//**ADJACÊNCIA DE ÁGUA MOLE - REVISADO**// - Manoel Ferreira
A perfeição maior é no emprego do zero – creio sim, nada há que me
persuada ou convence do contrário, não por ser “cabeça dura” ou insofismável,
que devido a esta perfeição criaram o zero à esquerda, o zero redondo, e o zero
obtuso, sendo este último de uso muito recente, usado somente em situações e
condições especiais. O valor do zero é, em si mesmo, nada; mas o ofício deste
sinal negativo é aumentar. Um 1 sozinho é 1, aqui e na terra-natal de
Shakespeare; ponha-lhe dois zeros, é 100. Assim, o que vale nada faz valer
muito, coisa que não fazem as letras dobradas, pois eu tanto aprovo com um c
como com dois cc, "accessível ao zero obtuso é o zero redondo",
"acessível ao zero redondo é o zero à esquerda".
Não há estudante que saia por todos os cantos da cidade se orgulhando de
sua nota numa disciplina tenha sido zero, dobrando o orgulho se em duas
disciplinas houverem sido zero as notas, nem mesmo entre seus colegas de
classe, os atrasados. Preferível 1 a zero, preferível 0,5 a zero. Zero é
vergonhoso, humilhante, ofensivo; motivo de galhofas várias de todos,
especialmente daqueles que só tiram dez, os famosos super dotados, gênios, de
inteligências incomuns. Zero é motivo de tristeza, angústias, lágrimas
pujantes; zero é razão de surra, castigo dos pais, estão gastando nota preta
com uniforme, material escolar, mensalidade, e o safado tirando zero, que
tirasse 2,0. E por quê? Porque o zero é testemunho de que o estudante não
obteve aproveitamento algum, não aprendeu coisa alguma das lições do digníssimo
professor, de que o aluno não tem inteligência, na gíria, um perfeito burro de
ângulo obtuso.
Feto, féretro... Feto silvestre de concepções abstratas. Féretro
campestre de trans-cendentes esperanças de diáfanas luzes elencando raios a se
projetarem no infinito do nada, re-colhendo e a-colhendo o "x" das
blagues à luz das odes;
Há-de vir de ontens no silêncio etéreo, à Maria Fernandes, trazendo à
superfície do efêmero as gotículas de neves resplandecendo luzes da amizade,
amor, as conjunturas do nada silvestre das estradas de lobos e corvos a
emeriedade sem qualquer sentido, a amizade, o amor, esperança, sonho são pedras
angulares da eternidade.
Há aqueles professores, chamados de “carrascos”, “linha dura”, que
apreciam, sentem tesões di-versas, inomináveis, êxtases e alegrias
indescritíveis de dar zero aos alunos, maior número de zeros na classe mais
êxtases e tesões. E por quê esta injustiça, desumanidade com os pobres alunos?
Para incentivar e reconhecer com primor o masoquismo deles? Por serem
perversos, sádicos? Nada disso. Para eles, o zero é prova de que são os ases do
conhecimento, os sábios, aqueles que sabem tudo, são os deuses. A nota baixa, o
zero alimentam-lhes o ego: são bons, sabem mesmo, são responsáveis com o
sistema de ensino. Está mais do que esclarecido e provado que grandes
conhecimentos não significam saber ensinar. Vá dizer isto a eles! Vêem logo com
aquela desculpa, justificativas esfarrapadas de que o aluno não estuda, não
quer saber de pegar na enxada, não prestam atenção na aula, não se interessam
em aprender, não participam, não estudam, a responsabilidade é dele, e não que
eles não sabem ensinar. E mesmo os professores que são mais humildes, simples,
reconhecem os limites do conhecimento, e sabem ensinar, estudam, fazem cursos
de especialização, diante de uma sala de aula se sentem importantes, dignos,
orgulhosos, e também adoram “cachaprar” notas baixas nas cadernetas e bolhetins
dos alunos. Por quê? São os alunos que nada sabem, estão na escola para
aprender – frente a quem não sabe, qualquer tiquinho de conhecimento se torna
conhecimento absoluto. No frigir das claras e gemas, é sempre o aluno que é
discriminado, sofre, leva a pior.
