ESQUIVA PERFEIÇÃO GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA ***


ESQUIVA PERFEIÇÃO

GRAÇA FONTIS: PINTURA

Manoel Ferreira Neto: PROSA

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Quando um ato absolutamente arbitrário, gratuito, nonsense deslavado, provoca demoníaco eco, o homem se sente quase livre diante daquilo que seu grito provocou, o sentimento de liberdade esvoaça os vales em que as trevas mostraram-se indizíveis. A verdade eu mesmo não sei – ainda que o soubesse, acredito seria bem complexo e difícil descrever num alfabeto de sons comuns a todas as línguas e linguagens, a todos os povos e estilos -, talvez nunca saiba, pois já me afoguei em justificativas, mergulhei-me numa atmosfera de buscas e tentativas de explicar-me, e isto de algum modo transtorna as expectativas e intenções.

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Posicionando-me assim, não deveria desperdiçar um parágrafo à cata de esclarecer, de tornar límpida e transparente a ideia, mas num átimo de tempo veio-me uma espécie de pensamento que poderia aproveitar. O homem se sente quase livre diante daquilo que seu grito provocou por conservar no íntimo de si uma esperança e um desejo para a paz e tranquilidade de espírito, o que tanto pode ser uma perfeição como imperfeição, mas nem se lembra disto, desejava apenas ouvir o eco de seu ato demoníaco, de sua angústia e desespero.

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A cruz de um homem é esquecer-se de sua própria voz, aprendendo a assinalar e assimilar os sons em nível de as coisas irem se sucedendo livre e espontaneamente, e a ele só cabe assumir as novas possibilidades de silêncio e a entregar-se por inteiro à sua realização. É neste esquecer-se que acontece então o fato mais essencialmente humano, aquele que faz de um homem a humanidade: a voz própria adquire uma vastidão em que os outros homens cabem todos e onde se abrigam, são compreendidos e entendidos.

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Não sei o que estou pensando, nem o que gostava de pensar neste momento, nem busco sabê-lo. Creio que assimilei uma técnica desenvolvida por mim, aquando tomo da pena para dar continuidade ao desejo do espírito: escrevo sem pensar, seguindo o fluxo da consciência e a atitude da alma, e só espero o instante de terminar, aí vou saber se há sentido, se está de acordo com as minhas preferências e gostos. Por vezes, sim, por vezes, não. O que resta é continuar tentando, continuar observando a condição humana e desejando estabelecer o seu rosto e fisionomia..

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Creio haver necessitado de minha própria gentileza e finesse para não atravessar o silêncio com a própria ilusão, pois o silêncio em que eu me retrate sou eu, mas o silêncio vazio é que é o silêncio vivo. Só alguém muito fino pode entrar no silêncio vazio onde há um pensamento vazio, e com tal leveza, com tal ausência de si, que a paixão não marca, seguir estabelecendo e construindo a perfeição esquiva.

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Suntuoso!... Declaro que me incomoda sobremodo escrever nesta dimensão do espírito, buscando atingir a sensibilidade pura, transparece um desejo que não será de todo realizado, ficando agarrado na garganta o entrave da impossibilidade, e, além disso, a angústia no tempo sem limites e fronteiras, a tristeza de jamais me ser dado o que mais espero e desejo: definir-me vez por todas.

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Pondero estas considerações, aplicando nelas um juízo e análise com estas atitudes de escrever sem pensar os sons comuns ao alfabeto das necessidades e vocações do homem, com certeza decorosas e humanas a respeito da condição humana, das esquisitices e imbecilidades de todos nós em se referindo ao hábito de olhar o mundo desejando assimilar a sua continuidade, a sua perfeição.

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Com destreza de observação, são olhares frios e severos, desnudados de qualquer consideração e mínima pena. Na juventude, no mais tardar no princípio da maturidade, há até certa graça em contemplar e vislumbrar a perfeição, empreender-se de corpo e alma à sua execução. Se, contudo, nestes olhares podem favorecer o impulso inevitável a qualquer homem a sua disponibilidade de refazer-se e a possibilidade de transformar sua realidade, por que não me beneficiar com a contemplação do silêncio e do vazio, indivíduo imperfeito e maculado que sou.? E por esta razão solene é que se torna possível as investigações profusas.

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De fato, o mais louvado de todos os humanos foi ditoso nas coisas temporais, enquanto outros, os mais desditosos, detestados, viveram ensimesmados pela volúpia e inveja, e se viram vencidos nos dramas e conflitos, nas culpas e remorsos que a matulice acendeu na alma.

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Não apenas que fique nítido, público e notório então para mim, o totalmente indiferente e ilusório do ideal e do sonho, mas vejo sobretudo como até o mais interessado dos homens não considere o ideal como coisa principal, como aquilo que irá tornar possível ao menos vislumbrar nas serras e montanhas um campo a ser percorrido e que será o porto de chegada e de estabelecimento.

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Acredito sim que desperdicei a juventude em pensamentos e sonhos impossíveis, de alcançar um nível de perfeição invejável a todos os homens; acreditei que o alfabeto de sons comuns, se trabalhados e delineados ao longo das experiências, proporcionar-me-ia uma vida, se não realizada de todo, ao menos nela houvesse um caminho para a perfeição e sublimidade. Há coisas que só se aprende com o tempo e as experiências: este alfabeto de sons comuns para mim tem o valor de um mergulho na busca de conhecimento e de realizações, sejam mínimos ou máximos, o importante é que me entreguei a ele, dando-lhe engenhosidade e arte.

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Não tenho intenções de uma revolta ou rebeldia, mas há quando me pergunto porque não nascemos com a perfeição e sublimidade, uma única experiência nos despertássemos para elas, pondo-nos de imediato à sua execução, para nalgum tempo de nossas vidas sentirmos plenamente realizados.

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Antes, não sei se por necessidade de dar prosseguimento ao que estava tentando delinear no espírito, mas me referi aos sonhos da juventude como vazios e indecorosos, mas a verdade é que não foram propriamente sonhos, e sim quimeras de um indivíduo que não havia inda acordado para o inusitado das revelações espirituais, e só hoje posso realmente sentir que são sonhos, são utopias no ápice das serras e montanhas, a mil e trezentos metros acima do nível do mar.

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Antes e melhor ser nesta eterna idade em que me encontro com as utopias no ápice das serras e montanhas, que mais tarde num campo coberto de plantas herbáceas que servem para pastagem, abandonado e solitário aos rigores das variações das condições atmosféricas (temperatura, chuvas, ventos, umidade).

Rio de Janeiro(RJ), 22 de maio de 2021, 00:49 a.m.

 

 

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