*VIA CRUCIS DO SENTIMENTO - REVISADO** - Manoel Ferreira
Caminho polêmico da apreensão do eu, do mundo, da vida, da ek-sistência,
do amor e das raízes.
A-nuncio a necessidade de in-ventar uni-versos, criar nuvens brancas no
in-finito, azuis nos horizontes, escuras para as bandas de confins, inspirar
nas flores da primavera os novos sentimentos da esperança, novos desejos e
vontades da fé. Dedico-me ao mundo, por vezes me esquecendo de que sou homem,
de que sou mortal, de que sou finito. Apresento-me como in-serção no tempo, em
meio aos re-flexos e às placas norteadores do ser, do ser dos poetas, do ser do
Ser do mundo, do ser do mundo no Ser. Aceito a in-completude, não concebo a
plen-itude, ad-mito a im-perfeição de todas as coisas da con-tingência,
con-sinto a efemeridade da vida. Exijo o retorno, re-clamo a volta, grito pelo
princípio de começar outra vez a trajetória que por ela desenvolvi os passos, embora
as tantas dificuldades, medos, hesitações, indecisões e in-certezas. Desejo
trans-cender.
Num enorme vazio, quiçá pudesse determinar-lhe a extensão, o tamanho com
que se me a-nunciou de dentro nas pré-fundas, eu, tão pequeno, menor ainda que
um grão de areia, assisto ao inter-minável confronto entre o silêncio e um
suave murmúrio.
Sem me pré-ocupar com cercos e muros, com arames farpados, porteiras e
cancelas, espalho-me por todo canto, por todo baldio de terrenos aqui e acolá,
quer entre risos, de felicidade ou insolência, quer entre pranto, de alegria ou
impertinência, insistindo em dominar o espaço. A música romântica e suave que
ouço, ad-vinda de algum lugar distante, é o silêncio que verte lágrimas
fervorosas, in-feliz por lhe não haver doado saber cantar, a lírica não estar
inscrita em versos e estrofes, ad-vinda dos interstícios do amor re-presentado
no ser, do Ser re-velado no amor.
Falam vozes e impera o silêncio do retorno. A eternidade não pré-ocupa:
cumpre a pena que sublima, a tinta que an-estesia, acalenta, o segredo da prece
que brada insistente no amor. A dis-plicência do tempo de decotes cinzas
auxilia o sereno na fácil tarefa para o que incita. É difícil perceber
in-significância sem economia de cor-agem, é difícil conceber cor-agem sem
economia de desejos e vontades trans-cend-[entes]. Nenhum olhar além dos versos
e estrofes do soneto, nenhum toque além das rimas que a fantasia e as
experiências criaram, nenhuma quimera, além dos sentimentos vividos, nenhuma
fantasia, além das dores e sofrimentos.
Gélido des-lumbramento da explicação omissa. Não é de mim que as línguas
são imperfeitas, para que o silêncio ek-sista, para que a semente dê luz ao
fruto delicioso ou proibido. A morte em Veneza deu ao belo a con-templação da
luz. Se os homens não entenderem palavras como serão as melodias do despertar?
Tolero o silêncio que anseia a luz do sol. Tudo são ondas (e ondes), que
levam e trazem o mar, na graça de quem é feliz. Tudo são ventos que espalham e
levam para bem distantes os grãos de areia do deserto.
Quero... a ciranda do abraço quente, do beijo, das mãos, dos olhos...
(Ah! dos olhos) da palavra sensata na sua insensatez, do sentimento digno na
sua indignidade, da emoção verdadeira em todas as suas in-verdades. Quero o
perdão de mim próprio por estar em silêncio com desejos de compor uma ópera,
por estar calado com desejos os mais voluptuosos de gritar palavras, sabidas ou
mesmo criadas, conhecidas ou mesmo re-criadas, servindo de almofadas quando
curtindo o olhar. Na imensidão do uni-verso trans-formo em verso o limite do
poema que festeja no ritmo da vontade a sensação do Ser.
Ser não é só ek-sistir... A luz pode mais que brilhar. Os raios de sol
podem mais que fazer o asfalto tremer. O orvalho da madrugada pode mais que
cobrir as folhas de suavidde e singeleza. Telhado me faz estranho, estrangeiro,
esquisito, palavras me trazem feliz.
Re-vejo o tempo, vislumbro as situações e circunstâncias, con-templo as
eks-periências e sonhos, que ponho no papel, re-corrência, re-petição, não
importa nada disso. Uma vírgula a penas aprisiona o sentimento, enjaula as
emoções, trancafia as utopias e sonhos, registrando à paga escorregadia do suor
molhando em lágrima ou assustado d´ébria gargalhada. A arte é obra do espírito,
projeto suprassumido no tempo.
