**TESTEMUNHO DE UMA IDENT-IDADE** - Manoel Ferreira
Quase em paz com o mundo, embora sem esperanças, nem sonhos, nem mesmo
tristeza, muito menos nostalgia e melancólia - querem-me por vezes nostálgico,
por vezes melancólico, não o sou; ninguém gosta de nostalgia, melancolia,
correm delas léguas, mas quando alguém garatuja alguns vernáculos eruditos na
folha de papel, identificam-se, os velhos tempos românticos jamais esquecidos e
nunca olvidados - apenas com o gosto de estar andando, só, ouvindo o barulho
dos autos, os pedacitos de conversas que ouço das pessoas com quem ombreio,
quase esquecido de respirar.
É verdade que o sol me arrancou brutal e agressivamente às hesitações,
incertezas, escrúpulos, o calor esta intenso; não aprecio nem um pouco, amo o
frio, sinto emoções outras; resplandecem a minha personalidade, arrebatamento e
a exaltação, dentre outras características que revelam alguém quem colocou sua
liberdade em questão, são em absoluto necessárias, posso não realizar as coisas
que desejo in totum, mas ficarão o espelho e as perpectivas.
Sob a minha pena tudo vibra, palpita, estremece; tudo flameja, até as
próprias estrelas e astros, então e a minha alma eleva-se à medida que este
fogo penetra em mim, deixando-lhe eu livre, perpasse por mim inteiro,
ilumine-me para arrancar de dentro de mim o que trago nas algibeiras e
alforjes. Com certeza, há instantes que sinto bem presente e forte uma
necessidade cada vez maior de explodir a bomba do tempo - bum, explodiu a bomba
do tempo! -, rasgar todos os verbos, sem colocar os advérbios entre vírgulas,
mas não encontro engenho e arte, a carência deles é imensa, crio, artifício com
a iluminação, mas chegará o instante que acontecerá; sinto-me insatisfeito,
sempre pronto a inovar, a ultrapassar-me e trabalho como um burro de carga,
apertando sempre a cela para nada cair ao chão, cinchadito no más com a
determinação de des-nudar-me, mostrar-me às avessas. Cabe-me a alma da vida,
levo-a com dignidade.
Só em face desta alucinante di-vergência entre quem fui eu, como fui eu,
é possível divisar os limites desde onde, posso sonhar a construção do meu
reino sobre a terra, este direito de sonhar a construção do reino sobre a
terra, é dever construí-lo, seja qual o reino na terra que os homens
construírem é gostoso deambular e perambular no lugar criado por eles. Só cuidando
do orgulho, este tudo destrói, o que era reino torna-se lamaçal. E é porque é
difícil estabelecer esta di-vergência, Ter a aparição de mim a mim próprio, que
os homens podem construir uma redenção com uma aparência de segurança que os
ilude e os escarnece, que eu possa artificiar as in-fin-itiv-idades do verbo de
mim, dos homens, de todos, mas a aparência é isenta de qualquer permanência,
não é nem espelho e nem perspectiva. Não construo e nem construirei algo sob a
efígie de redenção, sim sob a luz da liberdade do Eu, construir e ser
construída para a realização do prazer de estar-no-mundo, curtindo o que as
mãos fizeram.
Imagine, então, andando eu pelas alamedas, calçadas de ruas, algumas
pessoas e dizendo: "Estou precisando deste E, vou levá-lo", respondendo-lhe:
"Leve quantas letras forem de seu desejo. Não se esgotam". Isto
porque construí-me a mim artífice das letras. Para isto mesmo o Eu, construído,
tempo de semeá-lo pelas trilhas.
As letras sem sombra, as linhas nítidas e transparentes, o brilho do
estilo, de uma extraordinária intensidade, impõem-me uma leitura completamente
renovada da Vida, muito próxima, pela sua simplicidade, à dos alucinados e
pervertidos, alucinação e perversão fazem as batidas fortes do coração,
"bora" a entrega ainda mais plena. É na luz radiosa dos primeiros
dias de Primavera que descubro o sentido de meu novo rumo, o caminho a seguir
daí em diante.
O homem é tão efêmero que, mesmo onde está verdadeiramente seguro da sua
existência, no único lugar em que sua presença produz uma impressão real, ou
seja na melancolia, no coração daqueles que lhe são caros, mesmo aí deve
apagar-se e sumir o mais depressa possível!...
Manoel Ferreira Neto.
(27 de fevereiro de 2016)
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