**CAFÉ DA MANHÃ** - Manoel Ferreira
Caríssimo amigo, Tássio do Bistrô
Recebendo esta missiva, estimo esteja degustando alegrias e prazeres,
muitas conquistas e glórias, desfrutando de boa saúde. Acuso o recebimento de
sua missiva, reclamando de minha ida a Serra dos Desvalidos, pedindo que na
primeira oportunidade vá. Está sentindo falta de ficarmos até altas horas da
madrugada, no seu bistrô, bebendo, comendo aquela porção deliciosa de carne de
sol com mandioca, conversa muitíssimo agradável. Sim, Tássio, assim que puder,
passarei um final de semana aí.
Brincando, a sério, mas sempre que digo: "É cada uma que me
acontece!", os amigos riem a nós cegos, dizendo a cada dia afio mais os
meus sentimentos de vítima; outros dizem: "Fique feliz. Se não lhe acontecessem
essas de cair o queixo, sua vida seria sobremodo monótona". Nada de ser
vítima, nada de a vida ser monótona com os acontecimentos.
Sofro horrores por não ter em mim dentro a tão famosa presença de
espírito; tivesse-a, as respostas seriam de se enfiar o rabo entre as pernas e
sair correndo por toda a eternidade. Mas não. Fico em silêncio sepulcral. Tenho
uma inveja enorme de Machado de Assis: tinha ele uma presença de espirito
fenomenal, mágica.
Sabe a rigor e critério que a universidade não cria gênios a não ser que
a pessoa seja gênio, assim aprimora, desenvolve a sua genialidade. Do mesmo
modo, estudar em universidade não significa que os seus conhecimentos serão de
admirar Sócrates. Muitos saem da universidade mais analfas do que quando
entraram e vão para o métier profissional colocar em prática os despautérios.
A minha Editora recebeu um e-mail endereçado a mim. Apresenta-se com
todas as pompas e dignidades, dizendo ser escritor, poeta, graduado em
Filosofia e Teologia, além de Comunicação, a profissão que exerceu por longos
anos, foi a jornalista. Nossa!... Que curriculum vitae "indecente":
quem dera eu! Toda essa apresentação pomposa foi para dizer que não entende
bulhufas do que escrevo, tudo muito confuso, muitos gatos pardos num saco de
"aninhagem" só, e gostaria muito de entender-me, compreender-me. Li,
reli o e-mail. Haveria algum coelho atrás deste mato? Milhões de aceitações da
obra, muitas críticas favoráveis, e diante de uma desfavorável colocamos os
nossos neurônios para funcionar. Somos sim loucos.
Respondi ao e-mail ao digníssimo senhor - ainda confessando ser viciado
em leitura -, sugerindo que entrasse no Google e lesse as muitas críticas
especializadas elaboradas por críticos, mestres em Literatura, especialistas.
Conhecendo as críticas, seria mais fácil o seu entendimento, seria a sua
lanterna de conhecimento. Era a única coisa que podia fazer. Lembrei ao
digníssimo senhor o "poetinha" Mário Quintana, quando disse que o
poeta não tem que se explicar. Desculpasse-me, mas não explico a minha obra,
acho isto muita pomposidade, aliás uma atitude ridícula sem limites.
Não sou quem não aceita críticas, aceito-as de bom grado, desde que
acrescentem, façam-me crescer e amadurecer, às outras viro as costas. Com uma
apresentação desta, apresentação de alto nível, e dizer que não entende o que
escrevo. Dizer não me entende é já negar todos os seus conhecimentos, tendo em
vista a sua formação de alta estirpe. Quando li a Crítica da Razão Pura e
Crítica da Razão Prática de Kant não compreendi bulhufas, mas entendi muita
coisa. Nada entender, nada compreender é exagero dos mais suntuosos. Mostrei ao
meu Editor o e-mail: "Está querendo aparecer às suas custas. A sua
resposta é o suficiente. Não dê trelas". O digníssimo senhor não contra-respondera
à sugestão de leitura das críticas especializadas.
E agora, Tássio, você vai dizer que meus sentimentos de vítima estão
aguçados? É cada uma neste mundo, não é verdade?
Bem, meu amigo, hora de acenar o adeus, até uma outra oportunidade.
Assim que puder, irei passar um final de semana aí em Serra dos Desvalidos.
Um grande abraço.
Heloy Mattoso de Campos.
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Manoel Ferreira Neto.
(16 de fevereiro de 2016)
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