ARREBATAMENTOS ÉBRIOS DE PROFUNDEZA GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
O abismo
fala. Torno à luz a última profundidade.
A meiguice
insolente seja o que define o encontro do inferno e da insolência, a
convivência. Os homens aprendemos a elevar-nos sobre nós, e a sorrir, sem
nuvens, neblinas, para baixo, com olhos efusivos, desde locais distantes,
longínquos, até aos próximos, íntimos, quando a nossos pés se esvaem como névoa
vaporosa a volúpia, o êxtase.
Quando
caminho a sós, apesar de ser dificílimo encontrar-me à noite nas ruas, sentado
a um restaurante ou botequim do centro da cidade, de que tem sede o meu
espírito durante a noite. Não é necessário que ande, seja por longo caminho,
seja por curto, para não observarem o comprimento das minhas pernas todos os
tristes invejosos que me cercam?
Por que
sinto vontade de trespassar as nuvens com cintilantes fios de prata, e ribombar
como trovão: ribombar de cólera, visto que me roubam a fala, o desejo de tornar
à luz a última profundidade.
Ainda que
alguns passos sejam vacilantes, incompletos, nesta trilha, escrevo os traços de
utopias e sonhos, concebendo ritmos de fascínio, os sentimentos pulsando no
peito das pedras de becos e ruas, de alamedas e avenidas, encantado com as
óperas de silêncio que emanam de segredos as casas velhas, as casas velhas de
segredos.
Como
conseguiria suportar a minha felicidade, se não a cercasse de mistérios,
segredos e neblina de após dias consecutivos de chuva. Não oculto de mim, o que
seria de estranhar, se o fizesse, os ventos frios de inverno.
No silêncio
da manhã, a voz firme ergue, pedra a pedra.
Interrompo-me
por instante, o suficiente para um gole de café, deixando que nas palavras já
ditas embata um vento de renovação, inovação, anunciação.
Levanto uma
harmonia de idéias, coroada de eternidade; um destino cego de águas
subterrâneas me escavam a segurança. Aqui, à face da montanha, vejo sumir, na
poeira, o milagre da obra humana, uma luta de morte precede as mudanças, no
silêncio da ordem universal um súbito clamor de fúria medonha arrasa a
perfeição de civilizações inteiras.
Quero-me só,
com silêncio no coração, um silêncio de ventos largos de montanha. Pensar é
acusar-me ou decidir-me a um rumo. É sentir-me algemado, acorrentado. Tapar os
ouvidos, ir para o fundo, mas sem idéias, mas como pedra.
Estou
sozinho, diante de mim, do mundo, perdido no súbito silêncio ao redor. No
instante-infinito em que o espetáculo se inicia, um impulso absurdo, vindo não
sei de que raízes, de que origens, de que fontes originárias, deixando-me
inerte a contemplar a sombra de um “porta-imagens”, se assim posso chamar, por
me haver esquecido o termo adequado.
A vida é
sempre um primeiro dia, a hora, o minuto primeiro, não o momento e a hora que
se somaram a outras horas e minutos. Na verdade, quem sabe, a minha morte não
será afogar-me em riso, vendo asnos embriagados e ouvindo morcegos duvidarem
das verdades solenes e absolutas.
Os antigos
deuses não passaram por arrebatamentos ébrios de profundezas para caminharem
rumo à morte – é um sacrilégio dizê-lo. O desejo me leva longe demais, muito
além, para o alto, por entre risos.
Estrangeiro,
quem sois? Donde vindes, por sobre os úmidos caminhos? Enfim, a chuva cai
ininterruptamente por dias. Vindes por algum negócio ou desceis a montanha à
toa, como nômade que arrisca a caminhada sobre as pedras e leva o riso a gentes
de outras terras?
O vento, que
sopra desde o início da chuva, trouxe-me até aqui. Que dor me oprime, e por
que, em plena noite imortal, clamo em altos gritos? Quem sabe seja um palhaço
que ri para si mesmo, faz os outros rirem, ou um equilibrista que flutua sobre
a prancha que se desliza através das moendas da vida, e na impetuosidade desses
movimentos, se estabiliza na plataforma do saber, com rumos à imortalidade?
#RIODEJANEIRO#,
21 DE MAIO DE 2019#
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