**AQUI ESTOU COM TODO O TEMPO DO MUNDO** GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Não se
preocupe... Não há qualquer pressa... Aqui estou com todo o tempo do mundo.
Quem do sou
de mim efemerizar-se-á? - o eu de minhas éresis dos sonhos, e o que a-nunciarão
as esperanças?, as essências de meus pretéritos da liberdade? Livre inda mais
neste crepúsculo, posso levantar-me daqui e fazer o que bem quiser,
embrenhar-me no bosque, subir o morrinho de minha residência, estar no morro
olhando as ruas e toda a natureza do lugar.
Centelhas de
tremores reverberam nos interstícios d´alma o que inda ínfimo mostra-se, livre
de quaisquer grilhões, mesmo de pequeninas perguntas as mais simples...
Flutuar! Vaguear por aí! Tornar-me incrível! Tudo faz parte daquela cosita
conceituada paraíso e do banquete de tempos remotos. Aprecio desfrutar da
felicidade do ocaso da Antiguidade. A felicidade de um olhar que silencia
diante do mar da existência, nunca antes creio ter existido uma tal modéstia da
volúpia.
Não se
pré-ocupe... não há qualquer pressa... Aqui estou com todo o tempo do mundo.
Que me
conste, ninguém inda relatou o seu próprio delírio; se me não faltam engenho e
arte, faço-o eu, e a ciência irá com efeito tecer-me todos os tributos, a arte
crochetear-me os valores com todos os verbos, houve quem escrevera texto sem a
presença de quaisquer verbos, por que não fazer o mesmo, escrever um só com
verbos, entupigaitar-me de todas as glórias, empanzinar-me de sucessos e famas,
por simplesmente delírio medíocre: a batatinha que assava para mim está assada,
sendo assada, cumpre-me simples desfrutar de seu sabor. Ao destino – o meu
cântico. Ao crepúsculo desejo banhar-me? É findo! E fria é a terra, e a ave
noturna esbate-se, a meus olhos incomoda. Se há alguém a quem isto não diz
qualquer respeito, enoja-lhe tais relatos, cumpre-lhe não ler única palavra.
Não seria
interessante raspar as palavras com a retina dos olhos para fugir às fantasias
e quimeras da existência?
Passagem...
Travessia... No horizonte além do "sou" de mim, dispersos,
esvoaçam-se, desnorteados, sentimentos, emoções sem nexos, perguntas sem
respostas, respostas sem perguntas, olhos no espaço, ensimesmados, sem brilho
algum, névoa cobre-lhes, sensações disparatadas, o que fora de mim há um átimo
de segundo, o que o átimo de segundo fora em mim, pretérito sem verbo.
As
perspectivas vi contra o céu de nuvens claras; de coisas da con-tingência, não
mais tive quaisquer lembranças. Tive medo... Relutei... Consegui alcançar-lhe a
mão. Vi-me no meio dos mortos que não se sentiram alegres, felizes. Claridade
sem fim tomou-me... Quê beleza cadente foi essa que con-templei? Dançamos fado
num mundo des-conhecido
Num gesto
irreverente, descabido, pousei a cabeça no seu ombro e sonhei... sonhei que com
você sonhava e dançava contigo na ponte do mar de nuvens azuladas. Nada sei
dizer,
nada mais.
Pontear de
versos o nada que re-colhe e a-colhe as dimensões sensíveis, contingenciais e
intelectuais da criação, tornando-as objetos de re-flexão e busca de outros
horizontes, desejando o In-finito. E aonde o calor do sol
E a sombra
da terra? E aonde a maresia do mar e a fumaça de queimada? Os muros avultam
mudos e frios; à fria nortada
rangem os
cata-ventos, redemoinhos, roda-vivas. Pontear de nada os verbos da inspiração
que, com sua dimensão de criatividade, concebe a consciência e a arte da
con-ting-ência, a liberdade e a criatividade, engendrada no quotidiano das
contradições e dialéticas, efêmero, querência do eterno, ESTAR-NO-MUNDO. Nada
há que algeme, acorrente.
A metáfora
da vida é a verdade do sentimento de amor.
Não pensei
fosse amar, con-templaria o amor, des-cobriria o verbo do amor, des-vendaria os
tempos do verbo amar no sonho de saber quem sou. O amor que me habita desde o
instante em que abri os olhos no mundo agora é a verdade de mim. Por que o
vazio dos sentimentos, por que o vazio do ser das metáforas, por que o vazio
dos versos e estrofes do soneto das sendas da alma à busca dos caminhos de luz
nas trevas, por que o vazio nas bordas do lince do olhar que con-templa o
múltiplo no espelho convexo de miríades côncavas do não-ser sed-uzindo a
borboleta que voa livre sobre as flores amarelas do ipê?
