#HOMÚNCULOS DE CINISMOS EM REVÉS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA
Se inicio
dizendo o melhor seria se vós vos dignásseis a consultar no dicionário, de
preferência o Aurélio, a fim de vos certificar destes termos com que ilustro os
textos, intitulando-os, elucidando as páginas deste livro, tenho quase a
convicção absoluta de que não haverá um único leitor que não diga o prepotente,
orgulhoso que sou, até aceitável, mas não tenho o direito de julgar-vos menos,
denegrir vossa imagem no concernente à riqueza de vocabulário e linguagem,
chamo-vos tão unicamente de analfabetos e incultos. Em verdade, como disseram
imbuídos, seivados de todo sarcasmo e ironia, disseram que "converso com
os porcos para a cangalha escutar" - que primor de conceituação!
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Não tenho
este desejo, posso garantir-vos, contudo se aceitais esta sugestão de uma
consulta no dicionário, vereis o quanto se torna mais fácil a compreensão e
entendimento das minhas intenções e vontades de expressão, através de uma
linguagem culta, clássica, eivada de cinismo, sarcasmo, ironia, chegando mesmo
a assumir que me inspirei em Machado de Assis, no prefácio que escreve em sua
obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”: “Escrevi-a com a pena da galhofa e a
tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio”.
***
Dúvidas
não haja de que eivada de cinismo, sarcasmo, ironia, também eivada de sonhos e
quimeras, de desejos e vontades, de fantasias e utopias de nós os homens
aprendermos a conhecer um pouco de nós próprios, conhecimento este que nos
proporciona e lega possibilidades inda maiores de realizações e glórias,
permite-nos que os caminhos do campo ao longo da caminhada se tornem
continuamente floridos e rejuvenescidos, o que é um deleite para o espírito e
para a alma. Contudo, os sentimentos e emoções são, às vezes, paradoxais,
beirando o absurdo e o insípido; as dores, claro, são por vezes atrozes e
difíceis de se tragar, um nó górdio se forma na garganta, o coração se sente
opresso; as sensações se tornam confusas, e diante de tudo isto sente-se a
impressão de que a vida é algo muito difícil de se viver, não há saídas para os
problemas, conflitos, traumas, “o homem é uma paixão inútil”. E fico sem saber
se é a velhice que é triste ou se a paixão inútil.
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Porém,
senhores, posso afiançar-vos que, embora tenha eu sentido dores sobremodo
contundentes, tive também prazeres os mais deliciosos possíveis, procurei
expressar num estilo verdadeiro o que se me surgia ao espírito, à alma,
identificando a profundidade de sonhos e utopias.
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Fica a
alternativa se vós quiserdes de não consultar dicionário algum, enveredando-se
na leitura através da inteligência e intuição que vos são tão caras e úteis,
não necessitando de nenhum esclarecimento do sentido das palavras, podendo
analisar e entender melhor do que quem conhece os termos, um douto nos
conhecimentos da alma e do espírito, creio que a empresa é tão comovedora
quanto emocionante, dando-vos possibilidade de um conhecimento sem limites e
fronteiras do que é isso, o homem. Quanto a mim, se fosse eu o leitor, a
autoria seria de algum leitor, que, com arte e engenhosidade, criou a obra, não
olharia no dicionário, em princípio, o sentido e significado destes termos,
lendo livre e espontaneamente.
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Na
segunda leitura, se me aprouvesse fazê-lo, é que me utilizaria de tais
conhecimentos. Isto porque a primeira leitura é sempre espiritual, é a primeira
incursão nas imagens e sentidos, desejos e vontades, intuição e percepção...
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Se vós me
permitis desvencilhar-me dos títulos, completando com outras idéias assaz
importantes para uma elucidação dos conteúdos e mensagens, tenho a dizer-vos
que neste início do século XXI tornou-se sobremodo difícil encontrar escritores
que tenham perspicácia e habilidade com uma linguagem clássica, infelizmente só
para uns poucos, e isto é muito triste, mas me preocupei muito em criar uma
linguagem poética, linguagem esta que desperta os espíritos para a beleza, em
especial despertando emoções e sentimentos os mais profundos, desejos e sonhos
os mais íntimos, que inconteste contribuem sobremodo para a reflexão e
meditação sobre o destino de nós os homens, destino este que criamos para nós
com a intenção de irmos aproximando de nossa essência, fora da qual tudo se
torna e transforma em um ponto de vista subjetivo e apaixonado.
***
Aproveitando
a ideia do parágrafo acima, tenho inda a dizer-vos que neste inicio do século
XXI tornou-se difícil encontrar leitores que se disponibilizem a ler uma obra
em estilo clássico, com uma riqueza enorme de linguagem e vocabulário, pois têm
a santa preguiça de não consultar dicionários, de espremer os miolos a fim de
poder entender e compreender o que está sendo dito e expresso. Ler livros
fáceis, com linguagem e estilo vulgares, tornou-se a febre, não são obras que
exigem esforço e inteligência na análise. Não vos sintais negligenciados, pois
que em meu parco ponto de vista isto não é de vossa responsabilidade, é o
ensino que anda de mal a pior, os professores não incentivam para a leitura.
***
Se vós
vos interessais por uma digressão, não o sei, mas enquanto fui tomar um café
para fumar um cigarro, lembrou-me de que desde o início, quando ainda nem
imaginava que tais textos iriam figurar num livro, tais termos causaram-me riso
pela empáfia da pronúncia, pela embófia da audição. Fora uma experiência
inusitada: termos difíceis suscitarem risos, talvez por não serem comuns,
talvez pelo sentido que muitas vezes é de inferioridade, negligência, atitudes
espúrias. Aliás, na infância, aquando, consultando um dicionário, deparei-me
com a palavra “latrina”, que me tomou de riso por todo um dia. Assim é que eu, imbuído
deste riso, inspirei-me em atitudes de não que todos vivemos, pensamos que são
valores os mais eternos, os mais divinos, no entanto são o que há de mais
deprimente em nossa condição de humanos, e se torna um dever e uma
responsabilidade lutarmos com todas as forças para a superação deles,
tornando-nos homens dignos de respeito e consideração.
***
Claro,
esta incursão nas veredas e alamedas de nossa alma causa-nos dores as mais
atrozes, o melhor é então, mesmo sofrendo muito, continuarmos a caminhada,
fingindo que não percebemos e intuímos coisa alguma, pois a mudança implica em
muito mais dores e, quem sabe, um leve sentimento de que não se é possível uma
reviravolta tão grande, não se é possível um momento de alegria e prazer.
***
Não vos
tomo o tempo mais. Tomo a liberdade de finalizar com o final da introdução de
Brás Cubas, aquando se dirige ao leitor: “A obra em si mesma é tudo: se te
agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um
piparote, e adeus”.
#RIO DE
JANEIRO(RJ), 07 DE JUNHO DE 2020, 12:06 a.m.#
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