**QUÊ SINUCA DE BICO!** - Manoel Ferreira
A vida é o início da morte e a morte é o início da vida. Chamem isto de
jogo de palavras, de dialética, de antagonismo, de contradição, de paradoxo...
Chamo de despautério sem eira, beira, absurdo sem ad-jacências e contornos.
A coisa complica mais ainda. A morte é o fim de tudo. O que resta vai
para debaixo da terra decompor-se, tornar-se cinza. Tudo bem. Aí que começa o
"x" da questão: se levo a vida conforme o figurino do bem, depois da
morte, sou espírito, vou para o Éden curtir a mesmidade de suas maravilhas, se
transgrido o figurino, depois da morte, sou alma penada, vou para o Hades,
desfrutar da mesma chama do cadeirão. A morte não é o fim de tudo? Não deveria
haver isto de espírito, de alma, após ela. Fim de tudo.
Desde os primórdios, isto de morte: a mamãe tinha medo de morrer e me
deixar desvalido no útero. Não morreu, continua viva até o presente momento, e
eu o mais valido dos homens. A vida osso duro de roer, a morte um despautério.
Durante a estada na terra, no mundo, dividido entre o passado e o futuro, entre
as decisões e as consequências. Se decido que a morte é o fim de tudo, quando
morrer, a consequência. no inferno as mesmas chamas a arderem em baixo e eu
flanando em cima, se no éden, sentado debaixo de uma oliveira curtindo as
mesmas maravilhas.
Quê a mamãe amasse de paixão os prazeres da carne! Mas deveria ter usado
anticoncepcional, mas não se engravidasse de mim. Não me fizesse o mais valido
dos homens. Jamais soube o que fazer desta "validez" toda, esta minha
validez não tem prazo.
Cansei de roer o osso da vida, só fez gastar os meus dentes, não matou a
minha fome de entender o porquê depois da vida há o espírito ou a alma. Não
quero morrer e passar por esta divisão. Quero o fim insofismável e incólume de
tudo. Já consultei padres, cartomantes, sábios, pastores e todos me disseram
não haver solução para isto: depois da morte ou se é alma ou espírito. Quê
sinuca de bico me enfiei!
Talvez se a mamãe não tivesse tido tanto medo de morrer e me deixar
desvalido no útero, não teria me tornado este homem tão valido que sou, iria
para o inferno ou para o éden, tão somente. E agora a minha validade não tem
prazo.
Manoel Ferreira Neto.
(20 de fevereiro de 2016)
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