#ACUIDADE DA CALIGRAFIA# #GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Viver a vida
é mais um recordar-se dela do que um viver direto, reto. A vida oblíqua é
íntima. Parece uma convalescença macia de algo que, no entanto, poderia haver
sido in-inteligível. Convalescença de um prazer... de um prazer frívolo? Não
sei o que diga: creio de modo ímpio, e não me questionem os doutos dessa
impiedade, quero apenas enfatizar o modo, mas o termo melhor é frígido, comunga
mais com a idéia que venho desenvolvendo para expressar a minha ausência de
talento para escrever a vida. Só para iniciados, a quem ainda a pena não
revelou seus limites, vive nas nuvens do orgulho e da lisonja, das saltitâncias
do sucesso e dos rebolados da fama, a vida se torna fragilmente verdadeira.
Será que não sei mais do que estou falando, o que digo, perdi-me nos veios dos
sentidos, agora é escrever sem metas e diretrizes, sem propósitos e campos do
caminho, deixar a pena deslizar na linha sem eiras e beiras, ler quando
terminar e intuir o que provavelmente intuí, o que provavelmente quis
significar. Quê hipocrisia deslavada acabo de registrar! Terminado o escrito,
jamais releio, a jornada das letras continua o itinerário. Tudo se me escapou
sem eu sentir. Escapou-me a razão que direciona os interesses e razões, as
intenções e propósitos. Escapou-me a sensibilidade que mostra os sentimentos
que me habitam do vivido e do desejado viver. Escapou-me o intelecto que tece
as idéias e os pensamentos com as linhas dos sentimentos, emoções que habitam
os sonhos e as utopias. No rosto in-concreto do sonho, na face i-(r)-real da
utopia, varando o espaço da mente, sento-me na quina de um pensamento
destemido, ousado, noutra palavra mais condizente, valente. Aniquilo a
transitória, mas poderosa matéria, e detenho-me pena! Não é a mesma coisa
sincera, séria, descrever com sangue os sentimentos que escrevo com tinta, a
alma que delineio com a acuidade da caligrafia, o espírito que ins-piro além do
bem e do mal, além das intempestivas considerações do quotidiano e de suas
sinuosidades da verdade e da in-verdade.
#RIODEJANEIRO#,
18 DE MARÇO DE 2019#
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