*FILOSOFIA DAS FOLHAS SECAS DE FIM DE OUTONO** GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA
Ignaríssimo
leitor, imaginei perguntar-vos com toda a diplomacia, cadinho de sentimentos
recém-nascidos no coração, de ternura, carinho, amizade, se vós recebestes
correspondências de amigos, parentes, namoradas, a que lestes com os olhos
lacrimejantes de saudades, o coração pulsando de emoções, sensações(se é que
haja sensações no coração) por eles sentidas verdadeiramente, mas não há quem
neste mundo não as tenha recebido, portanto larguei a mão de fazê-lo. Como não
podia deixar de perguntar-vos algo, não me perguntais a razão desta sangria
desatada em obter de vós uma res-posta, decido mudar as perspectivas, dizendo,
então, que,se guardastes tais correspondências, lendo-as vez por outra,
recomporeis o pretérito, o vivido, o vivenciado, especialmente nos instantes de
pura tristeza e vazio.
Penso que se
alguém não guarda as correspondências da juventude, que tempos floridos de
orquídeas dos sonhos, tudo são promessas de uma vida de felicidades e alegrias,
prazeres e realizações, isto sem contarem as conquistas, sucessos, a carteira
trans-bordando de notas novinhas em folha no bolso, nos tempos atuais sendo
chamarisco de bandidos, não terá aquela oportunidade ímpar de conhecer a
filosofia dos papéis pretéritos, quais são as folhas secas no final do outono, princípio
do inverno, não terá o prazer de presenciar-se ao longe, à tarde, de
chapeuzinho branco, aquele modelo peculiar e tão individual de Charles Chaplin,
só que preto, a bailar ao som de uma gaita dylaniana, sob o brilho dos olhos de
sol.
Perguntar-me-eis,
todavia, o que é isto - filosofia das folhas secas de fim de outono. Que digo
em resposta ao vosso questionamento? Tomando em conta a vossa ignariedade, já
imaginava que seríeis vós a perguntar-me, desejar ansiosamente a res-posta.
Em verdade,
em verdade, a noite passada delongou-se sobremodo, passando-a eu tomando café e
fumando, deitado na rede da varanda, pensando, indagando, questionando sobre
esta filosofia, in-vocando, e-vocando os preciosos auxílios de Nietzsche,
madrugada sem estrelas e lua, para me eivar das palavras precisas. Por volta
das quatro e meia, mariposa pousou-se sobre o braço da cadeira, sendo o
instante da iluminação. Entre os olhos faiscando de gozo, sorriso escrachado,
pronunciei em voz alta: "A filosofia das folhas secas de fim de outono é o
momento de cantar as saudades", mas tomando em conta a expressão poética é
a coisa mais triste da vida, saber que todas as coisas passaram, passaram os
sonhos, passaram as esperanças, passaram as fantasias, passaram as ilusões,
restaram as saudades de tudo.
Agradeço-vos,
ignaríssimo leitor, a vossa atenção, desejando que coloque em prática de rasgar
as vossas correspondências, incinerar os pedacitos de papéis, de modo a nada
restar do pretérito, e assim podendo prosseguir a vossa caminhada no mundo de
ilusões, fantasias, esperanças vãs, e assim conhecerás outra filosofia mais
interessante ainda, a filosofia das "brancas nuvens".
#RIODEJANEIRO#,
24 DE MARÇO DE 2019#
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