LUCIDEZ SEM MEMÓRIA GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO ****


O sino da igreja badala. Meio-dia em ponto. Revisto-me, com olhar furtivo. Não entendo, compreendo o furtivo deste olhar. Sentimento de paz invade-me, antes não sentido, percebido, intuído. À noite, recolhido ao leito, deslizo-me por sombras, por caminhos de trevas.

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Águas entre mortais conhecidas. Somos para elas coisa estagnada, ficamos para aqui exilados, banidos, rechaçados, excomungados. Olho-as fascinado, olho-as sempre e uma interrogação milenar na minha garganta, por sempre vivo silêncio perpassando o ouvido. Imemoriais solidões deambulando perspectivas de vozes a pronunciarem as sedes de amores risíveis.

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Águas entre-cortadas. O milagre está em ti. Vivo, latente. Tu abristes os olhos num grande susto e deitastes fora a tristeza toda. Tu destrambelhastes a língua e lavastes as palavras miseráveis. Que proibição é não patentear o des-acorrentar o pretérito? Diante de ti pensava em fugir. Tu não me vias. Olho-te e sei que estás longe.

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O que a mim é havido - proximidade com a fluidez universal, liquidez contingente. Sensações. O que a mim é havido - silêncio dos sons presentes. O que a mim é havido - uni-versalidade do verbo trans-crito de regências de sin-estésicos sentimentos. O que a mim há - vida.

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O desespero enfraquecido. A angústia fracassada. A agonia frustrada. O que a mim é havido - linguagem separada, a língua reunida, o estilo desvairado de dores e angústias, sensibilizado de desejos e volúpias do ser e do espírito. A civilização abandonada a esperar o reencontro. O mundo des-facelado aspirando o espelho onde olhar a alma desolada. O que a mim é havido - ritmo alterável. (Imagem instável e desordenada do nada). Revelando a lucidez sem memória.

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Vou esgoelar. Confessar que o silêncio foi um incenso. Um enigma a par. Além das águas, vou criar nome. Aquém do silêncio, re-criar palavras a lavrarem invisíveis imagens. Asas do condor. Claridade. O que me foi - distanciamento da frieza. Loucura domina quem sou.

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O que a mim é havido - períodos in-subordinados ad-verbiais de lugar, temporais e causais, orações a priori de princípio, meio e fim pro-jectadas, quiçá, não me re-corda a mim, aos gerúndios do espaço, e sem vozes acusando o envio, re-colher-me na alcova insone e silenciosa.

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O que a mim é havido - estrelas da madrugada piscando, passos deixados ao longo das alamedas, o peito arfando de ilusões frívolas, indefiníveis. Tristes trópicos. Manhã submersa. Estrela polar. Alegria breve. Huis-clos.

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O que a mim é havido - cem anos de solidão. Por que clamar presenças? Flor dos trigais só dá no meio do trigo, aparece em diversas cores e formas. A presença carece de campo aberto para ser.

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O que a mim é havido - vitória-régia no jardim botânico de minhas carioquices, carioquéias, apesar de viver de quimeras, utopias, devaneios, desvarios, sei das águas que perpassam as pontes de travessias, de passagens, sei das sombras. É de me morrer delas, aquáticas as angústias e vazios os sons de chocarem-se com as docas. É a flor marítima que despetaladamente revela, através da sensibilidade a liberdade das utopias do vazio, o esplendor nascendo no som odorante da maresia da liberdade.

Rio de Janeiro(RJ), 09 de maio de 2021, 10:47 a.m.

 

 

 


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