PROSCÊNIOS!... ALÉM DE DEVANEIOS E QUIMERAS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA SATÍRICA
As ruas
pesadamente calçadas que enveredam para o horizonte por entre becos, alamedas,
alguns muros, casas, caindo aos pedaços, também sendo reconstruídas, seguindo o
estilo das antigas, enchem-me os olhos. Entretanto, a imaginação as povoa de
sombras; imprensado entre estes fantasmas e a realidade opaca, toco, mais do
que em nenhum lugar, o mistério da ausência. Passo o dia inteiro a errar entre
as memórias de outros tempos, entre os vestígios, só me interrompendo, quando
entro no barzinho para tomar uma branquinha, entro nalguma casa comercial.
Afigura-se-me
que essa beleza das casas antigas, a arquitetura, o estilo são demasiado
simples, lisos por demais; não sei como apreendê-los. Na memória, os dias que
se seguem têm mais brilho.
Há a parte
de cima, a do meio, o chamado centro, a de baixo, onde correm as águas do Rio
Grande. Não é ironia, sarcasmo, cinismo, mas a realidade mesma, aqui, sobe-se
para descer, desce-se para subir. Se alguém pergunta pelo centro, estando no
Rio Grande, há subidas fortes, ruas quase em pé; se alguém, estando no centro,
perguntando pela empresa de carro Roque Car, necessita de subir. Estando na
parte de cima, desejando o centro, só descidas. No centro, querendo ir ao Rio
Grande, só descida.
Há piadinhas
que costumamos a elas nos referir, por exemplo, aqui não se paga táxi para
descer, só para subir. Não ando em todos os carros para saber se é costume
desligar o motor na descida; só com alguns motoristas com quem andei de carro
houve isto de desligar. É só uma piadinha, não há o que entender.
Creio que só
conheço esta sobre subida e descida. Conheço algumas interessantes: a avenida
da Saudade terminar no Cemitério Municipal, a rua do Bonfim terminar na Cadeia
Pública. Risível, se se toma em mão considerações abstratas. A imaginação
popular fora sempre criativa.
Aconteceu-me
de ouvir num barzinho onde costumo tomar a branquinha diária, antes do almoço,
uma destas piadinhas interessantíssimas com a questão da subida e da descida.
Não havia ouvido até então, mais risível ainda.
È necessário
a pergunta ser de quem está precisando de um favor, se fosse, mas, se não
fosse, não teria problema, haveria quem pudesse. A pergunta do outro é súbita
expressa, quanto mais em se tratando de amigos íntimos, aí vem a generosidade e
gentileza das pessoas, enfim, cidade turística, é preciso saber receber os
turistas com carinho e atenção.
O que for
que necessitar ser feito, é só dizer, será atendido com prontidão. Será um
imenso prazer. Se não é possível, sente muito, desta vez não poderá ser
atendida, quem sabe outra pessoa não esteja indo, chegando a perguntar ao
outro.
Não estando
atenta, e não está, há a preocupação de poder ajudar ou não, em princípio,
passa desapercebido aos ouvidos, não tanto assim, pois as palavras “abraço em São
Pedro” ressoa súbito. A pergunta é óbvia: “Como é? Estava aqui meio perdido”. A
resposta é dada.
De todos os
anos de botequim, restaurante, não conheci ainda um garçom tão moleque,
gozador. Queridíssimo pelos clientes. Se falha de trabalho, se troca de turno
com os colegas, não há quem não pergunte por ele, de imediato, “Aquele ali não
tem jeito mesmo”, carinhosamente. Sentimos sua ausência, e o botequim não é
mais o mesmo, embora os outros garçons sejam igualmente simpáticos, queridos.
Perguntou alguém
se por acaso não iria na parte de cima, mostrando alguma preocupação de
precisar ser algo feito para ele, o que não há quem não o fizesse para ele.
Sendo gozador, não haveria como se mostrar preocupado com algo urgente a ser
feito.
- Você vai
lá em cima?
- Não. Por
que? Posso ajudar em algo.
- Mande um
abraço a São Pedro.
Não houve
quem não caísse na gargalhada. Percebeu alguma coisa de errado, mas motivo de
deboche.
- Como é?
Abraço em São Pedro? Não me perguntou se estava indo lá em cima?
- Se vai lá
em cima, abraço em São Pedro.
As
gargalhadas dos clientes da branquinha foram altissonantes. A vítima caíra na
gargalhada não por não querer torcer o braço, mas por ser criativa a do garçom.
Há outra
ainda deste mesmo garçom. Pergunta se alguém não teria duas de cinco para
trocar. Alguns chegam a mover a mão em direção do bolso. Outros dizem que não
têm.
- Pode ser
duas de quatro...
Tais
piadinhas fazem o clima alegre e jovial do Bar dos Sem Mangas.
Se era
possível recriar a brincadeira, não apenas repetindo-a, tornando-a até
esquisita e estranha, por que não o fazer. Teria a mesma reação. A pessoa se
mostra interessada em fazer algo lá em baixo, perguntando ao outro. Bem, isto
de a “mesma reação” não é verdade. Há outro sentido que, alguém, ao contrário,
de rir da gozação, pode repercutir mal, causando brigas, inimizades, dependendo
do estado de humor.
Teria que
tomar cuidado. Perder amigos não é agradável, não é recomendável. Faria só com
pessoas com quem convive, conheço um pouco de seus humores, tradições,
princípios morais e éticos. Não se importaria. Ririam, dizendo o que tenho
ouvido sempre: “Você não tem jeito. Sempre criativo. Adora brincar com as
palavras”. Pergunto de imediato: “Nesta idade, só mesmo com elas. Já pensou se
andasse descalço, sem camisa, de shorts, brincando de barquinho na enxurrada.
Insanidade não?!”
Mostrei
bastante interesse que o opositor me fizesse o favor de entregar a alguém,
sabia de seu conhecimento da pessoa. A pergunta fora de imediato feita. O que
fosse, poderia pedir. Após um instante, antes de a responder, perguntando
novamente: “Você vai lá embaixo”.
- Está
precisando de um favor?
- Mande
lembranças a Lúcifer.
- A quem?
- Ao
demônio.
Caíra na
gargalhada. Fora pego desprevenido. Mas o nome do danado é Lúcifer? Havia um
músico e poeta sentado junto comigo. Caímos na gargalhada. Então, não sabia que
o nome era este? Imaginei alguém que não sabe disso, colocando o nome no filho,
isto porque não é um nome feio, é interessante, não o chamando propriamente de
bonito, de lindo, mas agrada aos ouvidos.
#RIODEJANEIRO#,
19 DE MAIO DE 2019#
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