ÁDITO DA ENTRADA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO *****


      

Meu modo de agora, de instantânea dita, mais que equivocada, obtusa felícia, exagerando nas bordas e contornos, presenteia-me deleite indomesticável como se apanhasse um escol de esquiva formosura, brotada em loco inconsolável, ipsis litteris e verbis irrefregável, ao gosto da ventosidade, ao sabor dos chuvilhos. Meu estilo atual, de metafísicos dizeres, cujos sentidos são mixagens cínicas e sérias, a extensão da língua possa vislumbrá-los, senti-los presente nas suas vozes múltiplas, mas requer muito apanhá-los de chofre, doa-me um refestelamento indescritível como se colhesse uma erudição de adjacentes esplendores, ao saber de chuviscos, fumando um cachimbo debaixo de marquise numa noite carioca, as ondas revoltas do mar banhando a calçada, o asfalto da avenida, re-colhesse uma vulgaridade para cheirá-la até que cheire a mim. Minha linguagem atual, de suspeitas falas, lega-me verbos suspensos no tempo, e com eles vou tecendo sentimentos e ideias do que precedem a essência, a existência, viandante sem verbiagens. O sigilo, enquanto assim possa ser designado, conceituado, retém-me num gênero de extasio, numa vernissagem de caracteres de exultação, com todos os direitos de apresentar os pretéritos e os advires, sem contudo não olvidar o tal-aqui-agora é que deve ser endeusado, num isolamento entre os homens, num divórcio tão perfaço como o de um algar no meio da serrania, o cavaco fugindo do pau numa velocidade sem fronteiras, quer se roçagar na fuligem no portão da serralheria, sentir-lhe a ardência das chamas que moldavam o ferro, delineava a sua forma, tornar-se cinzas.

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O mundo me avalia esquivo, pérfido e adverso, errado, re-verso, in-verso, alheio, avesso, intransigente, prepotente, ovelha desgarrada(está no sangue andar sozinho por entre os homens), encrenqueiro. O meu, transcorrido, isolado e sombrio. O vindouro, uma melancolia tosca que incumbia delinear em formatos toldados.

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Ultrapasso o ádito da entrada, importando fé, canícula e júbilo, exportando náuseas, vazios e nada. O instante travo converte-se, imediatamente, num instante bem-aventurado, num momento de júbilo.

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A luz engolfa-se, condensa-se na borda fronteira do relógio - o mostrador escoa-se. No escuro, disco suspenso no nada. Caos. Som imerso no primitivo. Alucinante. Ritmos que não podem ser pensados, verbalizados.

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Ando a vagar. Ventos percebidos no espírito. Palpitação de asas sobrevive no mistério, enigma. Dilatado. Esquecido de mim. Olvidado de lembranças, visões. Logo, não além da eternidade, sim aquém da contingência, de quaisquer aquéns.  

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O universo imputa todo o seu progresso a sujeitos des-venturados. Os ditosos limitaram-se dentro de modelos clássicos, regressivos. Postam as mãos à terra, os pés ao céu, agradecendo a sublime inteligência e sensibilidade com que foram dotados. Os plebeus reduziram-se dentro de caracteres de grande pobreza, miséria, retardados, enfiam os pés na lama das ruelas e excomungam os instintos que os levaram a tamanha decadência. Possuo a intuição de que, daqui por defronte, a minha legação será cultivar sémenes de diferentes mastros, confeccionar vedações, e, quiçá mesmo no tempo propício, edificar um lar para distinta gênese, para a exímia origem e, numa locução, conciliar-me aos preceitos e às praxes pacatas da agremiação. Meu comedimento será mais pujante do que qualquer propensão titubeante da minha parte.

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Nesta hora tão repleta de receios e perplexidades, verifica-se o portento sem o qual toda existência humana é um vazio que projeta o sonho da multiplicidade de visão da língua, das labutas por instituir realizações que felicitem a garganta e os tons.

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A graça, que converte tudo real, divino e estético, descai sobre mim.

Rio de Janeiro(RJ), 12 de maio de 2021, 15:19 p.m.

 

 

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