**NONADAS DE UNI-VERSOS - REVISADO** - Manoel Ferreira
Sou a errância que contribui para fazer brotar a possibilidade de que
tenho o meio de desembaraçar-me de minha ec-sistência e que consiste em não
sucumbir ao extravio.
Sou composto de traços e passos, ensombrecidos cantos, recantos e
auroras. Sombrios sítios, crepúsculos, cavernas, madrugadas solitárias e
silenciosas, ouvindo o cantar do galo, buracos-de-tatu, crateras, abismos, sou
lembranças de sonhos perdidos nas curvas do tempo, sou recordações do raio de
luz, do sibilo de vento, do som dos trovões e relâmpagos, sou memórias de
instantes de prazer, momentos de dor com que apagam, na noite, a luz do abajour
que acendo. Sou obstinação, determinação, insistência, persistência, a lenha
que re-colho para colocar na lareira, a chama do fogo que rasga a escuridão, as
falésias do tesão que seduzem a libido do tempo e do ser.
Nonadas e travessias.
O ocaso do crepúsculo resplandece de penumbras, além horizontes
esplendem ínfimas luzes, finitos brilhos, nonadas de uni-versos perpassam
nuvens celestes, esvaecem-se suave e serenas na leveza do ar, renascem lívidas
e transparentes no movimento do tempo, e aliciam com o há-de vir da noite as
libertinagens e orgias dos desejos de perpetuarem as contingências da náusea do
efêmero e o vazio da eternidade.
Quiça, à soleira da porta de minha residência, sentado à pequeníssima
amurada da rampa, con-templando o entardecer e os seus fenômenos esteja
interpretando com as dimensões da alma esfomeada de substratos do viver,
vivenciar, experimentar o porvir das ilusões re-vestidas de sorrelfas nas
querências imaginárias do instante-limte em que pretéritos e presente ticiam o
sols do eterno-efêmero reduzido às pontes partidas da morte na alma, das
travessias da idade da razão, dos nonsenses de Sursis.
Sou quem, neste ocaso do crepúsculo, inventiga no trapézio o equilíbrio
entre as situações e as consequências do livre-arbítrio das idéias buscando a
harmonia com as contradições das circunstâncias dos desejos, à moda de
Schopenhauer, são para serem frustrados, Mas à luz de de Kierkegaard são húmus
para a eterna busca do pretérito do vazio que acende as chamas do
nada-príncipio-do-perpétuo.
Sou composto de marcas e cicatrizes; uma face e um símbolo, um rosto e
um signo, um semblante e uma metáfora, uma re-presentação da estesia da
esperança, uma imagem e uma perspectiva, a poeira das ruas de minha terra-natal
Na sola de meu sapato, minhas mãos postas ao céu, ao que trans-cende,
meu punho erguido, um murmúrio, um sussurro, um grito, um berro altissonante,
uma agonia, um desespero, um desconsolo, lágrimas que descem a face da
contingência.
Sou composto de estrume e de solo íngreme; sou rumores, sou gemidos, sou
suspiros, sou pés trilhando ruas e avenidas, sou pernas varando o tempo, sol na
cabeça, no rosto e cruz suja de terra, fardo colorido, destino branco e preto,
sina, saga, destino sem cores e brilhos. Sou a mão que leva à boca o copo de
bebida, bebo-a, olho circunspecto e introspectivo as con-tingências do presente
no quotidiano dos homens.
Sou o aqui-e-agora, o que há-de vir, à hora que se apresenta e se
esvaece, mas retorna com novas energias, forças à luz do verbo de quem sou, aos
raios numinosos do Espírito de Luz do ser de mim, em cujos interstícios desejo
solene o mergulho profundo, abismático à busca da miríade do infinitivo do
tempo, onde o silêncio solsticia a solidão, onde a solidão perscruta o deserto
de todas as contingências. Os raios de sol ardentes numinam nas estradas e
poeira a distância, mesmo que os horizontes de confins não re-colham e a-colham
os universos de arribas à soleira invisível, aos linces do olhar anunciar-se-á
alguma perspectiva de estrada com aclives e declives, sombras nas margens,
brumas ao longo do espaço em direção ao nada do efêmero eterno, a caminho do
eterno efêmero, vaizo de caos e nonadas.
Sou ouvidos de línguas estrangeiras, sou voz de olhares à espreita do
ser e tempo, ímpeto de lábios, sorrisos à mercê das coisas hilárias, esgares de
tristeza e angústia à revelia das dialéticas da vida e morte, pele, pensamentos,
poros, pelos...
Meiguices insolentes do inferno. Cruzo com o verbo de ser do não ser na
encruzilhada de quem me não sou, de quem me não represento, na bifurcação do
bem e do mal, na sorrelfa das desejâncias, o "it" do efêmero-nada, o
nada do efêmero-it, sendo a trans-literalização das palavras, versos e
estrofes, trans-elevadas à Anima do ser-de-esperanças, ao Animus do
ser-de-pretéritos à mercê da continuidade da liberdade.
Sou uma espera, fantasia, ilusão; sou um movimento, sonho, utopia, um pingo
de chuva, um raio de sol, uma lufada de vento, uma luz de relâmpago, brilho da
lua bolinando a escuridão da noite, cintilância das estrelas seduzindo o
universo; sou a mão que pinta de cores semivivas a tela de desejos; sou a
palavra registrando no dito e inter-dito o espírito da vida, sou a nudez de
corpo exposto às primeiras luzes da manhã; sou tear na madrugada fabricando
vida plena.
Sou capim do pasto e as ovelhas. Sou peixe e água de rios, córregos e
lagoas; sou espaço e a borboleta, sou horizonte e a águia.
Sou a idéia de uma coruja, pousada sobre uma galha de árvore, e quando
sou a idéia, sou a coruja.
Manoel Ferreira Neto.
(25 de fevereiro de 2016)
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