#VIRTUDES DA VIDA... DECLINANTE?... CRESCENTE?# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA SATÍRICA
EPÍGRAFE:
"Os
aristocratas têm como crença básica que o povo vulgar é mentiroso, dissimulado,
simulado..." (Manoel Ferreira Neto)
O erudito
também tem as doenças, achaques, pitis e defeitos de uma espécie não
aristocrática. Quem não os tem – infelizmente!, vale isto ressaltar com
exclamação, talvez até com outro símbolo que vá além da exclamação, assim
enfatizando mais a idéia -, não se mirou na superfície lisa do espelho,
ad-mirando-se tanto que a sensação outra não fora senão que outro fora colocado
nela, a imagem fora dis-torcida, de-pauperada; não teve cor-agem de encarar de
frente o homem que é, tenha-se tornado covarde, por absurdo que seja não vive
neste mundo, nem nas nuvens, nem no infinito, nem nasceu ainda, está sonhando
tornar-se carne e ossos, refestelando-se de por baixo de uma árvore qualquer do
paraíso celestial, bem distante da “árvore do fruto proibido”.
Doenças e defeitos
são a carne da vida, achaques e pitis, ossos, são todos as rugas da maturidade,
são as muxibas da velhice. Doenças e defeitos existirão, enquanto houver vida,
enquanto houver mundo, enquanto houver homem, achaques e pitis existirão,
enquanto houver sonhos e desejos não real-izados, enquanto houver vontades
frustradas, enquanto houver invejas e despeitos, diplomacias e hipocrisias.
Queira ou não é a verdade insofismável e perene, maior ainda que a morte, esta
não é a única que o homem não há duvidar, é o único paliativo verdadeiro e
eterno dos defeitos e doenças, o único alívio para os sofrimentos da inveja e
do despeito; com ela termina tudo, não sei se continuam além-túmulo, ninguém
dela re-tornou para dizer ser verdade continuam, se além-túmulo tudo são
virtudes e valores, prazeres e felicidades, êxtases e alegrias inomináveis.
O erudito,
imbuído de inveja mesquinha, despeito medíocre, como é de sua natureza e
condição, tem um olho de lince indescritível para detectar o lado fraco das
naturezas cuja altura não consegue atingir, assim se justifica, assim encontra
conforto, consolo, assim consegue prolongar a vida, assim morre por encontro
im-previsto. É confiado, mas apenas como alguém que se deixa levar pela
corrente, mas não fluir como uma corrente, como água que se deixa levar pelo
rio, com margem e muita lentidão. Poder-se-ia até incluir adágio mineiro que
serve como luva à questão, isto é, devagar é que se chega lá. Exatamente frente
ao homem da grande corrente, ele permanece frio e fechado, fica duro e
calculista, insensível e sorumbático. Seus olhos parecerão, então, um laço liso
e aborrecido no qual já não ondula qualquer entusiasmo, qualquer sim-patia, por
mais que a anti-patia e em-patia dêem-lhe adesão a outro futuro, diferente em
todos os níveis da história humana e da humanidade.
O pior e
mais perigoso de que é capaz um erudito, em que suas forças são e estão
concentradas, provém do instinto de mediocridade, mesquinharia, inerente à sua
espécie, laia, estirpe. É desse jesuitismo, fanatismo da mediocridade,
mesquinharia, que trabalha instintivamente para o aniquilamento do homem
vulgar, do aquilo, do populacho, povicho, e então quebrar, ou, noutra linguagem
e estilo, termos, palavras ad-versas, dis-tender todo o arco tenso. Evidentemente,
dis-tendê-lo com esmero, carinho, ternura, sem fazer doer, sem fazer sofrer,
dis-tender com carinhosa compaixão, com terna solidariedade, esta é a
verdadeira arte do jesuitismo, também do eruditismo mesquinho e medíocre, que
sempre soube apresentar-se como seita do espírito, credo da alma, religião do
samaritano divino e absoluto.
