#DÁDIVAS DE ESPÍRITOS QUE MORAM NA MONTANHA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Na neblina
da montanha, chovera por quase três dias seguidos, chuvinha fina, pela manhã de
hoje estava toda encoberta, já vislumbro e vejo as musas passarem dançando, os
querubins performando os gestos e passos sonorizados, e, em que depois,
descansando quieto no equilíbrio da alma matinal de por baixo de alguma árvore,
encostado ao seu tronco, dessas copas e ramagens me sejam lançadas coisas
novas, inusitadas, excêntricas e claras, dádivas de espíritos livres que moram
na montanha, no bosque e na solidão...
São horas de
cinza de espírito, são cinzas de um tempo indescritível, inenarrável, não tenho
a ousadia, não sou aventureiro, pudera sê-lo, não me pergunto para que é isto
que não é para coisa alguma, para nada, estaria apenas tentando preencher o
vazio das horas com algo sem sentido, não há resposta, nem posso entender que,
não tendo resposta, como uma pergunta fora criada, fora feita. É-me impossível
aprofundar e apossar-me da vida: ele é aérea, é o meu leve hálito. Quero a
desordem.
Hesito,
agora, em continuar a ideia que se me revelou na mente. Não há muito que,
encostando-me ao parapeito da janela, após a estiada da chuva, olhando à
distância a neblina, e agora, tudo se me afigura um sonho. O coração bate
descompassado, não estou nem um pouco consciente da emoção que se me revelou a
ponto de o coração bater descompassado; para isto, para o fazer bater
descompassadamente, há-de ser algo emocionante, inusitado. Em princípio, ouço
com um sorriso calmo e paciente, que raras vezes me abandona; mas, pouco a
pouco, uma expressão de espanto e, em seguida, de medo transparecem e se fixa
no meu olhar.
Tenho-me
esquecido do tempo, em verdade. Vivo um tempo que não sei de-correr, um espaço
para que não há pensar, não há imaginar, não há sentir, não há desejo e nem
vontade, um de-correr fora do tempo, uma extensão que desconhece as emoções e
sentimentos, conhece o saber como é suave saber que a espiritualidade, o
conhecimento, a contemplação, na clepsidra deste imenso desejo, sonho, vontade
do sublime, entregar a vida a esta busca, esperançoso de vir a sentir o gosto
do sublime, gotas regulares de esperança, de fé, marcam horas irreais, marcam
dias quiméricos, marcam tempos fantasiosos.
Lá fora, a
noite tão longínqua! Sonho e de por trás da minha atenção sonha comigo
alguém... E eu, que pela manhã da distância, da lonjura que vai o dia quase a
esqueço, é ao lembrar-me dela que sinto em mim desejos os mais excêntricos, os
mais inusitados de, num re-canto afastado da sabedoria o ritmo íntimo das vozes
que ouço a dizer-me próximo à alma do alto silêncio, mostre se a vaga à pressa
resvala como um cúmplice fugaz, perante a noite confusa; se a poesia íntima dos
versos da canção embala o que está perdido e as sendas que servirão de trilha
para o encontro revelam a saudade que o sudário esconde; sinto em mim o espanto
que as horas de desassossego, para além da linha externa das montanhas, são
hábitos de estilo, costume de formas, e para além dessa não há nada...
Os olhos não
são escuros, mas claros, e é apenas a sombra das longas pestanas que os
escurece. Penso poderia estar alhures. De mim já se afastou a última esperança.
Acaso a natureza ou nobre alma agora um bálsamo não têm, que me traga bonança?
Por vezes, não sinto limites no corpo. Con-templo ora o sorriso cínico e
irônico, revelando rebeldia e meditação acerca de o cristianismo con-templar a
morte e não a vida, dizendo-me da melancolia e nostalgia. Ponho em nível de
suas sensações as extremidades algo longínquas das mais nobres emoções. Imagino
estar algures.
O sorriso
não desaparece de todo; mas, por momentos, parece vacilar.
#RIODEJANEIRO#,
13 DE MAIO DE 2019#
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