Fui privilegiado na minha vida, não por ser reconhecido como uma
inteligência incomum, mas por haver estudado em três das maiores instituições
de ensino da comunidade. Havia em todos eles o professor carrasco, se
titubeasse, pestanejasse, a nota baixa era inevitável, os alunos sofríamos nas
garras deles. Alguns sabiam muito, mas não sabiam ensinar. Vice-versa. Havia os
humanos, sensíveis, ternos, carinhosos, se achavam uma brecha ajudavam os
alunos carentes. Contudo, sentiam-se os deuses do conhecimento, ostentavam-se
com primor e engenhosidade o conhecimento, as suas importâncias sociais,
políticas, individuais, até de cidadania, por serem professores nestas
instituições. O nome, renome da escola outorgava-lhes o orgulho social,
cultural e intelectual. Vamos pingar os “ii”: ser culto não significa
necessariamente ser intelectual, a cultura é a acumulação de conhecimentos, a
intelectualidade é criação, renovação, inovação, invenção. No magistério,
muitas são as culturas, aliás imprescindível a cultura, pois que são
representantes do ensino, poucos intelectuais. Simplesmente porque repetem os
conhecimentos adquiridos das faculdades, universidades, nada criam. Um
intelectual tem de ser culto, mas ser culto não significa ser intelectual.
Então, numa destas instituições, o orgulho da raça e da estirpe
ultrapassava todos os limites do bom senso, eram mais que deuses, mais que
Deus, os espíritos mais que puros, faltavam os homens usarem sapatos de couro
alemão, de preferência pretos, terno de grife, bengala, chapéu de coco, barba,
cabelos cortados à moda classe, as mulheres de vestidos longos de grife,
cabelos de salão, maquiagem, sombrinhas francesas ou inglesas. Mesmo um
tupiniquim qualquer era capaz de reconhecer-lhes na rua, pelas posturas e
condutas, pelo rebolado das mulheres, das cabeças erguidas e peitos estufados
dos homens, serem professores desta instituição. Orgulhosos de galocha e
bengala. Ser aprovado com eles era saga de Sísifo, tarefa dele era pouca. Não
haja dúvida, o ensino era sério, responsável, grandes profissionais saíram de
lá. Demorou muito aparecer um grande diretor, tornando-se senão o maior um dos
maiores, que revolucionou o ensino, de um prédio chinfrim surgiu um prédio
suntuoso, de um ensino regular tornou-se ensino excelente. Mas houve também
quem acabou com tudo, por orgulho da raça e da estirpe.
Só numa destas instituições não considerei um grande professor, a quem
reconhecia seus conhecimentos. Naquela que os professores por lá lecionarem
sentiam-se os deuses, reconheci um, ensinou-me com primor a minha identidade, a
Língua, devo-lha, e todos que foram seus alunos dizem o mesmo: “Se eu hoje sei
um pouco de Português, aprendi com ele”. Era muito exigente, conhecedor de
latim, grego, dizia em suas aulas: “Se vocês souberem os prefixos e sufixos
latinos e gregos não precisam consultar dicionário”. Não era orgulhoso da raça
e da estirpe; tinha muitos problemas de alcoolismo, crises existenciais sérias.
Jamais fui bom aluno em Português, fui reprovado num ano com ele próprio, a
lição fora supimpa, repeti, mas aprendi a “última flor do Lácio, inculta e
bela”. E, na outra instituição, aprendi a tão divina e celestial Literatura.
Numa de nossas conversas bem recentes, dissera-me o seguinte: “uma de nossas
irmãs pedagogas, sempre que entrávamos em sala de aula, dizia-nos que
tomássemos cuidado para não destruirmos um talento”. Foram estes os meus dois grandes
professores, a quem sempre agradecerei cordial e espiritualmente os
ensinamentos.
Na instituição em que não reconheci nenhum grande professor, só
orgulhosos da raça e da estirpe, tirei zero bem redondo em Literatura. A
reprovação em Língua Portuguesa não me fora tão humilhante e ofensiva quanto o
zero naquela disciplina, fui objeto de escárnio dos colegas, de risinhos à
esquerda da professora, tive muita vergonha, por pouco não enfiei o corpo
inteiro no meu quarto, de lá não mais saindo pelo resto da vida, a mamãe é que
me forçava a ir à escola. Felizmente, só estudei lá um ano, pedi transferência,
a transferência valeu-me o conhecimento de Literatura.
