ZELO ARREBATADO À CARNIÇA DIALÉCTICA GRAÇA FONTIS: ESCULTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO ****

ZELO ARREBATADO À CARNIÇA DIALÉCTICA
GRAÇA FONTIS: ESCULTURA

Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
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"O vento ermo no campo traz a inteligência no bolso." (Manoel Ferreira Neto)
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Idéia louca de ser lua cheia. Ou crescente. Ou não ser lua. Ou não ser nada. Apenas uma coisa de alguém. Que esquece em casa. Deixa na gaveta.
Esconda num canto que nem pode imaginar teria escondido, portanto não procurado. Junto com as camisas cheirosas. Sem ser dada ou tomada. Sem ser alugada ou emprestada. Basta que de vez em quando abra a gaveta. Olhe-me. De soslaio ou de banda. De modo algum. De algum modo amplie o devaneio da claridade nítida nula da mente destilando os sentidos das coisas inconcebíveis. Inconcebível tiara de diamantes brilhando as letras inscritas nas constelações: “aspirações renascem-se de si mesmas no transcorrer das paixões e necessidades de outros verbos a versarem o destino da língua...”
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Súbito, a frieza da solidão nos ossos. Na posse do apelo mudo. Na negligência da morte. No con-sentimento do surgir do nada, retornar ao nada, só se atinge a eternidade para trás, em cujas trilhas passos retrógrados foram dados. Plana, rica. Imunda. De modo que o próprio desequilíbrio teria esquecimento daí. Ocorre-me que recuperaria o rosto e a expressão de inocente hipocrisia, ingênua aparência, inocente farsa. Resgataria a face, fisionomia circunspecta, semblante entre introspectivo e sinistro. Se o impalpável brilho da areia esguinchasse o sono. Ansioso. Lamento. Clamor. A alternância egoísta reluz aos olhos extremunhados do peito. E ronda, no fim da noite, a estranha mão de fogo. Sonoridade de asas de pano. Entranhas chacoalham o vazio, chocalham o nada.
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Não poder tocar a alma sem perdê-la - próprio dos naturalistas desastrados. Nem tanto o devaneio, nem tanto o despautério. No entanto, tanto o desvario, tanto a delinqüência imersos. Gotículas de lágrimas vertidas não re-presentam idílios não cor-res-pondidos.
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Meto outro cigarro na boca. Palavras borbulham quentes. Debatem-se sobre tábuas ásperas. O móvel oscila um pouco. Enérgica distância do que há-de ser apagado em silêncios. Inútil, a incompreensão excitada. De ambíguas e profusas concepções de com-preender em silêncio silenciar sons, apreendidas visões linçadas à pinça das penas esvoejantes. Recosto-me no braço da poltrona, pernas esticadas, pés sobre o outro braço, fecho os olhos, deixo-me vagar, vagar, e às vagas da fluição e floração dos ideais deixo-me ir.
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Ilusões imergem.
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Desvario passageiro, entre as mãos, reduzido ao destino que precede mal ao pescoço que o puxa sempre mais para baixo. Esgares sem palavras. Recorrem com um zelo arrebatado à carniça dialética e à vontade dos carrascos, o mau cheiro das contradições e as volúpias dos algozes.
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O eco significa bastante. Indica que a humanidade se renega e os homens não podem sair nem atingir os limites, as limítrofes linhas entre o inconsciente e o consciente. O sussurro fornica todos os dons para cacarejar liberdades.
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Olho um papel amassado no chão. Estou bem só. Virado para o futuro. Não dou por mim que enxugo mal os sonos no ouvido. Enxergo mal ao longe. Miopia. Às portas das tabacarias, não sou nada, não quero ser nada. Atiro navalhas aos fingimentos. Se me sentisse apenas feliz até ao absurdo e aos viscosos; sinto-me a penas paixão indizível até às longínquas cancelas, correjo as perspectivas dos linces de visão de sonhos. Dúvidas. A descrença cobrir-me-ia de vergonha.
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O excesso do louco reside no meu prazer. O paradoxo do desvairado... inexistente. Mãos ecoam no movimento de dedos. Traço linhas gerais. Facas cortam o osso temporal. Espalham cinzas ao comprido de ausências. Impregnado entendimento de sonhos esgotados.
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Irrisórias in-verdades de instantes-limites do verbo de tempos pretéritos - angústias, tristezas, acompanhadas de insônia, medos, inseguranças do porvir. O que era sonho tornou-se pesadelo, originando desespero, era outro e nem imaginava, quaisquer noções inconcebíveis sob qualquer prisma. Ad-verso aos preceitos, dogmas, princípios. Andar solitário por entre os homens, sem os lenços quotidianos, triviais de con-sentimento das idéias, pensamentos, valores e virtudes mundanos, à busca de quê, desejando o quê, esperança em quê.
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Feto, aeiou. Feto, aeiou.
Feto. Féretro. Falta-me afeto. Falta-me alento. Faltam-me as idéias encadeadas, concatenadas. Falta-me redescobri-lo. Descentralizá-lo. Distribuí-lo. Entregá-lo.
Estou um feto. Molhado por dentro e por fora. De dentro para fora. Esse branco.
Esse sol.
Esse reflexo.
Esse eu.
Esse não-eu.
Misturo. Tudo. Faço nada. Sensação. Portão. Plutão.
E Platão degusta o sabor das idéias, à soleira da caverna é madrugada silenciosa.
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Este muro já devia ter caído. Todos caem. Esse entre nós. Entre eu e eu. Entre mim e o si-mesmo.
A noite cerra as pálpebras com um olhar morto. A interminável madrugada instaura-se – reconheço a sedução do pecado. Só e nu. Por dentro, o cancro da indiferença a comer-me. Sentar-me à beira da vida é o suicídio mais covarde, por manter a aparência de desejar existir, ser sensível. E por ironia do destino se me sentasse no degrau de uma escadaria para observar o panorama das vivências, seria desperdiçar muitos outros degraus a subir e com isso a sensibilidade de existir o desejo.
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Só... O manto verde e amarelo vem e corta-me pelo limite do grito. O sobretudo branco e azul some e resgata-me pelo absurdo da audição. O boné de lã de carneiro protege-me do sol. Arde-me no corpo a angústia do exílio, queima-me. No sangue, a vertigem. Ser inteiro na consciência. Igual a mim e tão abandonado. A serpente da tarde ergue-se, insanamente, do fosso.
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Ah, se pudesse ser, nas mãos, só o símbolo das dialécticas e do silêncio. O vento ermo no campo traz a inteligência no bolso.
Rio de Janeiro(RJ), 15 de maio de 2021, 17:08 p.m.

 

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