Vou fornecer
de graça, aproveitando que dormi profundamente esta noite, levantei tranqüilo,
sereno, dis-posto, minha concepção da modernidade, isto para não dizerem por aí
nas esquinas e alcovas que tive a hombridade de não falar das flores. Cada
época possui em sua parte de força também uma parte pela qual algumas virtudes
lhe são permitidas e outras lhe são vetadas. Ou possui as virtudes da vida
crescente: então, por razões profundas, resiste com todas as suas forças às
virtudes da vida declinante. Ou é ela própria vida declinante – tem então
necessidade das virtudes do declínio e detesta tudo o que se justifica apenas
pela plenitude, pela superabundância de forças. A moral aristocrática, a moral
dos senhores, tem suas raízes numa acepção triunfante do eu – é sua
auto-afirmação, auto-celebração da vida, tem necessidade de símbolos e práticas
sublimes, mas apenas “porque seu coração transborda”.
O homem
aristocrático separa de si os seres nos quais se manifestam sentimentos
contrários dos estados de alma elevados – por mais que tenha espremido os
miolos para entender esta aversão, asco, nojo que os aristocráticos têm das
almas elevadas, faltam-me re-cursos para lhe sorrir afetuosamente,
perscruto-lhe de esguelha. É orgulhoso, despreza-os. Desde já, saliente-se,
sublinhe-se, italicize-se, que nesta espécie de moral, a antinomia “bom” e
“mau” significa o mesmo que “nobre” e “desprezível”. Os aristocratas têm como
crença básica que o povo vulgar é mentiroso, dissimulado, simulado, os
políticos, de colarinho branco, divina oratória, são corruptos – ser político,
exercer esta arte com dignidade e honra é ser corrupto, isto é, há-de sê-lo
para ser autêntico -, os artistas de sensibilidade e visão são ameaças aos
valores e virtudes do espírito. Filosofia que dissimula a fórmula cuja força é
divinizar a quotidianidade, falar de toda racionalidade de toda realidade e
insinuar assim nos proscritos e hereges da cultura que ele também admira, sente
volúpia e paixão dos floreios complicados, mas, de antemão às revezes, julga
ser o único real e vê em sua realidade a medida de toda razão no mundo. O homem
aristocrático honra em si mesmo o poderoso, as capacidades supremas e sublimes,
como também o que tem poder sobre si próprio, que sabe falar e calar-se, que,
com prazer, é rigoroso e duro para consigo, e tem respeito por tudo que seja
duro e empedrado.
Um grande
futuro! Enquanto esta palavra me bate no ouvido, o sangue corre nas veias mais
rápido, o coração pulsa mais veloz, os nervos retesam-se, a carne treme, os
ossos trepidam, devolvo eu os olhos, ao longe, no horizonte misterioso e vago,
no uni-verso enigmático e vazio, no infinito sorumbático e ensombrecido. Uma
idéia expele outra, pensamento recusa outro, sonho refuta outro, uma vontade
negligencia outra, um olho manda o outro à m... Talvez naturalista, parnasiano,
literato, engenheiro, economista, arqueólogo, banqueiro, político, ou até bispo
– bispo que fosse por indicação do cônego da casa paroquial que não gosta, tem
nojo, asco, coceira do vulgo, - uma vez que fosse um cargo, preeminência,
grande reputação, título superior, posição do bem e do mal.
Na verdade,
o homem moderno se vê ao mesmo tempo transformado, pois, em nosso mundo de hoje
as coisas são tão necessariamente ligadas, intrincadas entre si que bastaria
arrancar um prego para que todo o edifício balançasse e desmoronasse. O amor
fraterno e a justiça reforçados num ponto se desenvolvem e se propagam segundo
a lei de sua necessidade interna, sem jamais retornar à imobilidade de seu
estado anterior de crisálida.
#RIODEJANEIRO#,
27 DE MARÇO DE 2019#
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