FUNDO VIVO DA NATUREZA GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
"O
coração batia-lhe, sentia um travo na boca, como se tivesse embriagado na
véspera."(Sartre)
"Vivo
tão separado de minha época que o mínimo desejo é-me um tesouro inestimável:
sonho poder realizá-lo."(Manoel Ferreira Neto)
Compreendo,
enfim, possuo dois mundos essencialmente paradoxos: o das ações e atitudes
sobre idéias e pensamentos, em que se formam o intelecto; o das emoções e
sentimentos sobre meu amor. Nada posso dizer sobre mim, no quotidiano: é ir
armazenando o possível da intimidade, a fim de que possa livrar-me do
esvaziamento, encontrar outros modos de referência.
O amor
encontrado em mim é. Nesta hora de profunda reflexão, a intenção primordial é
entender o porquê de ser eu tão fugaz, efêmero, a ponto de nada mais haver, ter
de recomeçar outra busca. O desejo não é de entender-me, possuir um quadro de
explicações coerentes e reais; o desejo é de ser o íntimo, de sentir palpável o
real. Sensível e reflexível, não poderia jamais revelar tudo o que sinto: a
vida é um conjunto de emoções e sensações.
Não posso
entender inda a razão de necessitar tanto de uma doação e esta mesma doação significar
quase o meu extermínio. A vida possui uma necessidade faminta de se
exteriorizar e retornar a si ainda mais efusiva. O viver possui uma necessidade
sedenta de estar recluso e isolado, empreendendo a interioridade,
processando-a, um caminho para a felicidade. A realidade só significa estar em
harmonia com a intimidade, os sentimentos vividos e sentidos, as emoções
centradas e canalizadas na solidão.
O mundo só
se realiza em mim mesmo. O outro lado da vida é o amor: só em sua presença sou
capaz de sentir gozo e prazer. Estranhamente incrível os paradoxos? Uma
sensibilidade que, exteriorizada, constitui um avatar de beleza e harmonia, mas
deve permanecer em seu sítio singular, caso queira a vida equilibrada.
Sinto
tristeza de saber só eu irei fazendo a intimidade repleta de emoções e
sentimentos profusivos, humanos, contundentes, embora toda a linguagem seja de
uma pobreza sem limites. Talvez haja quem a considere de grande valor.
Quase nada
ou muito pouco, poder-se-á saber de mim. As ações darão apenas a realidade. As
atitudes de amor pelo que vai sendo instituído no itinerário de todos os
investimentos por ser vida em todos os limites do real ensinam-me a trajetória
de um carinho intenso, uma profunda ternura de viver.
Pergunto-me
triste e feliz, estes paradoxos solenes e pomposos do sentimento: "Como
posso ir elaborando o amor, se ele possui dois ângulos de ser real: é uma
referência de desejos e é um recolhimento de sua identidade?"
A ternura
incólume pelas sensações, e, no fundo delas, o insofismável desejo de atingir o
ápice da plenitude de tudo sentir e viver, ser o espírito de mim, lega-me a
sublime de todas as riquezas: a alegria. O desejo é de amar acima de qualquer
pensamento de amor, sendo a sublime carícia. Viver limitou-me as arestas da
revelação. A vida legou-me uma preciosidade inestimável: a manifestação ingênua
da emoção.
Nos braços
da sensação de desejar, sigo o caminho, embalando a melodia da vida, a canção
do viver: é construir o espírito, no sentido de todas as atitudes.
Engraçado e,
ás vezes, cômico: longe de qualquer tentativa de dizer quem sou, de mostrar-me,
sou homem tranquilo e sereno, sinto um gozo. Se ouso uma palavra, institui-se o
inferno. No silêncio da língua, sentindo apenas o sussurrar do vento, o sibilo
do tempo, pensando as atitudes e ações, lembrando-me de instantes, árduos ou
alegres, sou uma qualquer harmonia. Aprendo nova atitude: ouvir o que está
sendo dito, ficando em silêncio - vou tentando aperceber as nuanças sensíveis
de emoções. Ouço, no silêncio, a voz íntima de mim: a vida, agora, é uma
perfeita sensação de liberdade e limite. Surge-me ora algo das profundezas do
viver: "No amor encontra-se a beleza de tudo: a restituição da
singularidade, a eficácia da metamorfose".
Desejo de
amar algo tão ínfimo, mas tão rejuvenecedor: a hierarquia da vida em seu
instante maior, a referência da realização. A nitidez tênue e vaga de uma
liberdade torna-se algo deplorável e mesquinha, se no seu interior não estou
inscrito, nada posso dizer ou expressar. A morte desfaleceu-se em mim, dorme o
seu sono por longínquos anos, em seu lugar, nasceu um homem ativo, de emoções
vibrantes e tenazes.
Solitário,
sigo os passos lentos rumo à maior das presenças, a vida; mas se acompanhado
estivesse muitos dissabores seriam evitados. Olhando o amanhecer, sinto algo de
imprescindível valor: a sensação de ir iniciar um mundo em que só habita a pura
carícia. Desejo ardente de neste momento abrir as cortinas, consentindo o
espírito revelar-se por inteiro, o mundo seja uma única verdade: a afeição.
A ausência
de uma particular referência lega-me este sentimento nobre e adulto, que será o
fundamento, o avatar de buscas constantes. Vivo tão separado de minha época que
o mínimo desejo é-me um tesouro inestimável: sonho poder realizá-lo. Se é que
se pode acreditar antes de se poder viver, sentir os verdadeiros passos no
mundo, algo precisa ser sentido e ouvido na vida. Creio ter sentido este algo:
a perda de todas as quimeras.
O mundo da
vida em busca de um sentimento, do viver para estabelecer a emoção sublime, o
amor, está realmente fazendo a minha cabeça. Difícil saber o dia em que o amor
foi concebido, mas, enquanto for vivo, não me esquecerei da data de seu
nascimento: olhei ao redor, sentindo um silêncio total e absoluto. O desejo é
que o viver nunca cesse de apresentar os caminhos de um encontro com a Paz
Absoluta.
Às vezes,
num segundo de aconchego, indago: "Amaria tanto o viver, estaria tão
empenhado em sua constituição, não houvesse conhecido o amor no fim da
vida?"
"Desejo-lhe
a vida..." disseram-me com tanto carinho, ternura, não sabendo este alguém
começava eu a viver. Não sei se burilei a frase ou se a partir daquele momento
compreendi viver é dar significado real aos sentimentos e emoções.
#riodejaneiro#,
27 de maio de 2019#
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