#MISTÉRIOS QUE NÃO SE ENTREGAM# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA ***
Era um
espaço sem limite, sem contorno, sem cor. Era um espaço!...
Por cima
iniciava-se uma claridade, subindo espalhada ao estilo de aurora, diria a
polar, acaso pensara na estrela - pensamentos embrulhados em idéias passam,
repassam, tornam a passar en passant, como reconhecer o que pensara? -, o que
auxiliou sobremodo por me indicar bem o que perpassa a alma, uma luz difusa,
constituída de faixas e arcos brilhantes e colorida, que se observa quase
exclusivamente em altas latitudes geográficas, e é produzida por corpúsculos
emitidos pelo Sol.
***
A
claridade, subindo espalhada ao estilo de aurora – enfatizo isto, logo de
início, e se me questionar o porquê de fazê-lo, a resposta bem simples é, outra
não sendo senão que não sei; talvez por me haver preocupado com o que antes
houvera imaginado, ou intuído deveria dizer, sendo necessário descrever em
poucas palavras o que perpassa a alma, - cada vez mais branca, mais luzente, e
mais radiante, até que resplandece fulgor tão sublime na luz um sol cintilante
seria...
***
Pergunto-me
assim angustiado, deprimido, melancólico, nostálgico, triste, quem sabe todos
estes estados de alma reunidos, nem a olho de lince possíveis de distinção,
definição, o por quê só nas palavras pudesse reconhecer a mim, sentir no peito
amor por não sei o que mais senão pelos homens, pela humanidade... Por que só
através das palavras iria reconhecer o para quê venho existir neste mundo para
o que der e vier, longe disto o para quê venho, apenas, solitário, exilado, um
nômade?
***
Ah, iria
já soltar uma comparação das mais chinfrins só para não pensar, imaginar,
espremer os miolos na tentativa de compreender e entender estes minutos longos
que não passam, numa tarde de domingo, a luz acesa nas minhas costas, a sombra
do rosto refletida na parede debaixo da mesa, cada vez mais baça, mais fusca,
mais cinzenta.
***
Além, a
neblina coroa uma serra com um radiante nimbo de santidade. Até dizem que se
seguir a neblina, vista do lado de cá das serras, irá encontrar o rio que leva
as águas. No percurso da neblina, o rio segue sem margem, sem pressa. E é essa
a imagem que aprendi, não sem esforços, lutas, sofrimentos, com muito deles, a
contemplar, a imagem que possa dizer algo de mim, do que sou, de que represento
neste mundo em que vim habitar, vim buscar o Ser que se faz continuamente, e a
continuidade é também o Ser.
***
E o mar,
nos confins do mundo? O que dizer neste instante em que intuo a ideia expressa
nos verbos? O mar, nos confins do mundo, faiscando, tudo encerra como uma tiara
de ouro.
***
Neste
espaço fecundo toda a Criação se espana, com a força, graça, rebeldia viva de
uma mocidade de alguns dias, diria apenas cinco – não sei porque seria apenas
cinco, porque escolhi este número, podendo acrescentar dois a mais, sendo sete,
e este número se contemplado na dimensão da espiritualidade milenar e secular
muito tem a dizer e a revelar, até que... ninguém nunca completou as
reticências, não sou quem iria fazê-lo com categoria, a muito custo e esforço
em nível vulgar e chinfrim, deixo nas entrelinhas, quem sabe além delas, nas
linhas – ainda quente das mãos de seu Criador.
***
Para
além, sem limite, sem contorno, fundidas nas neblinas, fogem descampadas
solidões, de onde rola um vento lento e úmido, deixando um tremelique por todo
o corpo. Chovera não faz muito, começara pelo fim da tarde, terminando pela
madrugada – lembra-me quando cessara, as quatro e vinte e cinco da manhã,
encontrava-me na cozinha tomando cafezinho para acender mais um cigarro,
estando eu sentado, aquele frequentemente sentado à cadeira de balanço, olhando
a tela do computador, desejando idéia e intuição que me fizessem sentir os ares
além destes que respiro a todo instante...
***
A aurora
desponta, com ardente pompa, comunicando à terra alegre, à terra corajosamente
em paz, à terra sem andrajos, à terra sem sepulturas, uma felicidade superior acompanhada
de alegria ainda mais divina, mais grave, religiosa e nupcial.
***
Creio que
em primeva instância esteja percebendo o universo, intuindo a existência de
mistérios que não se entregam, ao contrário, pedem a entrega, a contemplação.
Seria apenas um ou alguns? O mistério insinua-se, convoca. É e está. A música
que ouço também pede a entrega, a contemplação, ritmo à lá Shangrilá, oriental,
lembrando-me a doutrina do monge Thich Nhat Hahn. Sinto-me pequeno, muito
pequeno, muito mais do que ousei imaginar.
***
Acaso
poderia dizer com categoria, arte e engenhosidade o que ousei imaginar, isto
pensando que fora pequeno, muito pequeno, sentia-me pequeno, muito pequeno,
poderia, ao menos, traçar uma imagem difusa, perdida em alguma aurora polar, e
a estrela de mesmo nome seguindo-a viva, forte...
***
Não o
sei. Aliás, se me pus a explicar neste estilo e linguagem é que mesmo com
esforço além das possibilidades não poderia responder, por isso busco a palavra
certa, aquela que não resta a ninguém qualquer dúvida de que fora colocada no
seu lugar, expressou o que o espírito ainda só intuía em sua dimensão ainda
mais transcendente...
***
Ah, este
sentimento forte!... Quanta vez o desejei assim, vivo, forte, e jamais o
alcançara, e nos olhos o brilho da tristeza e da ausência de felicidade! Será
poesia pura? Será prosa identificando os elementos da poesia, o que me vai
dentro que transformo, modelo? De que preciso? Tema? Rima? Métrica? Ritmo?
Figuras? Imagens? Verbos? Luzes?
***
Silêncios?
Onde está a palavra que necessito usar, registrar neste momento para que seja a
poesia pura que tanto anseio por registrar e que me modifique, vire-me pelo
avesso? Se não vira o homem pelo avesso, não possui qualquer sentido.
***
Toda a
luz e toda a sombra, desde o Paraíso fulgente ao Purgatório crepuscular, se
contraem num recolhimento de inexprimível amor e terror. Aqui e além, muito
solitário, muito silencioso, com uma vida toda por se anunciar, apenas
surdamente revelada por verbos e luzes que se revelam aos olhos que buscam
incansavelmente os mares resplandecentes, todas as aves voando pelos ares
aclarados, todos os animais pastando sobre as colinas viçosas, e os regatos
regando, e o fogo armazenado no seio da pedra, e o cristal, e o ônix, e o
diamante muito esplendoroso das terras refletindo nas calçadas, paredes das
casas importantes e esquecidas no tempo, daqui a algum tempo nada mais sobrará
delas, senão o espaço vazio, quem sabe completando o cenário de algo
esplendoroso que fora esquecido nas curvas de interesses e vontades
particulares, tornando-se ainda mais belo e resplandecente.
#RIO DE
JANEIRO(RJ), 13 DE JUNHO DE 2020, 07:44 a.m.#
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