E TODOS NÓS RIMOS, ATENAS ATÉIA!... GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
De que? De
que todos nós rimos? Haveria algo a ser rido? – desculpem-me este viperino
cacófato, reunindo numa única palavra “serrido”, mas podendo afiançar estar de
acordo com a gramática. Se houvesse, há muito todos já estariam rindo a
bandeiras soltas, até ao limite do choro, e daí o desespero por ser capaz de
retornar à seriedade, a agonia, a morte inevitável.
E de que? De
que estariam todos rindo até a morte? Por não haver algo a ser rido, e rir do
que não há, do que não existe, é rir de nada, nada é plausível de riso. Que
idéias? Que sonhos? Esperanças, utopias, pensamentos são plausíveis de riso?
Nenhum no que tange ao bom senso e saúde mental.
Mas rimos
todos nós do que não há, nunca existirá, não se sabendo se algum dia será
possível a existência do rir do que não há, jamais será conveniente a
existência deste riso.
E ainda não
disse de que todos nós rimos. Estas palavras introdutórias anunciam a
contestação, rebeldia, revolta por serem estes os hábitos, o riso do que não
há, e de ambos, se nos for conveniente considerar a possibilidade de reunião do
que não há e há, se somos capaz de recolher algo de sublime e de ofuscante, uma
fornalha ardente de pensamentos e utopias, intuições e contemplações, pode-se
até imaginar a reunião do riso e do não-riso, que idéia mais absurda: afinal, é
digno rir disso, não rir daquilo é ainda mais essencial à sobrevivência do
homem e de sua condição de humano no mundo, no meio das coisas, dos homens e
dos objetos os mais variados possíveis.
Aí, agora, é
possível e convincente que já se sabe do que estamos todos rindo a bandeiras
soltas. Por estarmos rindo todos dessas palavras, mostra apenas uma intimidade
e arte com as palavras, muito bem construídas as idéias, os pensamentos, mas
não dizem coisa alguma, não têm senso algum, podendo-se afirmar com categoria
tratar-se de uma imbecilidade, um maravilhoso e esplendoroso momento de
inspiração da imbecilidade, futilidade, e todos as outras “idades”, sem
qualquer utilidade, nem com muita boa-vontade.
Mas, fácil é
admitir que é razoável, objeto mesmo de inteligência e sabedoria, rir do que é
imbecil, idiota, mostrando o nível de conhecimento e razão chegamos os homens.
E é por essa razão que desde o início estamos todos rindo, não paramos um
instante de rir, já ultrapassamos há muito o limite do que é passível de riso,
começamos o nível do desespero por parar de rir, e quanto mais vamos
mergulhamos na leitura do que está sendo escrito, registrado por todo o sempre,
por toda a eternidade, não ser possível ser negado, pode-se não dar valor às
palavras, aos seus sentidos, significados, metáforas, o que mais quiser incluir
neste elenco.
Se não há o
que “ser rido”, se não pode parar de rir mesmo não havendo o que, não podendo
mais retornar ao início, retornar ao fato de que não havia nada que
justificasse o riso, são apenas habilidades e engenhosidades, uma intimidade
com as palavras, podendo delas fazer o que quiser, mas no íntimo, no fundo da
alma, onde a fornalha está mais que ardente de tantas dores e sofrimentos, culpas
e responsabilidades, e não importa o que, quais os resultados e conseqüências
tende-se a negligenciar, fugir, escapar a passos largos, mesmo não deixando
nenhuma marca ou traço que os possa identificar, não sendo então mais uma coisa
que vá intensificar o riso, mesmo intensificando mais, tornando a morte mais
rápida, deixando ao menos que a morte chega não precisando aumentar o
sofrimento, as dores que habitam o íntimo.
Compreendo
que é doloroso estar rindo sem parar, mas havendo algo que impulsiona para
frente, para a continuidade, não desviando um só instante os olhos da folha de
papel, lendo sem parar, desejando a conclusão, se é que nisto possa haver um
“grand finale”, mas até onde se é possível continuar criando a imbecilidade,
idiotice, asneira, o que mais existe neste nível, a engenhosidade e arte, a
intimidade com as palavras, as idéias e intuições que fora reunindo para esta
criação.
O que posso
fazer? Não fora assim que ouvimos desde os nossos antepassados, de nossos
parentes e amigos, conhecidos e inimigos, não ouvimos “Pode rir... Pode rir...
Quero ver é no futuro o que será riso”. Se era de algo que sabíamos de prazeres
e alegrias, felicidades e paz, ríamos da infantilidade, ilusão, fantasia –
estavam “viajando na batatinha”, na “maionese”, ouvíramos de ambas as formas.
Se era de algo que sabíamos dos sofrimentos e dores, ríamos por que a nossa
vida não seria assim de modo algum, só tragédias e fatalidades, éramos
suficientes fortes e capazes de evitar os dramas. E hoje sabemos que esses risos
nos acompanham e vão acompanhar para sempre, mesmo que os negligenciemos, e com
isso justificamos as nossas responsabilidades e culpas que nos habitam bem no
fundo.
Creio ainda
ser risível se continuar aprofundando, mergulhando no riso que começara desde o
início e a cada passo, a cada palavra intensificando, tendo já ultrapassado o
limite do desespero, por desejar parar, não continuar mais, não sendo possível,
tendo de “abaixar a guarda” diante do limite da vontade e do desejo, chegando
agora à agonia, pois não se pôde interromper a nível do desespero, nada houve
que justificasse ou explicasse, ao contrário tudo indicando para algum sentido
inexplicável ou inteligível, mas sabendo a existência dele, daqui para frente
sendo dolorosa, sofrível e sofrida a continuidade.
Quem sabe é
por haver nestas palavras algo que identifique a presença de dimensões da vida,
jamais paramos de esconder as nossas mazelas e pitis por toda a vida, o que nos
habita de estranho e esquisito, insano, e lendo vai se intuindo na linguagem e
no estilo estar a tratar disso de nos haver escondido os nossos fantasmas, não
havia o que ser rido delas, mas temido com todas as forças e determinações além
da condição humana de o fazer.
Então, é
risível haver rido desde o início até agora do que pensara não haver algo que
justificasse, que tivesse algum sentido sério, uma intenção intransigente, uma
intuição benéfica, se houvéssemos percebido que era viperino negligenciar o que
nos habita a alma, que dores e sofrimentos vivemos no íntimo, não iríamos ter a
necessidade de estar rindo, aí tendo sentido mesmo estar rindo por serem as
palavras sem qualquer senso, sem quaisquer inteligibilidades, uma perfeita
imbecilidade e idiotice, tendo direito à imortalidade por atingir o absoluto, a
sublimidade do asno, da “jeguice”, digamos desse modo, ou melhor tendo a coroa
do asno sobre a cabeça, e uma estátua em praça publica, cuja inscrição, cujo
epitáfio outro não poderia ser senão “Aqui jaz um homem que atingiu a perfeição
da imbecilidade e idiotice”, o que seria risível a todos que lessem, imaginando
as coisas mais esquisitas e estranhas que tenha dito, do modo e forma que tenha
vivido, de estilo e linguagem que tenham se expressado, isto sem contar as
ações quotidianas.
Risível
ainda é o fato de todos rirmos dessas palavras que nada dizem, não
compreendemos em verdade o que há nelas que despertem o riso, que nos tenha
trazido até a esse momento de agonia, e tudo o mais será a proximidade da
morte, até à morte.
E todos nós
rimos, Atenas Atéia!...
#riodejaneiro#,
27 de maio de 2019#
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