo, o nosso modo e estilo de estar
frente a um artista, um escritor, um memorialista, artistas plásticos.
Também se
imagina que esta luz secreta que habita os artistas são melhores intuídas e
percebidas entre os artistas, entre os íntimos das artes, amigos em todo os
caminhos do campo por que andaram juntos por toda a vida. Os iguais se
conhecem, na máxima popular, e eu acrescentaria, pensando na intuição,
percepção, visão da beleza, “intimamente”. Conhece-se o artista por o que ama
com todas as dimensões do espírito e alma, com todas as forças da vida. São
inocências e ingenuidades, os dons e talentos não são iguais, para não se
tornarem coisas inúteis e dispensáveis aos comuns dos homens, Deus nos deu
gratuitamente dons e talentos diferentes. Contudo, mesmo que muitas vezes as
relações são complexas, a convivência complicada e difícil, é-nos dado
compreender e entender mais intimamente o que lhes habita o espírito e a alma.
Quanta vez
em momentos e fases difíceis da vida, punha-me a lembrar das relações íntimas
com artistas, os nossos momentos mais prazerosos, alegrias, satisfações,
sonhos, conquistas e realizações, e todas as emoções e sentimentos de não
esvaeciam-se num toque de magia, num estralar de dedos, e o mundo se vestia de
esperanças e desejos tantos que uma tosse de alegria. Com quem por longos anos
convivi, com quem dividi as dores e sofrimentos, com quem dividi as alegrias e
realizações, e tudo se transformava em novos sonhos, utopias.
Aprendi a
sentir os artistas, longos e longos anos, quase um quarto de século, faltando
apenas mais três anos para as bodas de prata. E, olhando para trás, relembrando
as coisas, não há palavra que possa definir isto senão a Providência Divina.
Aliás, as
experiências vividas em sintonia e harmonia revelam outras vivências,
convivências com outros, outras situações e circunstâncias, projetos e
objetivos, para ainda mais crescer e amadurecer, compreender a utilidade dos
dons e talentos. Entender as atitudes estapafúrdias às vezes, a ausência de
sintonia e harmonia entre a sua arte e a sua vida, por vezes enquanto uma sobe
o morro, a outra desce o morro a passos rápidos e precisos. Conviver com estes
é certamente uma escolha original. Faço as minhas escolhas com clareza e
nitidez. Os sonhos primordiais são o de crescimento e amadurecimento.
Há homens e
artistas que nos tocam bem fundo, despertando-nos para outras dimensões da
vida, para outras experiências, mergulho nas origens, à busca da alma e do
espírito, conhecimentos de nossos antepassados, nossos ancestrais, o que habita
o espírito do povo. São estes homens que precisamente me tocam fundo, rasgam-me
o interior eivado de fugas, condutas de má-fé, justificações, e deixam nu
desejando o encontro da luz.
Se não sou
iluminado com o dom e talento que receberam de graça, não sei escrever nada
sobre as pessoas com quem convivi, as situações e circunstâncias que viveram,
servindo de suas vidas, identificando os acontecimentos e fatos, sou-o de outro
modo, noutro estilo e linguagem, o mergulho profundo no íntimo, buscando
conhecer o que habita o espírito, a alma, a expressão da secreta luz interior,
o picadeiro onde “na lona se ri a vida do palhaço”...
Este
memorialista, à luz de quem escrevo isto neste final de tarde, já escurecendo,
este homem cujos sonhos com a memória de seu povo são de trazer à superfície a
secreta luz interior que lhes habita o espírito, doou-me gratuitamente estes
instantes de reflexão, de meditação, esta busca de meu interior, de minha
intimidade, e por muitas vezes sinto-me confortável sendo um homem de letras,
posso transcender a qualquer momento, para esquecer as dores e sofrimentos, mas
o dom do talento impõe responsabilidade ao meu livre arbítrio.
Legou-me
este tempo tão precioso de lembranças de nossas relações, nossos momentos de
conversas, a sua sensibilidade, intuição e percepção da vida, despertando-me
para novos sonhos, utopias.
Quem ri por
último na lona quando se ri a vida do palhaço, quem reconhece a sua sombra que
a imita e sabe que o riso é de si mesmo. Antes, os santos começaram a
desconfiar da fala sobre um homem, um memorialista, que carta estaria escondida
na manga direita, mostrando-lhes sem reservas e orgulhos inúteis, dependendo
dos dons do talento que me foram gratuitamente doados. Percebe-se que nem por
um instante sequer foi-me necessário identificar quem seja este homem, quem
seja este memorialista. Identifiquei apenas a sua presença em mim, o que me foi
legando e doando no tempo de nossa convivência.
Identifiquei
apenas um nome quando necessitei de uma imagem, metáfora, símbolo, de um
artista, poeta e escritor, com quem convivo, quem muito despertou o meu
espírito para a dança de nossos pássaros íntimos. Disse também de outros com
quem venho construindo a vida na continuidade de longos anos. Assim pude
delinear o que habita este momento, caminho para alcançar o que me habita o
espírito, não sendo apenas algo efêmero e passageiro. Habita-me o silêncio.
#RIODEJANEIRO#,
20 DE MAIO DE 2019#
Comentários
Postar um comentário