Talvez por não ser cliente assíduo da Tabacaria, apenas comprar os vinte
companheiros que estarão presentes em minha vida ao longo do dia, não posso ser
nada, nunca ser nada. Não quero ser nada, quero viver, quero ek-sistir. E,
justamente por isso, tenho em mim grandes sonhos do mundo, traço em mim dentro
as esperanças latentes e manifestas de ser vida na Vida do Ser.
Rua acessível aos pensamentos. Irreal? Possivelmente irreal? Há
mistérios, sim, de por baixo das pedras e dos seres, e acima também, nas
arribas e confins, mistérios nas ad-jacências do in-finito, mistérios à soleira
da eternidade, nas bordas do espaço e do buraco negro. Há vida e a
possibilidade de tentar na estrada de quase tudo – certeira apenas a morte.
Sinto-me no mundo, no meio dos homens, escravo das ideologias e interesses
espúrios da modernidade, cercado de coisas e objetos, e nenhuma despedida. Não
antecipo... Nem desejo antecipar. Que resultados desejaria obter com a
antecipação? Que benefícios teria vontade de adquirir com ela? De que
adiantaria antecipar? Quando for o último minuto, será o último até seu fim...
Não rangem ossos, embora nem tudo seja fácil, tudo exige esforço, tudo
exige esperança, tudo exige fé, tudo exige as mãos para construir, edificar...,
enfim tudo exige o “espírito da vida”. Mas é belo, esplendoroso, magnífico.
Também estou perplexo, olhando as montanhas ao longe, mas inteiro à lealdade e
fidelidade que devo à floricultura na praça e ao jardim que em mim dentro
trago, nos interstícios de minha alma, nas pré-fundas de meu espírito.
Não, não preciso do gênio maligno para acreditar que nem tudo seja
sonho, utopia; crença(?) alguma, e não creio que falhei em tudo, não me
entreguei a tudo, tive medos e hesitações, e não me dei mal nisto, se me dei
bem, não o sei.
Tenho propósitos, tenho pro-jetos, ainda que não fixos, manejáveis com o
tempo. Levo a aprendizagem que me dera, o que aprendi ao longo das
eks-periências, dos passos nos caminhos do campo, com sacudidelas buscando
aprimorar as esperanças.
Tenho procurado por mim, por quem fui, por quem sou e serei, sem nenhuma
ousadia em fazer pré-visões. Gênio, sem pensar... Feliz demais para sê-lo. Nem
é mister a História marque o registro de mim. Nem é mister alguém, amigo ou
íntimo, guarde lembranças de mim em sua memória, estarei pré-enchendo lugar que
poderia ser ocupado por coisas muito mais importantes. Deixem-me descansar dos
desejos de Vida que sonhei.
Descubro os verbos que conjugo em movimento e re-conheço a ação
“pré-determinando” sentir (ainda que a distinção tenha se perdido) algo.
Não costumo fazer arte já que assumo a dialética da imaginação e do
real, a contradição do belo e da paixão. A forma se re-torce, con-torce,
re-versa e in-versa na disputa entre espaço e conteúdo. Falta, pois, alguma
liberdade. Também eu não posso dizer de mim mesmo, para não incorrer em pecado,
justamente à “hora do galo”. Busco alguma coisa que não distingo bem das que só
a-lumbro, des-lumbro, vis-lumbro, tornando ingrata a diferença entre o possível
e o provável ou, ainda, entre o sonho e o pensamento. Afora os olhos fechados,
ouço a música romântica que continua tocando ad-vinda de algum lugar distante,
continuo sentindo bem profundo a vida, rondo e desejo muito. Re-velaria os
segredos mais intrínsecos por uma rosa branca e uma xícara de chá da índia para
esquentar-me a alma. Tenho um espírito de fé que vai e volta... Rezo sem medo
e, ás vezes, propósito algum... Puro hábito de homem. Sonhei hoje que estava
cavoucando a terra e bati a enxada nalguma coisa, quando fui olhar de que se
tratava era uma imagem de Maria Santíssima, carregando o Menino Jesus, estava
muito suja, comecei de limpá-la, rindo de alegria e prazer, e Ela também ria,
caíram umas correntinhas que trazia no pescoço, apanhei-as e coloquei-as no
pescoço d´Ela. A única coisa de que me lembra no sonho. Mas, as visitas que
faço aos Livros confundem, embaralham as vistas.
Amar, contudo, (e com tudo) é árduo... Mesmo que eu deseje ficar
singelo.
Manoel Ferreira Neto.
(23 de fevereiro de 2016)
Comentários
Postar um comentário