#SAIA-FORA-DE-MIM-PEDRINHA-NO-RIM# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: CRÔNICA SATÍRICA ****


#SAIA-FORA-DE-MIM-PEDRINHA-NO-RIM#
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: CRÔNICA SATÍRICA
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Verdade mesmo. Se vos digo, vos digo com toda presteza, sem quaisquer trafulhas, sentir vergonha de mim próprio por tamanho de despautério não vou fazê-lo, não esconder de mim a minha verdade, isto é vossa compreensão, agradecendo a gentileza vossa em reconhecer. De mim, nada escondo.
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Há de endossar que pentelhos, pestinhas merecem castigo solene por suas atitudes que incomodam até em se tratando do indivíduo mais paciente, relevante, ninguém os suporta. Pois bem... Não só pessoas incomodam, há muitas cositas que fazem o mesmo, e fazem com empáfia, galhardia, sentem-se glorificadas, poderosas. A cosita a que me refiro é somente uma “pedrinha”. Em princípio, até considerei-a um pequeno tesouro – mesmo que considerar pedrinha um tesouro seja absurdo dos mais irrefregáveis, isto é coisinha de varrido de pedra. Não é? Uma pedrinha em mim, que dádiva exultante. Pedrinha no rim de mim, até rimando. Não pensava que me fosse incomodar. Deixei-a lá, sem qualquer preocupação, fique aí e se sinta confortável.
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Após algum tempo, nem me recordo quando o médico mencionara sobre a pedrinha em mim, e enfatizou não me preocupasse, ela própria se dissolveria. Pequeno incômodo. Foi aumentando, aumentando, pensei apenas que estava se desenvolvendo, desenvolvendo em mim a pedrinha do rim, como bebê que vai crescendo no útero da mamãe. Não dera a mínima. Aumentou muito. Dissera antes que a considerei em primeira instância um tesouro, tive por ela ternura e carinho. Agora a considero uma pedrinha sádica. Se ela dissesse alguma coisa a respeito desta mudança... diria: "Que mudança de sentimentos é esta?", poderia perguntar, pois que a distância do tesouro e do sadismo é muita, passar de tesouro a sádica.
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Sádico é aquele que sente prazer com a dor, o sofrimento do outro. Tesouro é coisa muito íntima, quem o sente sabe que é preciso sentir ser algo íntimo, doando-lhe ternura, carinho, afeição, amor. A distância dos sentidos é ampla . Mesmo porque acho impossível uma pessoa mudar tanto o seu psíquico, cachaprar com orgulho o sadismo ao que antes era tesouro, realizar esta passagem é somente para gênios. Mas estivera a lembrar-me de falas das pessoas, a Bíblia dizer que no apocalipse o mundo irá explodir, com a explosão do mundo dar-se-á o apocalipse; sabeis como é, sobre a Bíblia dizem inúmeras cosilhas sem qualquer sentido bíblico. Idéia supimpa então se manifestou: “vou explodir a pedrinha no rim de mim”. Voltaria ao médico para saber dele o que está acontecendo, a pedrinha no rim de mim está incomodando muito, uma pentelha, uma pestinha, uma verdadeira sádica, não larga o meu rim, pegou-me no rim que não larga, não dá trégua um só segundinho. O que ele iria sugerir? Precisar abrir a barriga para retirar a pedrinha, deixando cicatriz, quem pode faz cirurgia plástica, quem não pode, carregará a marca do corte por toda a vida, condenada à cicatriz, isto não existe mais. A ciência evoluiu bastante: agora se lhe explode, servindo de um dos recursos que ela oferece. Quem sabe nem isso fosse precisar, fosse suficiente tomar um medicamento “saia-fora-de-mim-pedrinha-no-rim”, em pouco tempo estaria livre dela.
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A caminho do consultório do médico, foram tantos os pensamentos, especialmente que ainda residia bem no íntimo de mim aquela pedrinha, havia em mim resquícios da ternura, carinho, amor, entrega, cáritas, mas também aquele sentimento de revolta, ódio, ojeriza, mágoa, urticária por me ter incomodado por tanto tempo, era muita ingratidão, por que fora tão sádica comigo, o que lhe fiz, dei-lhe ternura, carinho, amor, consideração, e é isto que mereço sofrimento, dor? Se houvesse ido ao médico antes, não teria sofrido, sentido tantas dores, mas não, deixei ir passando, passando. A medicina está evoluída, a pedrinha no rim de mim será explodida, talvez apenas retirada com o medicamento “saia-fora-de-mim-pedrinha-no-rim.”
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Esperara alguns minutos na sala de recepção para ser atendida pelo médico, e a sádica da pedrinha me incomodando, causando-me dores, sofrimentos insuportáveis, não, era demais uma coisa desta, como que uma pedrinha pode causar tanto sofrimento. Por mais sádica que seja, não irá levar-me ao delírio. Em pouco tempo, o médico diria o que fazer com esta sádica. Atendeu-me com toda educação, gentileza sui generis. Não teria de me preocupar, hoje as coisas são bem diferentes, não é preciso cortar, num vapt-vupt, adeus pedrinha no rim. Fiquei feliz, muito feliz. Então, iria usar o medicamento “saia-fora-de-mim-pedrinha-no-rim.” Nem tanto, deixei passar algum tempo além do limite, seria agora suficiente explodir a pedrinha-do-rim-meu. Marcara a cirurgia para segunda-feira da semana que vem. Então, teria de suportar a dor e sofrimento que a pedrinha estava causando em mim. Nem tanto o céu nem tanto o inferno. A medicina evoluiu bastante nos últimos tempos, não teria de sofrer, seria suficiente tomar o medicamento” “saia-fora-de-mim-sofrimento-de-pedrinha-no-rim” Tomando este medicamento, não será muito esperar por cinco dias. Usasse no tempo prescrito, de oito em oito horas, nem um segundo antes, nem um segundo depois. Aí é que me preocupou, não sei organizar o meu tempo para coisa alguma, completamente desorganizado. Há um pormenor que se deve sublinhar e ressaltar com eficiência, se passar um segundo, por exemplo, das onze horas, a sádica virá com tudo para o meu rim, sentirei muita dor. Não iria querer isto, se o fizesse, seria eu o sádico. Então, não haveria de me preocupar com o fato inconteste de seguir a critério a prescrição medica.
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Olha que coisinha mais linda
Mais cheia de graça
A pedrinha explodida
Passando em mim,
Deixando só risos no
No rim meu.
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Segunda-feira sem lero-lero estarei livre desta sádica. Se ela não fosse explodida, com efeito, pediria ao médico que a conservasse, iria guardar num cofrezinho a pedrinha que incomodou o meu rim por tanto tempo, sentindo saudadezinha dela, seria apenas abrir o cofre, tirá-la de dentro, colocar na palma da mão, admirá-la, mas que por ela senti carinho, amor, ternura, afeição, afeto, cáritas, amei-a de verdade. Será explodida. Não mais a verei, não mais a sentirei em mim.
Rio de Janeiro(RJ), 25 de maio de 2021, 11:41 a.m.

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