#ATEÍSMO, ABSOLUTIZAÇÃO E NIILISMO# GRAÇA FONTIS: ESCULTURA Manoel Ferreira Neto: ENSAIO
DEUS ESTÁ MORTO - CAPÍTULO XIX......
Esta questão remete à oposição entre a filosofia e a antropologia
científica: se o saber estuda o homem como objeto, a filosofia o apreende como
objeto-sujeito, como práxis significante. Que Sartre encontre aqui a clássica
oposição surgida de Dilthey e da fenomenologia, entre a explicação e a
compreensão, abaixo a nova forma da razão analítica e positivista (intelecção
do inerte) e a razão dialética (compreensão como translucidez da práxis a si
mesma), significa uma redução indireta da dialética à gênese do sentido, isto
é, sua alienação na pluralidade histórica de projetos individuais ou coletivos.
A filosofia encerra em seu objeto e seu método, explicitamente, a verdade da
questão literária: que deve ser o homem e a história para que o sentido seja
possível? É por isso que “se a filosofia implica uma prosa literária oculta”,
Sartre subtraia “que a prosa literária contém já, condensado e no consciente de
si, o sentido que a filosofia tem que despreender”.
Estamos sempre agindo como se houvesse um único Sartre, o
existencialista ateu, não é? Como se o pensamento-Sartre formasse um “bloco”, a
pegar ou largar, assumir ou dar as costas, sem nuança, sem discussão, como se
Sartre fosse apenas um. Fora ele próprio quem lutara por não tornar sua obra um
“prático-inerte”, revelando-se romancista, novelista, dramaturgo, ensaísta,
filósofo, crítico literário e político, memorialista..., com o que lhe deu o
mérito de escritor-filósofo, a traição , levada aos extremos, a ponto e
natureza de se transformar, transformar as idéias de seu/nosso tempo.
É na obra nietzscheana, em especial nos fragmentos de 1880, póstumos,
publicados por sua irmã Elizabeth, na obra intitulada como Vontade de potência
que o termo niilismo passa a ser um objeto da reflexão filosófica.
Nietzsche, nesta presente obra, escreve um breve fragmento:
Uma semelhante filosofia experimental, tal como a vivo, antecipa,
experimentalmente, até as possibilidades do niilismo por princípio: sem querer
dizer por isso que possa deter-se ante uma negação, ante um não, ante a vontade
do não. Ela quer antes penetrar até o contrário – até o dionisíaco dizer sim ao
mundo, tal qual é, sem desfalque, sem exceção e sem escolha .
Ao caracterizar a sua reflexão como experimental, Nietzsche remete à
análise daquilo que ele acredita está por vir, isto é, o niilismo, que por sua
vez foi tido como a doença do século.
Com o niilismo, é enfatizado uma brusca análise que, porventura, atinge
seu cume amadurecendo uma consciência histórica de suas bases mais remotas no
platonismo e no cristianismo e ao mesmo tempo, sustenta uma ferrenha crítica de
superação dos males advindos desses fenômenos.
O que é o niilismo, esse fenômeno europeu? Ele é a convicção de que “não
existe verdade alguma; de que não existe nenhuma qualidade absoluta nas coisas,
de que não existe ´coisa em si”. Isso é o niilismo e, na verdade, o niilismo o
mais extremo” . Mas isso responde imediatamente à questão da qual se partiu.
Perguntava-se qual era a relação entre a morte de Deus e a desvalorização de
todos os valores. Essa relação não representa qualquer retomada envergonhada do
tomismo, nem uma falta de reflexão sobre a Crítica kantiana. A morte de Deus e
a desvalorização dos valores são eventos simultâneos, enquanto ambos habitam o
“verdadeiro mundo”. Se não existe “verdadeiro mundo”, não há nem Deus nem
valores absolutos. E isso porque somos detentores de uma linguagem, não de um
logos.
Tal explicação do niilismo é uma primeira chave para se compreender o
“perspectivismo” de Nietzsche. O “filosófo do futuro” não deseja a unanimidade
porque sabe que não existe o “verdadeiro mundo”, que somos capazes de obter
apenas “perspectivas” sobre as coisas, pontos de vista localizados e nunca
universalizáveis. Esse perspectivismo é uma conseqüência imediata do
antiplatonismo. Aquilo que os filósofos chamavam de “essências” eram apenas as
suas perspectivas sobre as coisas – a justiça “em si” de Platão era apenas a
perspectiva de Platão sobre a justiça ou, então, a sua “interpretação”. Mas
agora é preciso reconhecer que uma “coisa em si” é tão absurda quanto um
“sentido em si”, quanto uma “significação em si”.
