DE LUZ EPÍTOMES SOBRE GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
"Eu sou
antes, eu sou quase, eu sou nunca"(Clarice Lispector)
Não lágrima
de águas, mas diamantes de águas, antes mesmo de revisitar as ruas, igrejas,
museus, teatros municipais, inteirar-me do universo histórico, imbuir-me de
idéias e utopias de mudanças e transformações; antes de revisar as águas,
tirando-lhes o “s”, e, assim, deixando à palavra expressar-se, perdendo-me e
esquecendo-me nos liames do nada, sonhos foram jogados fora, palavras
garatujadas, arrabiscadas.
O que abrir
à mão as letras que se contrapõem, opõem-se em som, ritmo, estilos e ideais de
beleza, belo, e dirigem olhos ao inesquecível da volúpia de sentir intuições
que se revezam, encontram-se além... Nada.
E não sei o
quê mais acrescentar no sentido de estar anunciando à luz de sentimentos e
intuições que em mim perpassam as emoções e sensações, o desejo outro não
seria, então, de buscar torná-las húmus de esperanças e desejos, recriando-as,
dando-lhes sentido, quem dera se tornem raízes como algumas se tornaram, com
elas pude dar continuidade a algo que achava tão distante, longínquo, mas de algum
modo estou a realizar, estou feliz, é isto o que desejava para mim.
Ah, sim!...
Não deveria me esquecer de algo muitíssimo importante na vida do homem, algo
primordial, aliás, essencial, no meu parco ponto de vista, que é o seguinte: se
alcancei o primeiro degrau, a responsabilidade em minhas mãos colocada é de
chegar ao final de todos os degraus, olhar a cidade de cima, embriagar-me,
extasiar-me com a beleza das luzes acesas, parecendo uma casa haver sido
construída em cima da outra, um espetáculo inigualável... Não poderia
esquecer-me disto.
Menos
palavras, as idéias e os pensamentos se confundindo, entregue a uma leveza sem
limites e fronteiras, sugerindo estar vazio, nada mais havendo senão a vida, o
que lhe importa eu, e, contudo, nada disso, os sonhos e utopias borbulhando na
mente, a vontade de novos horizontes, outros cenários e paisagens, o fluir de
emoções e intuições, os campos, as serras, a poeira, o universo...
Se não tenho
o dom da poesia, escrever poemas, o que me importa se a suavidade e o clima de
realidade misturada a irrealidades e quimeras, e, desejando, as portas estão
abertas para a entrega, se mesmo em tom de troca de dedos de prosa, falando de
início sobre os seixos que rolam no fundo de águas cristalinas, consigo expressar
o que dentro vai em mim, o que penso e o que sinto, embora reconheça haver
questões a serem in-vestigadas, in-ventariadas, no fritar dos ovos, salvo as
gemas, havendo de buscar a sintonia e harmonia com a realidade que vivo eu,
caso contrário, estarei sendo falso, e todas as letras sendo farsas que se
abrem a todos os gostos e interesses...
Ah, quem
dera se, ao invés de sentir e pensar outras coisas, com certeza, adversas a
muitas outras que na vida particular vivo, buscasse torná-las sementes que se
abrirão e darão espaço ao nascimento da árvore, no futuro mostrando os seus
frutos ávidos, o desejo de comê-los ou chupá-los, sentir-lhe o gosto nobre e
suave, a serenidade descendo a garganta, saciando a sede e a fome!... Ah, quem
dera!...
Contudo,
eis-me aqui, é noite, dezenove horas e cinquenta e dois minutos, fumando um
cigarro, encostado ao parapeito da sacada de minha residência, olhando o céu
estrelado, uma noite simples, agradável, suave. O inverno se aproxima.
Nada estou
pensando. Sinto muito, embora não tenha consciência de tudo o que sinto, tudo o
que no espírito me vai dentro. Se gostaria de tudo poder expressar, disso não
tenho qualquer dúvida, sabendo, de antemão, isto não ser possível, é-me
impossível sentir todas as coisas, ver todas as coisas, experienciar, e outros
verbos e sentimentos que se queira unir a estes, compondo outros, dando
continuidade ao fazimento do ser quem sou, quem represento neste mundo.
Em verdade,
se é mesmo possível acompanhar o que venho desde o início enfatizando e
re-criando a própria ênfase, observa-se que não digo coisa com coisa, e mesmo
se dissesse nas circunstâncias em que me encontro no momento, não se faria
possível haver concatenação das idéias. Não digo coisa com coisa. O interesse e
a intenção são estes mesmos, nada dizer, dizendo algo é de se duvidar se há
coerência, e não havendo o melhor que se faz é desprezar e retornar desde o
início, buscando apanhar o fio da meada construindo a rede que servirá para me
deixar e cair no sono, sabendo que amanhã tudo será o mesmo, e as maravilhas
começam justamente aí.
Assim, se
aqui continuasse toda a noite, olhando as estrelas, as pessoas passando à
porta, algumas cumprimentando, outras passando direto, desejando sentir a
frescura e o resplendor desta noite, encostado ao parapeito da sacada de minha
residência, o cigarro acabou, mas não demorará acenderei outro, teria muito o
que dizer, muito a expressar, a tentar esclarecer, justificar, explicar a vida.
Vida...
Clarice Lispector dizia que o importante não é entender e sim viver. Viver a
Vida. Isto. Buscar o encontro, a satisfação, encontrando com os contrários, os
adversos, as contradições, mas o que importa não é o agora, mas o que faço de
mim agora, só assim podendo seguir viagem, só assim podendo seguir os caminhos
do campo, à busca de quem sou e represento no mundo.
Sim... Viver
a vida. Isto me importa. Enquanto estiver vivendo, estarei experienciando algo
que enriquece a minha vida, sensibilidade, assim podendo tudo transformar em
palavras, esperando, óbvio, me seja possível perder-me nelas, não mais podendo
retornar, e tudo isto era o que mais desejava, o que ansiava por encontrar, por
vivenciar. Vivo-a a todo instante.
Às vezes, a
intuição surge à esquerda, aqui estou à direita, seguindo ainda o fluxo de uma
imagem que se me apresentou ao espírito, e, desde então, não paro um instante
de buscar alcançá-la na sua luminosidade e esplendor, servindo-me de guia neste
mundo, ou melhor, reunindo-se às outras intuições, e tudo isso vá resultar numa
sublimidade.
Por vezes,
surge á direita, aqui estou á esquerda, seguindo a intuição que se me
apresentou o mergulho em memórias, esquecimentos, lembranças, sonhos de outros
dias, surgindo à soleira de imagens e intuições, legando-me ainda mais a
habilidade e perspicácia de estar encostado ao parapeito da sacada de minha residência,
acabei de acender outro cigarro.
#riodejaneiro#,
27 de maio de 2019#
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