Repito quantas vezes forem necessárias: não fui bom aluno, tive muitos
problemas com os professores, colegas, sofri todas as espécies e categorias de
preconceitos e discriminações. Por muito pouco perdia a esperança de realizar
os meus sonhos.
Há alguns anos soube de fonte fidedigna que os professores e alunos da
faculdade quando se dizia respeito aos nossos verdadeiros escritores viravam a
cara, as costas, desconversavam, não os valorizavam, não os reconheciam,
qualquer outro de qualquer lugar eram reconhecido menos os nossos. Descasquei
os pepinos em matéria publicada em jornal. Subiram nas tamancas, não sei como
não fui crucificado em praça pública.
Alguns leitores já manifestaram suas admirações por as escolas não darem
a mínima por minhas obras, nada comentarem com eles sobre este suplemento. Há
sim professores que já adquiriram esta obra, uma é aposentada, o outro é
professor de Química. Se a professora ainda estivesse na ativa, com efeito,
minhas obras seriam por ela estudadas; fosse o outro de Literatura, o mesmo.
Mas respondi aos leitores: “Os professores sempre me odiaram, sempre quiseram
ver o capeta menos eu. Isto porque já disse a todos os ventos e tornados que
nada me ensinaram, se aprendi foi por esforço e lutas próprias. Já cheguei a
dizer em sala de aula, na minha juventude, a uma professora que do modo que ela
ensinava Geografia até eu seria capaz. Não são de se assustar tais reações. Não
ligo para isto. Sou reconhecido por dois, e por dois que são realmente mestres
no que fazem e fizeram. Quer triunfo maior que este? Ademais, tenho o
reconhecimento de meus leitores, de não-leitores, e até de inimigos”.
Algumas vezes dirigi-me à instituição de ensino em cujo estabelecimento
tive o desprazer de tirar zero em Literatura para oferecer o meu suplemento,
mas sempre me receberam com muita indiferença, mas não desistia, até que
dissera a mim mesmo: “Não sou mendigo que bate na mesma porta para adquirir a
sua esmola”. Esta indiferença tem uma razão: ouvira uma conversa de uma
professora com a mãe de um aluno e num momento da conversa, dissera: “A senhora
traz a certidão de seu filho para mim incluir nos documentos”. Sendo por ela
atendido, dissera-lhe eu: “Mim só inclui em terra de índio, ou melhor, mim não
conjuga verbo”. Subiu nas tamancas, respondendo-me: “Veja bem quem você é”. Os
professores exigem que os alunos aprendam a Língua Portuguesa, mas são eles
mesmos que cometem os maiores disparates.
Por haverem alguns leitores se admirado com a indiferença do ensino com
as minhas obras, fui ao estabelecimento outra vez para oferecer o suplemento.
Desta vez, alguém, a quem não conheço, não sei qual é a sua função, creio ser
funcionária, pediu-me que esperasse as aulas terminarem. Seria atendido pela
professora. Sentei-me na poltrona da sala de recepção, pondo-me a re-ler
Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Terminadas as aulas, a professora se aproximou de mim. Cumprimentou-me
com muita finesse – não a conhecia, naquela linguagem e estilo chinfrins: nunca
vi mais gorda ou mais magra. Dissera-lhe que estava ali para oferecer o meu
suplemento. Não há outro modo senão expressar-me deste modo: quase caí duro e
fedendo, quando me dissera: “Você não me conhece. Já ouvi dizer de seu
suplemento. O interessante nisto é que você só tirava notas baixas em
Literatura em nosso estabelecimento, chegou a tirar zero, pedindo transferência
para outra escola, e agora é escritor reconhecido”. Não era de se espantar
tanto: enfim, a fama de péssimo aluno, de aluno problema, de aluno que rasga os
verbos na lata ficou e ficou para sempre, os professores sempre comentam, não
importam os anos passados. Então, quem saiu do nada, é mais observado e
comentado ainda. Mas o espanto se deu devido à finesse do cumprimento, seguido
de tais palavras.
