GRÃOS DE AREIAS BRANCAS AO LONGO DA ORLA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Delírios à
luminosidade da ec-sistência - canastro de cogitações da concupiscência,
dificuldades da consciência acidental, atrás do pensamento não há palavras,
é-se. No âmago do é não faço perguntas.
Sequazes ao
antojar do excelso, metro da querença assente verbo–alma–de-inerência,
inspiração do não-plectro à graça da ninharia, oco, carência, báratro do
não-ser, ao não encanto do estético, cataclismo do Érebo - alvoroços,
retentivas extintas, acarretando o espírito no termo da jornada -,
sensibilidades, urdido rude que cerca a alma na sêmis da vereda.
Uno as mãos,
aperto-as contra o peito, como se desejasse reprimir os sentimentos que me
perpassam o coração. Observo o gesto e compreendo o que se passa: um ímpeto
novo como que me percorre o corpo, endireito-me, levanto a cabeça que, por
instante esteve baixa, a mente circunspecta, a alma intros-pectiva, enquanto os
olhos perscrutavam o abismo, o vento sopra agitando os grãos de areias brancas
ao longo da orla, eriçando os cabelos dos braços.
Quem sabe com
estas imagens, tornadas palavras, não esteja mostrando a aura intraduzível das
areias brancas, dos seres votados à inocência. Assim é que devo imaginá-la, um
gesto esboçado sem conivência íntima, uma dádiva destituída de graça, uma graça
destilada à luz das des-graças, eu próprio misterioso e dentro do âmago em que
me deslizo livre. Um outro sentimento já fermenta no espírito, e eu calculo
quantas vezes o dissera, em que situações idênticas, e diante de quantos homens
diferentes.
Como saber a
inocência inteiramente, e possuí-la sem vislumbre algum de memória, sem
intromissão dos seres que a hajam amado ou rejeitado, e que, provavelmente,
tenham sido com ela saciado a fome e sede de perpetuidade.
Fosse logo
ao amanhecer que estivesse no topo desta montanha, contemplando essa ilha de
areias brancas onde sobrevivo para ser, provavelmente não teria invocado
testemunho invisível mais sublime que a comunhão do espírito e dos sonhos,
sentindo até os limites das utopias grandes. Sinto estar nas proximidades de
fontes, lagoas, cataratas, cachoeiras, todas de águas exuberantes.
Ao
entardecer, devendo de imediato descer a montanha, a noite já caindo sobre o
bosque, brilhará o traço de uma lágrima que se anuncia no rosto por modelar
esta expressão, este testemunho da oculta energia que me vitaliza o ser, e o
entusiasmo de que sou dotado para todos os esplendores e glórias da natureza
que intimamente habitam-me os recônditos, a existência é sobrenatural,
fantástica e gigantesca.
Como a vida
me parece grave e bela, com um sentido que não adivinhara até então, mas que
existe, dando cor às árvores e folhas, às nuvens, dando tonalidade à grama
viçosa e verdejante do bosque, dando sons às ondas rumo à praia, a tudo, enfim,
que res-plandece e palpita de in-finito amor, de uni-versal livre-pensar.
Sinto-me grato por ec-sistir, e chego a pensar em ajoelhar-me, e agradecer à
Terra-Mãe, qualquer que Ela seja, a graça de me ter feito presente a todas
esses esplendores.
No
claro-escuro dos dias, visto e des-visto uma série de disfarces, que, no
entanto, não escondem a sempre presente angústia do Ser diante do tempo. A
melhor essência é inconsciente de si própria, sempre uma súmula da verdade, uma
sinopse do verbo de ser, síncope do tempo e do silêncio, comprazo-me com a
harmonia difícil das íngremes contradições, dialécticas.
Pasmos de
avisos da claridade a recaírem no que há-de advir, meditação da realidade na
contiguidade do tempo que se faz ininterruptamente, geração da quimera,
aspergir de protótipos, ânsias, querer a energia da expectativa, matriz de
mundos, contaminados de simulacros, orquídeas cãs de amplas ópticas à pesquisa
da claridade das estâncias da existência, enredada à contiguidade de ensaios,
matriz de dilúvios, gênese de vulcões em erupção, prenhe do verbo–ser-de-afeições,
ânsia de dita, o raiar é espanto, as lâminas de cintilâncias são surpresas.
Eu próprio,
enquanto continuo a olhar a orla de areias brancas, vogo um pouco ao sabor dos
minutos poucos que antecedem o cair seco e categórico da noite, medindo,
compondo, re-compondo, aclarando uma ou outra sede que se vai mostrando,
expressão cuja chave, à luz da face nova, abre exuberante o que em torno
constitui demonstração de vitalidade.
