HISTÓRIA E MEMÓRIA VERSUS O MUNDO É O ESPETÁCULO GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: ENSAIO ****


HISTÓRIA E MEMÓRIA VERSUS O MUNDO É O ESPETÁCULO
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: ENSAIO
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Epígrafe:
“Se é verdade que sempre há mais de uma forma de interpretar um texto, não é verdade que todas as interpretações são iguais.”(Paul Ricoeur)
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O fio condutor da análise e interpretação do poema O Mundo é o Espetáculo, da pintora, escritora e crítica literária, Graça Fontis, anteriormente realizado, fora a partir da consciência e memória estabelecer o cerne da obra: diante de todos os valores e virtudes éticos adulterados, gerando o caos em todos os níveis da sociedade, a violência social, corrupções políticas, econômicas, a farsa, falsidade, hipocrisia dos homens, o mundo mostra a sua face podre, a poetisa patenteia a "revolução pessoal" dos homens, isto é, conscientizarem-se de seus valores perdidos no decorrer da História, saberem vitalizar as sombras e aproveitarem a luz, isto se dando com a idéia do futuro, lançarem-se a ele eivados de Sonho e Esperança.
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A intenção fundamental neste mini-ensaio é estabelecer uma visão da Memória e da História, o conhecimento desta visão, a consciência dela ser a pedra de toque para a libertação desta conjuntura caótica em que o mundo e os homens estão envolvidos, conhecimento abrindo as asas para a Esperança, a História abraçando a Esperança, esta transformando a podridão do mundo hodierno em novos princípios éticos, morais, novas visões dos valores e virtudes.
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Em seu pequeno tratado “Da memória e da reminiscência”, Aristóteles diz que a memória é “do passado”. Que sentido podemos estabelecer a essa simples preposição "de"? Uma recordação surge ao espírito sob a forma de uma imagem que, espontaneamente, se dá como signo de qualquer coisa diferente, com efeito ausente, mas que consideramos como tendo existido no passado. Expressando-me noutro ângulo: a imagem-recordação está presente no espírito como alguma coisa que já não está lá, mas esteve. O passado está, por assim dizer, presente na imagem como signo da sua ausência, mas trata-se de uma ausência que, não estando mais, é tida como tendo estado. Esse “tendo estado” é o que a memória se esforça por reencontrar. Ela reivindica a sua fidelidade a esse “tendo estado”.
Desde Platão e Aristóteles, falamos da memória não só em termos de presença/ausência, mas também em termos de lembrança, de rememoração, aquilo que chamavam ANAMNESIS. E quando essa busca termina, falamos de reconhecimento. É a Bergson que devemos o ter recolocado o reconhecimento no centro de toda a problemática da memória. Em relação ao difícil conceito da sobrevivência das imagens do passado, "Como estrelantes d'um novo palco
Novo cenário
Icônicos protagonizadores de outras paisagens futuras", luz que ilumina seja qual for a conjunção feita entre as noções de reconhecimento e de sobrevivência do passado, o reconhecimento, tomado como um dado fenomenológico, permanece, como na leitura do poema pensara, uma espécie de “pequeno milagre”, "Rogos à "verdadeira revolução pessoal", milagrosa", rogo, evocação que acabam de ser feitos do dever de memória: este pode ser igualmente expresso como um dever de não esquecer.
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A situação de conflito, de caos social, de perdição dos valores e virtudes individuais, não pode reduzir-se, limitar-se ao campo da história como ciência, reaparece ao nível dos nossos conflitos entre contemporâneos, ao nível das questões fortes, às vezes formuladas coletivamente, em prol de uma tradição memorial contra outras memórias tradicionais.
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A fronteira entre a memória, objeto de história, e a memória efetiva dos indivíduos e das comunidades – chamemos-lhes comunidades históricas – esboroa-se. A história está privada da “graça” do reconhecimento que dá à memória uma espécie de iluminação; essa ausência cria o seu mal-estar, mas não a condena; podemos apenas esperar das suas construções que elas sejam conduzidas como reconstruções segundo uma lógica de probabilidade, de possibilidade, "Encarnando-a, tanto quanto/Na essência e na aparência..." A “verdadeira revolução pessoal” seja conduzida como consciência do caos, da podridão do mundo, segundo uma esperança de libertação e o sonho de novos valores e virtudes pessoais, individuais, engastanhados ao percurso, decurso da História em sua continuidade.
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No poema de Graça Fontis, a Esperança se coloca em dois níveis: em primeira instância, a visão hodierna da podridão, do caos, e, olhando, a esperança da libertação; em segunda instância, no futuro, a esperança olhando para o passado, o caos, a podridão, mas já tecendo outros horizontes para a recuperação, resgaste dos valores e virtudes morais e éticos. A história engloba um horizonte de acontecimentos passados mais amplo do que a memória, cujo alcance é mais reduzido e pode parecer devorado pelo vasto campo do tempo histórico. O dever da memória é uma reivindicação, de uma história criminosa, feita pelas vítimas; a sua derradeira justificação é esse apelo à justiça que devemos às vítimas; no cerne do poema, justiça que devemos ao mundo, à humanidade. É aí que a incompreensão entre os advogados da memória e os adeptos do saber histórico atinge o seu auge, na medida em que a heterogeneidade das intenções é exacerbada: por um lado, o campo demasiado breve da memória face ao vasto horizonte do conhecimento histórico.
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Engendrado o reconhecimento da Memória e o conhecimento da História como consciência, o estabelecer de nova paisagem do mundo e dos homens, a reconstrução da Moral, Ética, da liberdade de reconstrução da Justiça, “Com todos os seus formosos encantos.”
Rio de Janeiro(RJ), 21 de maio de 2021, 10:46 a.m.

 

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