VIDRO RECORDADO NA LUZ - (SETEMBRO DE 1987) GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
"O
entendimento não é um acúmulo de conhecimento".
(Thich Nhat
Hahn)
Caídas todas
para o fundo do espelho, numa profundidade de emoções, numa essência de
sentimentos, as situações de um homem olham úmidas de tristeza e desconsolo o
tempo que escoa rápido nas antípodas do universo, vivendo num sonho eterno de
amor lírico, nalgum sítio do mundo, o mais perto e o mais longe possível, onde
brilha mais puramente a brancura de sua realidade, ressurgindo lá das
profundezas, cada vez mais ao passo sombrio de um patrulhamento de solidão, que
clama eufórica e comovida por a beleza calma da tarde, por a lassidão a ondear
mais viva no ar, tudo tomado numa nitidez de ar sem poeira, sem a vibração de
raios tensos e densos, a tarde parecendo alargar-se ao redor, mais humana e
mais calorosa.
A mesma
abertura, levando ao infinito, feita pelos galhos de duas árvores. Caso não
seja destruída pelas mãos arbitrárias de um homem, existirá para sempre. Se
for, não haverá a abertura, mas o infinito estará mostrado a olhos nus. Não
será a mesma coisa. Este algo existe, enquanto existir a abertura. É real. Após
a destruição das árvores, ou somente dos galhos, haverá somente a memória deste
algo, o que, com efeito, causará uma enorme tristeza. Ninguém percebe a
manifestação deste algo, lá no infinito, visto através desta abertura, desta
fresta. Existe. Continua o mesmo seja a qualquer momento for vislumbrado, mas o
homem que o vislumbra a cada instante é outro, sentindo outras emoções, outras
manifestações do espírito, novas revelações da alma. Só num instante de
profunda manifestação do espírito, de eterna revelação da alma, este algo será
captado em sua essência, será eternizado. Enquanto houver um mínimo resquício
de razão, vestígio de indagação acerca de seu significado, o que ele é, jamais
se apresentará inteiro e pleno.
Há
escritores passam uma vida inteira à procura de manifestar seus reais
sentimentos e emoções. Outros há que buscam encontrar a si mesmos, a
individualidade. Outros há que procuram formar a personalidade, voltando ao
passado, contando suas estórias. Outros há que esperam o instante de uma
obra-prima. Outros querem a todo custo a plena realização da consciência.
Poucos são os que conseguem realizar o sonho. E só o fazem, quando menos
esperam. A razão está presente em todos eles. E nada de eterno acontece na
razão: não é capaz de constituir a eternidade. Tudo nela é efêmero. O mesmo
acontece no intelecto, com uma pequena diferença: o intelecto só eterniza a si
próprio, e o que lá dentro vai torna-se cinza. Só a intuição, percepção,
sensibilidade são capazes de eternizar algo, mesmo que o homem seja outro a
todo instante.
Gostaria
intenso de registrar este algo, de constituir a sua eternidade. De quando em
vez volto a ele. Mas a razão está sempre presente. Retorno a ele com
indagações. Pergunto-me: "Quando será?..." A fim de que a intenção
seja realizada, faz-se mister esteja eu por inteiro, manifeste-me pleno. Faz-se
mister não tentar trazer-lhe até mim, não me levar até ele. Não ir ao encontro
da natureza, depositando-me nela. Não é trazê-la até mim, interiorizando-a. De
um modo ou de outro, estou sempre presente. É deixá-la manifestar-se. Ainda não
encontrei este caminho. Não sei como fazer. Surge, hoje, uma mudança. Não vou
ao outro para me encontrar. Não trago o outro a mim para lhe conhecer. Deixo os
caminhos abertos. O antigo método não eterniza coisa alguma. A coisa permanece:
a intuição, percepção, sensibilidade eternizam, podem fazê-lo.
Intuição e
natureza dão o real em sua essência. O método é que não dava frutos. No fundo,
analisava o fenômeno se me apresentava, e a análise não permitia a inclusão do
núcleo do fenômeno, permanecia exterior. O núcleo era o meu núcleo. E tudo
dissolvia-se: o gosto desenxavido da efemeridade. O fenômeno e eu estávamos
unidos, inextrincavelmente ligados.
Na ansiedade
de me conhecer, saber quem sou, o fenômeno apresentado apenas esclarecia a mim,
podia analisar-me à sua luz, era um ponto de referência. Mesmo assim,
confundia-me com ele, estávamos juntos. Continuo desconhecido. A intenção era
conhecer-me, trazendo-me os fenômenos, analisando-me à sua luz. Consegui
grandes frutos. Não me satisfazem. Não irei aos fenômenos, imbricando-me neles,
deixando que me processem. Quero a manifestação deles. Assim, serei prolongado,
o conhecimento está no tempo. Deixo de procurar-lhe afoitamente. O conhecimento
não é revelação de meu mais profundo, esta manifestação possibilita o
esclarecimento dos caminhos devo seguir, a fim de constituir o real. O
conhecimento não é a revelação do mais profundo do mundo, está revelação
probabiliza a elucidação de razões e questionamentos, algo meramente
intelectual. A síntese é que dá o conhecimento, e mesmo assim se faz no tempo.
Não sei como. É ir seguindo no tempo. As atitudes e ações é que irão constituir
o método deste conhecimento.
Saio do
banquinho do alpendre. A fresta continua lá. Tudo irá modificar-se agora. Devo
sempre lembrar-me de que preciso abrir-me, deixar as coisas fluírem. Com o
tempo, a linguagem irá se modificando. Não devo temer coisa alguma. O homem
atingiu um novo estágio. É seguir.
#riodejaneiro#,
26 de maio de 2019#
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