Articular os
fragmentos e re-integrar a essência na aparência, eis a vida que sobre-existe
além da morte.
Na quietude
e silêncio de minha alcova, onde me refugio para poder pensar e sentir as
experiências espirituais adquiridas com a visão do panorama marítimo, no cume
da montanha, percebo que o espírito da alcova não é mais o mesmo. Ninguém pode
imitar o particular. Todos podem imitar o uni-versal.
Luz, sentido
e palavras... Viver febril. O coração forte, descompassado. Tudo, nada. Vazio,
caos, abismo. Luz, sentido e palavra. Sons, inter-dictos e letras.
"Acabemos
com isto e
Tudo mais,
Ah, que
ânsia de ser rio
Ou
cais..."
Será que a
ostra aquando arrancada de sua raiz sente agonia? Tenho aos meus pés todo um
mundo desconhecido.
In-ventemos
com isto e
O que mais
for,
Ah, que
fissura de ser fonte
Ou genesis...
Palavra,
sentido e luz. Nada, vazio. Espreguiçam-se em ressacas.Vácuo. Subterrâneo
frouxo. Eternidade. Fosso chilro.
"Quem é
sensível sabe,
Ou ao menos
já soube,
Onde coube o
paradoxo".
Pequeno
passageiro que fala, gesticula, monologa, goza. Forças para amar. Além do medo.
Disposição para ouvir. Além das resistências, dúvidas. Sensação de sonho.
Natureza diferente. Cor-agem para viver. Além das inseguranças, carências.
Êxtase. Razão e raciocínio. Segurança para pensar. Além de pensamentos e
idéias. A orla cria segunda realidade para habitar. Olhar desviado. A luz
rodopia sobre a cabeça. Tudo suspenso. Loucura e insanidade. Sangue no corpo.
Conheço o som de caixão. Morte... Morte... A morte dilui os traços de espuma do
mar na praia.
Luz, sentido
e palavra.
Palavra
aqui, outra ali. Reflexos. Contingência. Especulo, medito e reflito.
O proscênio
absolutamente vazio. O tablado nu.
Pequena
estiagem que disfarça o olhar fixo numa alegoria ou num pó. Única vela que
retoma santos num símbolo nu, num signo despido. O país prende a respiração.
Salmos na igreja de Cristo estendem os braços... Desejo recente, forte,
definitivo.
Luz,
sentidos e palavra... Ruas imersas em sombra progridem da arte a consciência
humana. Solidão. Delito inconsciente. Correntes internas. Tudo. Vento. Mudo
vestígio do caos. Silêncio, silêncio, silêncio... Muros mitológicos de sonhos.
Perscrutando
folhas e flores primaveris, orvalhadas da alma, pressinto em mim miudezas de
sensações que de pers em pers, iríadas em iriadas, éresis em éresis do não-ser
nasce o in-verso precedendo o verso, surge o re-verso antecipando a verdade às
sara-palhas do vai-e-vem que é concebido de gerúndios, particípios,
in-finitivos das ilusões e idílios a-temporais, a perfeita leveza do ser.
Quê sujeiras
o vazio deixou - vento-bordas do perpétuo! Inimaginável!... Indescritível!...
Inconcebível!!! Vento algum vindo de algures leste digna-se a soprá-las aos
confins.dos horizontes. É entregar-me solene e solícito nos braços parnasianos
das insolências de saber-me desprovido, destituído de essências. Entrega que
não tem fin-itude.
Ergo-me para
uma nova manhã – o meu caminho é feito de caminhar -, docemente viva. Minha
felicidade é pura, transparente, como o reflexo do sol na água. Cada
acontecimento vibra em meu corpo, como pequenas agulhas de cristal que se
estilhaçassem inteiras. Depois dos instantes curtos e profundos, vivo com
serenidade durante largo tempo, compreendendo, recebendo, resignando-me a tudo.
Meu rosto é leve e impreciso, meu olhar é sereno e indiferente, a respiração
encontra-se lenta e comedida, boiando entre os outros rostos, olhares,
respirações vazias e opacas, como se eu ainda não pudesse adquirir amparo e
conforto em qualquer expressão. Todo o corpo e alma perdem os limites, perdem
as estribeiras, matizes e enredos, misturam-se, fundem-se num só caos, suave e
amorfo, lento e de movimentos vagos como matérias simplesmente vivas. É a
renovação perfeita, a anunciação pura e a criação solene.
Seria que a
imperfeição perfeita alucinasse, fascinasse, extasiasse por a perfeição ser
mera quimera, imaginação fértil?
#RIODEJANEIRO#,
14 DE MAIO DE 2019#⛷
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