*L´ÊTRE ET LE NÉANT🌘** GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA ***


*L´ÊTRE ET LE NÉANT🌘**

GRAÇA FONTIS: PINTURA

Manoel Ferreira Neto: PROSA

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A morte não é um mal, não é bem, a morte não é um fim, não é começo, a morte é a morte, nada mais além ou aquém disso – creio ser esse o caminho a ser percorrido, por onde começar de re-fletir e meditar, pensar e re-pensar, em última palavra, con-templar o problema da morte, no sentido de con-vivência com ela, observá-la à luz dos olhos do espírito, ao lince do espírito de olhar, à mercê de dimensões espirituais, coisa que não me é possível, não significando dizer assim me sinta mais tranquilo e sereno para falar dela, a espontaneidade se manifestará simples, a liberdade de compreensão e entendimento se mostrará, re-velar-se-á destituída das angústias inerentes ao pensamento, idéias, sentimentos da morte, de qualquer modo é difícil e bastante doloroso, sou humano e o desconhecido me apavora, desconcerta-me, deixa-me frágil e fraco, dizendo-me em silêncio: “Ainda que o desconhecido ec-siste, apavora-me, não ousarei enfiar as mãos pelos pés”, noutras palavras, não trocarei de mão as cartas que não me servem para o jogo do início e do fim, deixa-me com os espartilhos ec-sistenciais nas mãos, os fraques de por baixo dos pés, tanto que, às vezes, sinto-me sobremodo patético, devido ao estilo e linguagem como se me apresenta, e tenho de encontrar nas palavras que se me a-nunciam o espírito e alma que ante-cedem os questionamentos, dúvidas, inseguranças, para assim ser-me possível o mergulho profundo ou o vôo, também profundo, nas tábuas escritas pela eternidade na memória dos verbos e do ser, até mesmo na das quimeras e sorrelfas que acompanham a vida que é desejo, vontade e razão -, porque enquanto estou vivo ainda a não senti, e depois de morrer já a não sinto em todas e quaisquer dimensões sensíveis, espirituais, corporais – há lá raciocínio mais perfeito, mais bem elaborado com os sentimentos que me habitam, questionamentos e dúvidas perpassando-me as dimensões da vida, pensando no último fracasso do homem, isto é, a morte?

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Ao aviso do limite é irresistível des-cobrir que os horizontes se sucedem aos horizontes, que se um horizonte ainda pode legitimar o espaço para atingi-lo, outro horizonte se abrirá depois desse e o há-de negar, e outro ainda depois até ao “silêncio insondável” – interessante é que a esse silêncio insondável dei o nome numa primavera de outrora, há uma década, de “silêncio sublime”, começando de buscá-lo em mim, nas situações e circunstâncias. A coragem que opunha à idéia da morte se dissolve discretamente diante da certeza de que já nada pode iludir e que a resignação final ainda não absorveu. Na intimidade de mim, onde a coragem de pouco serve, porque não há um público a exigi-la, ou a ad-mirá-la, as próprias certezas que ainda o sejam se enfraquecem no combate contra essa certeza final, irreversível.

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Sou homem mortal, a mortalidade habita-me queira ou não, aceite ou não, ad-mita ou não, con-sinta ou não, vou para o inferno, vou para o paraíso celestial, não vou para lugar algum, inferno e paraíso celestial não são lugares físicos, os homens conceberam e criaram esta quimera, fantasia, só Deus mesmo sabendo a razão, Ele tudo sabe, que tudo compreende e entende, que abre outras pers da pectiva para a esperança da fé que faz a travessia das arribas aos confins da psique aos sonhos de utopias re-versas e in-versas do AMOR E PLEN-ITUDE, talvez para se sentirem seguros com o desconhecido, aliás dizer e pensar assim mostra bem ser tremenda e ridícula oratória, se é coisa por que tenho verdadeira ojeriza é oratória, nela as hipocrisias e farsas estão sempre presentes, as diplomacias dos interesses e ideologias fluem espontaneamente – disseram-me que, com o hiper-modernismo, as ideologias caíram todas, isso é ir muito longe nas utopias - estão mais inscritas que as Letras dos Cânticos Bíblicos, desde o Gênesis ao Apocalipse. Não adianta contestar, angustiar, desesperar, nasci para morrer, morrerei para viver eternamente, e isso só será possível a partir do instante que deixar reflexões e meditações para o encontro da vida, assim é com todas as criaturas, do reino animal, do reino humano, assim Deus quis, desejou, escreveu nas Suas tábuas sagradas, assim será consumado, minha hora chegará.

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Absurdo da finitude,

Alarme do entardecer,

Crepúsculo do fim de um tempo,

Princípio de outro no além,

É aí que tem a raiz,

A razão de ser;

Subjaz na origem

A consciência embaraçada,

No súbito alarme intraduzível,

Inexplicável da relação com a morte,

Busca surpresa que me trava a respiração,

Arrepia-me,

Na iluminação ou aparição

Da morte que mal me afeta,

Se vivo distraído,

No mundo da lua,

Que mal me diz respeito,

Se a intenção é a

Plen-itude de todas as coisas

Que me habitam

Profundo.

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O “eu” é o sujeito que pensa, que age, que sente. É um “eu” imediato tão nítido, tão indiferente, que é quase uma coisa entre as coisas. Um ato mental opera-se como que por si, como exterior àquele que o tornou realidade. O “eu” mental não existe senão como o meio, o lugar diáfano em toda a vida intelectual acontece. Atentos a essa vida, olhamo-la a acontecer sem um instante reparemos que olhamos, que observamos mesmo de esguelha, provido e eivado de indiferenças inestimáveis. Puros espectadores, o que nos ec-siste é o espetáculo e não aquele de nós que ao espetáculo assiste. Presos à verdade que em nós se revela, não pensamos no “eu” onde ela se revela. Nem mesmo quando não atentamos na luz que atravessa a vidraça e pensamos como é que ela a atravessa, nem mesmo então refletimos sobre o que é isso que é atravessado.

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A minha morte não é imaginável, apesar de que em várias ocasiões re-presento imaginariamente o meu cadáver no esquife, aos olhos de todos os amigos, íntimos, seguindo-lhe até à sepultura, os possíveis comentários, as dores e sofrimentos que experimentarão, as lágrimas que serão vertidas pelo meu passamento, mas como todos sabem que não gostaria dessa última manifestação, isto é, alguma fala de alguém no momento da descida do esquife na sepultura, não imagino isso, porque é inimaginável não poder pensar “eu”, ou seja, a própria evidência de estar vivo e de ec-sistir através de mim tudo o que existe. Não posso imaginar-me morto, porque para o imaginar tenho de me pensar vivo a imaginá-lo. A evidência de eu ser bloqueia-me de todo o lado e não posso sair dela. Estou centrado em mim e para me descentrar tenho de me centrar noutro lado para me ver.

#RIODEJANEIRO(RJ), 14 DE MAIO DE 2020, 13:10 a.m.#

 

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