#NA PAUSA DA NOITE VOZES# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto/GRAÇA FONTIS: PROSA ***
Seria
possível guardar as vozes todas ouvidas na pausa da noite? Guardadas, após
tempos de solidão e exílio, o que captar e a-colher no interdito que
expressasse visões e saberes diferentes?
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A
princípio o mundo parece deserto como se tudo houvesse esvaecido num abrir e
fechar de olhos. E por que não ouvir vozes? O mundo esvaeceu-se? Não
esvaeceria. Sou quem assim fantasio - que loucura esta de esvaecer o mundo para
ouvir os sons produzidos pelo homem?!... Perdi-me em mim, quiçá pudesse dizer:
"Fez-se deserto em mim!..." Nem imaginariamente este deserto se faz
presente, não estou desértico.
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O homem
permanece vivo sem o mundo? O mundo existe porque existe o homem, assim dizem
os doutos. Impossível!... Acreditar nisto é despautério, nonsense de descabelar-me,
a calvície seria incômodo indevassável.
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Ouço os
ossos do corpo rangerem, refluirem. Sinto ser noite no vento, sinto que é noite
não porque a sombra desça, a treva estabeleça-se, mas porque bem no fundo de
mim, nos interstícios das prefundas, gritos antigos silenciaram-se, murmúrios
breves ecoaram-se, sarapalharam-se. Sinto que é noite no tronco de árvore
dentro de uma valeta no meio da rua. Saber que ainda há bosques, a terra
continua girando, o tempo não murchou como a rosa branca no canteiro do jardim,
embora todos os esforços do jardineiro para que ela sobrevivesse ao dia.
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Torno-me
humano, ó noite. Torno-me compassivo e solícito. Guardar as vozes ouvidas, na
vossa pausa, imagino ser o modo de demonstrar o humano em que me tornei.
Negligencio a essência do que é reconhecido e venerado, renego a força dos
impulsos no reconhecimento, na veneração, e no geral, entendo a atividade da
razão como in totum livre, que surge de si própria. Uma coisa é fundamental: o
ser humano encontre a sua satisfação consigo próprio. Por mim, acredito que não
me é dado fazê-lo, as inquietudes dos pretéritos deixados à revelia não
con-sentem, não permitem, isto sem colocar em cena as esperanças sei-as serem
devaneios, o sonho de ouvir-me sendo, as horas tornaram-se exíguas ao longo do
que ainda resta. Mesmo restando razoáveis situações, tempo considerável, inda
pouco para alegrar-me o que conseguir patentear.
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Se me
satisfaço a mim, então por que guardar vozes ouvidas? Não tem qualquer sentido.
Sinto uma espécie de fastio, meço com olhares estrangeiros tudo o que é velho,
caquético, demodê; com estranha perspicácia de quimeras, que fundar tudo, pelo
menos em pensamento, colocar a mão e sentido nisto de guardar vozes - mesmo que
seja apenas pelo instante de uma noite sem vozes, sons, quando minha insaciável
e nostálgica alma sente-se saciada e pode mostrar aos seus olhos apenas o que
lhe é próprio, e mais nada do que lhe é estranho.
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Quero
mandar acender a luz do mundo "fiat lux" por todos os seus recantos e
cantos. A luz ilumina sítios e lugares onde habitam homens, é-lhes necessário
enxergar por onde andam, em que tocam, o que fazem, mas a do mundo não há quem
acenda para iluminar, só o alvorecer fá-lo, a noite não precisa de luz. De que
preciso nas noites de pausas e devaneios? Precisaria de auscultar-me? Haveria
algo a ser auscultado em mim?
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O vazio
não carece de vozes, sente ele a ausência de algo que o preencha, faça-o cheio.
A noite sente o vazio das coisas que preenchem o quotidiano, que satisfaçam a
alma das quimeras e ilusões, o tempo que lança as utopias. As vozes sentem a
falta dos desejos inerentes da pronúncia dos sonhos, da fala das possibilidades
e das dúvidas para delinear as alamedas do que possa ser senão a verdade do
nada que germina, concebe a liberdade, a imaginação do ser possa ser o presente
colhendo as dimensões pretéritas, esquecidas nas curvas, eivando-as de
perspectivas outras que no vai-e-vem das dialécticas, nonsenses, esbocem as
vias de promessas do futuro.
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Do
futuro?
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Sinto a
obviedade das coisas acalentando, a saber, um porvir inusitado por quando
pertinentes sinais estampam anunciações que minha alma faz questão de
preservar, a mim inda não couberam enunciações. A mim, nada coube-me, o que de
ideias e utopias me couberam, o que degustar, sentir o sabor, sentir a sede
extinta? Talvez aqueço-me numa taça de vinho tinto, néctar suave, quente nos
interstícios do pensar fluido às juras evidentes em foco ao que inspire e
aspire simétrico nas ondas emitidas ao longo dos séculos que hoje pendem nas
calçadas dessas manchas corpóreas sem alguém que ouça o quedar-se evolutivo do
tempo neste mundo abismal dos símbolos e grandes transformações.
***
Então
penso... Ao pensarem nas dores angustiosas do novo século, andariam marchantes
na contramão dos elementos frutíferos e provocantes à hora de acolher e extrair
da janela subjetivada pelos embaçamentos contemporâneos reais aos entendimentos
nos labores contingenciais, estes em que me revolvo empolgado pela gama de
sensações psicógenas e inefáveis na minha elasticidade nunca vacilante em
virtude da melodia desértica imprescindível neste universo superficial de
aparência ordenada, ao fim aberto ao reboliço orgulhosamente em êxtases às
ousadas fantasias que se apossam do que parecia perdido aos olhos míopes das
minhas percepções em transe na madura idade deste "coração pensante",
desta "alma errante, vagabunda", e já fatigado pelas andanças e
heroísmos opostos.
#RIO DE
JANEIRO(RJ), 14 DE JUNHO DE 2020, 05:53 a.m.#
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