Acontecesse isto comigo noutros tempos, as minhas palavras teriam sido
outras, por exemplo que a professora de quem fui aluno jamais soube por onde
anda a literatura, ou como iria eu tirar dez se ela não tinha conhecimento de
Literatura, não sabia ensinar, lecionava para comer o seu prato de feijão,
arroz com músculo. Mas a Literatura faz milagres tais que até Deus se admira.
As letras modificaram-me o humor, as posturas, as condutas. Na carreira, seja
qual for, o homem é obrigado a transformar-se com ela. Coloquei o caderno em
minha pasta, olhei-a de frente, dizendo-lhe: “A senhora certamente conhece
adágios. Há um por que sempre tive um carinho todo especial, tornou-se,
digamos, um lema em minha vida, sendo responsável por quem me tornei na
Literatura e na Língua Portuguesa. O adágio é o seguinte: “Água mole em pedra
dura tanto bate até que fura”. Eis aí o meu segredo”. Não o disse com arrogância,
ressentimento, tristeza, angústia, ódio ou raiva, agressivamente; respondi-lhe
com serenidade, tranqüilidade, calma, com extrema finesse. Pediu-me licença,
estava lisonjeada com o “oferecimento”, naquela ocasião não iria poder ficar
com o suplemento, talvez noutra ocasião, não poderia conversar mais tempo
comigo, porque estava com muita pressa.
Levantei-me. Dirigi-me à porta. À saída, olhara o prédio e dissera a mim
mesmo, quase em silêncio absoluto: “Nem sempre pau que nasce torto morre torto”
Perfeitos im-pretéritos de juízos varridos à luz de ventos soprando por
todo o prado, pampas as sorrelfas da condição ec-sistencial, de chutar com a
cabeça em resite nonadas de valores, de jogar com os joelhos genuflexados a
contradança do efêmero. Im-perfeita a blague do sublime que dispensa a chave de
ouro do cinsismo, entoa a matraca da língua, à mercê do vers-prosaico de trapo,
que esfola o sarcasmo, desejando o crepúsculo no ocaso do alvorecer, as
estutícias do quotidiano dos dogmas fáceis, encalacrados, qual faz o filhote do
caranguejo nas suas costas, medo da queda insofismável no absismo do fogo que
alastra nas adjacências da hipocrisia.
Em termos dos gestos e intenções a sabedoria do ridículo, não se lhe
re-colhe a a-colhe a imagem pura e cristalina dos pecados dos ossos. Blague de
subjuntivos im-pretéritos. O nada passeia na superfície do vulcão à espera das
larvas vindas do subterrêno das eras para alimentar o infinitivo das quimeras
do absoluto. Ainda dizia que felizmente a volúpia do nonsense origina a inércia
do tempo nas manifestações da continuidade do efêmero, ainda bem só possui uma
vida, alvorecer e ocaso do regaço de flores que fenece à luz das conveniências
dos caldeirões do inferno e as taças de vinho branco, cristais da náusea.
Barion Scaracmouche reviravolta na língua da ironia plácida os
excrementos das décadas e milênios.
Amanhã de foi o mais-que-perfeito do gerúndio das efemérides do
estar-no-mundo o pleonasmo do vicio de regar a solidão do espírito com o
silêncio do deserto, aconchegado do frio da noite, até dormindo de conchinha
com ele, blague do genesis, a última esperança do boêmio que emudece, ensurdece
o ouvido para escutar o soneto das vulgaridades.
E Barion Scaramouche leva as pernas, dança-as aos movimentos do
redemoinho da "roda-viva", ampliando o diário da loucura ás
efemérides das travessias isentas da verdade, sorrelfa do apocalipse do divino
que eleva, trans-eleva Deus às sarjetas do Absoluto, encalacrar e escrachar a
in-verdade à morte das defesas, o caranguejo morre encalacrado;
Blague ao Esboço. Esboço à blague. Blagues são realidades encontradas a
todo instante no permanecer-no-mundo, mas Barion Scaramouche dita no
travesseiro de capim meloso, dorme o sono do trigo que origina o pão da
posteridade
Amanhã de im-perfeitos pretéritos ao resto é silêncio das a-gonias...
Manoel Ferreira Neto.
(13 de fevereiro de 2016)
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