ÀS ALGEMAS ORIUNDAS DE COBRAS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Luz apagada.
Esquecida do fio suspenso. Teto bege. O vento largo deseja entre-abrir a
janela. A porta do quarto fechada. Rochedo. Jardim desenha, na agressão da
certeza, a imagem-símbolo da interrogação. Restos mortais de miséria. Corpo sem
nada para dentro dele. Quero dormir, comer. O já sabido que é igual à morte. O
não sabido que são as algemas oriundas de cobras.
O olhar
esvazia-se pelas vagas de montanhas. Olho-me na estúpida grandeza. Coberta de
escárnios. Janela que me fita a olhos mortos desde há séculos. Por que uma
sorte de miséria? Escarro de andrajos seria tributo à minha condição. O tributo
de quem escarnecesse ou de quem ridicularizasse com desprezo. Em mim, não há
miséria. Miséria é ser-me inútil à riqueza.
Salto brusco
do sofá. Abro, alucinado, a porta da sacada do segundo andar. O silêncio. A
noite. Fecho-a embrutecido. Toda empedrada de alarme. Que se passa? Alheio a
tudo. Silêncio estranho. Recomeça a música de sobra. A sala de estar emudece-se.
À escuta. Medo de mover-me. Chama-me alguém? Respondo. Intriga no ar. Lavra-me
ainda na carne. Aguardo que uma palavra ecoe. Não há sequer rumos de vento. As
coisas fixam-me. Muros estalam-se no instante-limite em que vão dizer. Ouço,
ouço. Que estranho!... Tento reagir. Quedo-me obtuso. Fechado do meu segredo.
Há alguém
dentro do silêncio. Permanece cerrado, sem me responder. Tenho medo de lhe
tocar. Aguarda a minha audácia, temeridade. Avanço para ele. Hesito. Um gesto
que faça ameaça-me de explosão. Que mediocridade!... Acaso perdura em mim o que
pensava morto para sempre? Que é o medo?
O silêncio
estala-me nos dedos. Alguém me chama. Alguém vai me chamar. Vida vai erguer-se
de além vida. O silêncio alonga-se. Tolhido de frio. O quarto cansado de agir
nos acontecimentos do dia anterior a qualquer outro. Tento reagrupar-me todo a
mim.
Afundo-me no
sofá. Acendo um cigarro. Disperso-me na fumaça.
Crescem
sussurros, ululando as vibrações de sangue nos olhos. Incêndios irrompem em
fúrias. Pedras destroçadas invocam interferências nos corpos trêmulos. Gritos
exultam esvoaçar de retinas a buscarem consolo nas letras exumadas.
Riso escuro
de palpitar nos móveis a dormência que começa a abrir, subir pela garganta. A
última ilustração da cova resguarda a incompreendida fealdade dos demônios.
É preciso
morrer. Brotar das terras pelo esquecimento polido, as flores de sangue do
jardim de epitáfios, imantando as idéias, sonhos de homens. Morrer de todas as
coisas. Tudo que é verdade não tem voz nas palavras.
Morte, sois
vós a verdade e o poder; sois a busca de viver.
Nascer,
viver, morrer. Trindade de segunda conjugação. Cubro-me de tácita serenidade
que é procurar razões para retornar ao quarto.
Mortos
fundidos à germinação breve e cinza da terra. Esperanças largadas entre a
formalidade de circunstâncias e a garganta intensa. O pensamento tem mistérios
que só o tempo irá desvendar. Projeto-me à inocência excluída e à exclusão da
plausível realidade, mas a autêntica poeira... – insepulta meiguice do inferno:
filtro a loucura estranha aos últimos medos da noite exonerada na concórdia
universal.
Intercala a
cultura e a obliquidade de risos. Olhar de bengala curta regressa da infâmia
deliberada à miséria latina, solitária. Vozes ridículas apreendem a tristeza no
nada. Tenho medo de ondular as cortinas.
As noites
trazem voz de triunfo, mesmo para o que não me vence. O instantâneo desamparo a
toda alegria; roda em deserto a ideia excessiva incrustada. Sabia o que era
respeito – embora não a conhecesse, não soubesse que sabia. Sede, mas não de
água. Vazio sobe a alma, garganta, e seca a língua. Viver dói.
Sonho.
No alto de
um edifício, havia um homem em pé, equilibrando-se no alongamento de concreto.
Crepúsculo
onde o alcance de túnicas amarra sangue em abismos de poeira. Estava eu na
mesma altura em que o homem se equilibrava no alongamento de concreto.
Segurava-me numa corda. Medo de despencar-me. Quedar-me seria um ultraje. Por
que não me equilibrar?
Disse ao
homem:
- Você pode
ficar aí. Equilibra-se. Há um hábito. Não posso fazê-lo. Caio.
Pulei para
dentro de uma sala. Tenho o péssimo costume de...
Sombras de
longos exílios, isolamento – a solidão da franja de sonho ou talvez da dor
contundente.
Pasmo –
atitude de despertar sentimentos anteriores às palavras.
Não desejo
estar só. Horror da solidão. Prolongada insônia. Conversa a só com o ouvir de
análises.
Apelo.
Quietude. Distância. O vento ermo no campo traz a inteligência no bolso. De
Níobe. Antes de terminar o pensamento anterior, na palavra “inteligência”,
imaginei que seria de Níobe, uma prudência frente à solidão, frente à insônia.
O vento ermo
no campo traz a inteligência de Níobe. Dançarina. Às portas das tabacarias, não
sou nada, não quero ser nada. Atiro navalhas aos fingimentos. Se me sentisse
apenas feliz até ao absurdo e aos viscosos. Dúvidas. A descrença cobrir-me-ia
de vergonha. Boca de ânsias sanguíneas.
#RIODEJANEIRO#,
20 DE MAIO DE 2019#
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