O amor
revela sendas, anuncia veredas, enuncia grutas, cavernas, colinas e picos,
desertos. O que me sou sentido algum tem, as metáforas dos versos e estrofes de
minha língua que se vai movimentando no espaço da boca, pro-nunciava a
etern-itude etern-itária do ser enovelando-se com o eidos do perene,
volatizou-se.
Debruçado à
janela, con-templo a distância, esgarçaram-se os nós das certezas,
desbotaram-se os versos dos sonhos que revelavam a sensibilidade e a
inspiração, esgarçou-se o aqui onde o tempo gira a roda-viva, onde o ser
des-vela o espírito eterno, a busca na contingência da vida é sempre o verbo
perpétuo. Crítico severo de si mesmo, à busca da imperfeição perfeita, partindo
do in-verso para atingir o verso verdadeiro.
Não se
pré-ocupe... Não há qualquer pressa... Aqui estou com todo o tempo do mundo.
Há um homem
sentado no meio-fio da casa de frente, cotovelos sobre os joelhos, mãos
amparando o queixo. Talvez um bohêmio retornando a casa, após a farra da
madrugada. Talvez um andarilho, mas as vestes não são de um. Quem é não o sei.
Nunca o vi. Levanta-se. Segue o seu caminho.
Seja por que
caminhos trilhar até o(ao) seu lar, alguma coisa dói, faz sofrer, angústias,
tristezas, fracassos, o pulsar do coração comedido, e isto por quanto tempo,
ninguém o sabe. Aos vencidos, as bananas bem descascadas, sem qualquer fiapo da
casca.
Passava na
rua ontem à tarde, ombreando-me com uma irmã de caridade, havia muito não nos
encontrávamos, perguntei-lhe se estava bem, respondeu-me que sim, perguntei-lhe
sobre a nossa amiga em comum, hoje, residente em Lisboa, Ernanda Alvarenga
estava bem. Perguntei-me se ela passaria naquela calçada àquela hora, se eu
também não estivesse passando, teríamos de nos ombrear, mas por quê? - enquanto
trocávamos aqueles poucos dedos de prosa.
Despedimo-nos.
O que mais perguntar? O que dizer? Indo embora para casa, lembrava-me Ernanda,
nossas longas conversas, nossas desavenças intelectuais às vezes, mas
relevávamos, no mesmo instante o sorriso, a alegria de nossos encontros. Éritos
do passado. Diria ela mesma, se conversássemos à respeito: "Hoje são as
éresis à busca das iríadas". Achava essa linguagem dela tão peculiar, tão
ela mesma, quando de alguma nostalgia, melancolia ou mesmo a saudade. Certa
vez, perguntei-lhe o que significa isto de "Hoje são as éresis à busca das
iríadas", respondeu-me tão simplesmente, e era mesmo o que pensava e
sentia: "Criemos hoje, pensando no amanhã. Criatividade..."
O que isto
tem em comum? Em que entrelaçam as "mãos"?
A história
se repete, mas não com os mesmos fatos. Continuo absurdo, continuo imperfeito,
percorri tantas ruas, tantas avenidas, comi o pão que o diabo amassou com o
rabo, lambi as côdeas do pão agarradas nos pelos do rabo dia-bólico, respostas
sem perguntas, perguntas sem respostas, experiências, vivências. Canta o galo
nalgum galinheiro, seria que alguma galinha arrepiasse as penas de raiva por
ser acordada antes da primeira luz do dia. Instante há-de tornar-se verdadeiro,
o voo para bem distante, não havendo qualquer empecilho, realizar-se-á.
Acendo um
cigarro, dou a primeira tragada, con-templo a fumaça esvaecendo-se no ar.
Não se
pré-ocupe... Não há qualquer pressa... Aqui estou com todo o tempo do mundo.
Lá, tudo é
paz e rigor,
Luxo, beleza
e langor.
Imperfeito
absurdo... E eu que pensei na travessia de tantas pontes chegaria o instante em
que me espreguiçaria solto e leve numa rede no alpendre de minha residência.
Certezas, seguranças, bem-estar senti-os presentes, esbocei longos e
alvissareiros sorrisos, esvaecem-se hoje. Para mim guardam o encanto misterioso
e cruel desse olhar brilhando através do pranto.
Lá, tudo é
paz e rigor,
Luxo, beleza
e langor. Acordei, perguntando ao vento, à vaga, à maresia, à estrela, ao
pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo
que canta, a tudo que fala, a tudo que grita, rumina, a tudo que voa perguntei
que horas eram; e o vento, a vaga, a estrela, a maresia, a gaivota, o relógio
responderam: "É hora de embriagar-se de quimeras, drogar-se de utopias.
Mãos entrelaçadas que tecem a existência de amor e utopias..."
#RIODEJANEIRO#,
25 DE MARÇO DE 2019#
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