ALÉM!... DE POR TRÁS DAS EFÍGIES GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
A vida
precisa dos rostos e dos olhos que se multiplicam pela superfície das águas de
outrora, inquietas, que se tornaram límpidas e nítidas ao longo de todos os
percursos, de todos os caminhos de terra e de pedras, e da beleza de vislumbrar
e contemplar as pedrinhas redondas, as plantas, os peixes.
A cidade
representando a terra com todas as suas tristezas e dores deixadas para trás,
apesar de não estarem ainda fora da vista nem totalmente olvidadas. Os mares,
em movimentação constante – às vezes, sinto não poder contemplar Jesus Cristo
outra vez andando por sobre as águas -, mas harmônico, como que gerando uma
enorme e resplandecente euforia no coração, uma paz enorme, não podendo deixar
de ilustrar o clima que se cria, que se expande por todo o universo.
Parece-me
que pela vez primeva coloco-me à distância de todos os espelhos que refletem
rostos lindos, estéticos, estilísticos, mas se olhados de por trás das imagens,
onde se originaram, vê-se um resplendor obtuso, um esplendor enviesado, à
distância de aventuras e venturas; como se as dores e sofrimentos, tumultos e
bonanças fossem suspensos, uma dádiva para os sonhos secretos, para as chamas
do coração, um repouso, um descanso das tribulações humanas.
Aqui estão
as esperanças que florescem o caminho da vida, reconciliadas com a paz que está
nas sepulturas.
Movimentos
da inteligência e da sabedoria, da mente, do espírito e coração, tão serenos
quanto os destas águas límpidas e nítidas que continuam o itinerário delas rumo
ao mar, e no lugar de todas as ansiedades, de todas as desesperanças, de todos
os infortúnios, uma calma reparadora, não importando se a luz do sol é forte,
se os raios dele ofuscam, se são em demasia amarelados, uma tranquilidade que
não parece fruto da contemplação sem in-vestigação e compreensão, mas da
sintonia e musicalidade entre a água e o lugar e momento em que passa e se une
às águas outras que continuam a caminhada, atividades infinitas, repousos
infinitos.
Se um homem,
venturoso, afortunado ou desgraçado, infeliz, tivesse de indicar e reconhecer
qual fora o dia mais feliz de sua vida, porquê e onde, suponho que todos em
uníssono iríamos gastar as vozes e não somente os verbos e sedas em gritaria,
histerismo, sensacionalismo : Ouça-o!... Ouça-o!... Mas o dia mais feliz, para
um homem de sabedoria seria muito difícil de indicar porque qualquer
acontecimento, qualquer conhecimento, que pudesse ocupar um lugar tão
privilegiado, um lugar tão exaltado, um lugar tão ufanizado, na retrospectiva
da vida de um homem, ou ser marcado por ter trazido uma paz tão resplendorosa,
uma felicidade tão exultante em determinado dia, deveria possuir um caráter tão
legitimo e contínuo que (sofrimentos e dores à parte) teria continuado a trazer
a mesma paz e felicidade durante anos sem conta. Quanto ao ano mais feliz, é
permitido a qualquer homem apontar sem perder sua sabedoria. Esse ano, no meu
caso, é o que agora vivemos, um ano de água brilhante, para usar um termo de
relojoeiro, para o caso de que se trata não é preciso o século, mas o ano é indispensável,
instalado e insulado na obscura e nublada nostalgia.
Os reclames
luminosos no ar crepitam, fazem sinais à noite, ao silêncio, vibrante ao lume
de água, cintilam nas águas, miríades de partículas de sol.
Então, o
rosto e os olhos humanos entraram em meus sonhos, mas não despoticamente, mas
vindos em minha direção, rosto afilado, olhos azuis, um rosto de mulher, que,
antes de por mim passar, disse “Existência”, respondendo-lhe que sim, não fosse
a “Existência”, seria eu a pegar-lhe, e tendo já passado por mim, repetiu
“existência”, continuando sua caminhada em direção contrária à minha, nem com
um poder especial para iludir-me, deixar-me a vagar, mas com uma consciência de
que as sendas perdidas são contempladas ao longo do rio de águas límpidas, este
rio que não tem pressa, este rio que não tem margens.
E agora o
que chamo de “Além!... De Por trás das efígies”, a neblina alastrando ao meu
horizonte sem fim, os olhos doem-me da nitidez límpida e nítida, da página
limpa por escrever. A guitarra treme. Ouço-a. É uma voz débil de arame,
enferrujada de arame, e tão pura, a voz de John Fogerty vinda nos ventos de
outrora. Passam as efígies e os querubins. Augúrio apaziguado, vagas plácidas
embatem na face das casas de janelas de guilhotina, escorrem largamente pela
terra. Os sonhos emitem luz fosforescente. Evolam-se no ar, suspendem-se. Os
rostos e os olhos estão nus por dentro, e a inocência e ingenuidade são aí,
agora ainda, para sempre, na eternidade dos limites, dos absurdos, dos
instantes.
Seja como
for, sobre as águas límpidas e nítidas do rio começaram a aparecer rostos, o
rio parecia repleto de rostos, apareceram olhos que olhavam de soslaio e
esguelha para o céu, olhos de tristeza, olhos de felicidade. Imagino todas as
criaturas, pássaros, bestas, répteis, árvores e plantas, todas os sonhos e
utopias que vêm nas asas de uma águia que atravessa os céus, emitindo seu
grito, todas as esperanças que se pode encontrar em todos os campos, flores,
rios, lagos.
Instante
inesquecível em que torno a sentir! Escuto o riso da ampulheta, diante do tempo
– o vento invade-me a voz que é sonho, o desejo da mente que é imensidão, a
vontade da alma que é eternidade. O espelho procura a imagem, buscando
aprimorar com ousadia o registro de mim – desço pela janela do que já se tornou
inevitável, como a taça que se estiola no chão e eu não quero, insisto e
persisto em não “emendar” – diria ser eu um teimoso, um burro empacado? A
imagem constrói a matula de lacaios, busca o tabernáculo de imbecis, desejando
a transparência de cinismos e ironias.
#RIODEJANEIRO#,
22 DE MAIO DE 2019#
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