Não existe nenhum “fato em si”, porque para que um fato possa dar-se, é
preciso sempre interpretá-lo de algum modo. Assim, contra o positivismo, que se
limita ao fenômeno e afirma que “só há fatos” devemos afirmar que “só existem
interpretações”; não conhecemos nenhum fato em si, o mundo não tem nenhum
sentido, mas muitíssimos sentidos – isso é o perspectivismo.
Se o cristianismo sobrevive na “velha Europa”, é porque ele ainda é
necessário à maior parte das pessoas e porque o homem é tal que, se refutássemos
cem vezes um artigo de sua crença, “se ele precisa dele não cessa de
considerá-lo ainda como verdadeiro” . Assim, religiões, morais e filosofias não
têm como essência serem erros ou mentiras, mas correspondem à necessidade de um
tipo de vida. Por isso, o procedimento de Nietzsche será sempre o de regredir
da obra ao criador – esta imagem é sobremodo relevante em todo o nosso ensaio,
e sobretudo as trilhas que escolhemos para fundamentar as nossas idéias acerca
de Dostoievski, da ação ao agente, do ideal àquele que necessita dele, “de todo
modo de pensar e de valorar à necessidade que comanda por trás dele” .
Com a “morte de Deus”, temos como resultado o niilismo. Se o ser
absoluto, fonte de todo nosso sustentáculo, base de toda nossa reflexão e apoio
está morto, dá-nos a impressão de que estamos mergulhados num nada infinito,
num vazio absoluto, numa total ausência de sentido, gerando uma sensação de que
nada tem sentido, tudo é em vão. O nada torna-se o absoluto, passa a ocupar o
lugar antes preenchido por Deus e isto gera uma agonia muito grande.
Como percebemos, o enfoque deste fenômeno, o niilismo, foi tratado de
maneira direta em fragmentos póstumos presentes na obra acima referida, todavia
já captamos a presença do mesmo em traços bem distintos ao tocar no problema da
“morte de Deus”.
Este niilismo aduzido no período pós-moderno por Nietzsche possui uma
história. Para atingir o amadurecimento de seu pensamento em relação ao
niilismo, ele contou com as leituras que fizera de Schopenhauer, sobretudo a
perspectiva metafísica concebida pela concepção de Vontade. Nesta, o presente
pessimismo schopenhaueriano é tido como uma dissolução do nada, alimentado como
um tipo de niilismo passivo, um enfraquecimento da potência do espírito. Temos
também a influência da literatura russa, sobretudo Turgueniev, o próprio
fenômeno terrorista que espalhara pela Europa naquela época; quanto à
referência por Nietzsche a Dostoievski, diz respeito ao fato de que foi com
este que aprendera a psicologia – e não por Dostoievski haver sido “niilista”,
ao contrário, era um fortíssimo adversário do niilismo na Rússia; Dostoievski
exercera influência na sua experiência intelectual, levando-o a articular com
um grau maior de precisão a sua percepção da psicologia.
No sentido de mergulhar ainda mais nas obras de Dostoievski e no
niilismo de Nietzsche, mister se faz uma relação ontológica agonal entre ambos,
isto é, uma representação, um paralelo entre o desejo de redenção e
ressurreição e a vontade de poder, que faremos a seguir, neste mesmo capítulo.
É infiltrado nestes moventes que Nietzsche chega a um amadurecimento do
seu pensamento que, como já vimos, havia sido evidenciado na afirmação da
“morte de Deus” remetendo à desvalorização de todos os valores supremos e na
própria idéia de decadência, como uma história do platonismo-niilismo, isto é,
a decadência da história ocidental.
Já no início de sua reflexão sobre o presente problema, ele descreve
precisamente o significado, a essência e a causa do fenômeno:
Niilismo: falta-lhe a finalidade; a resposta à pergunta Para quê? Que
significa o niilismo? Que os valores supremos se depreciem .
Este niilismo é constatado por Nietzsche e entendido como uma total
ausência do sentido, provocado pelo desfacelamento dos valores tradicionais,
isto é, a visão e a concepção tradicional do mundo não supre mais uma
necessidade essencial no homem. Não nos atemos mais a valores transcendentes;
uma negação total do supra-sensível. É, pois, uma época de decadência de todos
esses valores, gerando uma condição de total ausência de sentido no qual
estamos imersos.
(**RIO DE JANEIRO**, 30 DE JULHO DE 2017)
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