#AFORISMO 34/11 MANDAMENTO: "NÃO JOGAR PEDRAS NA CRUZ# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO SATÍRICO
EPIGRAFE:
"A
previsão do futuro nos foge nos piores momentos" (Graça Fontis)
Perdoe-me,
por favor, se não lhe retornei a cartinha que tão carinhosa e gentilmente me
enviou, com uma divina e esplendorosa caligrafia, mas descobri, com muita dor,
que joguei pedra na cruz.
As
manhãs são noturnas, pura treva, sem qualquer luz, ainda que ao longe, em
confins, não tendo condições de enxergar, as noites são manhãs de puros raios
numinosos do sol, ofuscando-me por completo, nada posso ver, óculos escuros não
me servem.
Estou
lhe escrevendo por instinto mesmo, não enxergo coisa alguma, mas o hábito de
manuscrever ajuda-me a não sair da linha, é o resultado de haver jogado pedra
na cruz. Ontem amigo de muitas conversas alegres, confidências, cerveja gelada,
delicioso tira-gosto, regados de papo tranquilo, mudou de calçada, quando me
viu. Chamei, andou ligeiro. Creio que teve medo de as "indacas" serem
transmissíveis. E, andando pelas ruas, só vi pessoas correndo, viam em plena luz
do dia - não seriam trevas noturnas? - Mefistófeles em pele, carne e ossos.
Perdoe-me,
por favor, se lhe faço esta pergunta tão inusitada, mas preciso de resposta:
você não conhece alguém que possa achar esta pedra que joguei na cruz e
consumir com ela? Só assim esta onda de "indacas" podem desaparecer
de minha vida.
Estou
até com medo de não festejar meu aniversário, faltam dez dias, com alguém,
tomar um vinho "sangue de boi", estou com mixaria no bolso, comer um
churrasquinho de palheta, e sim estar no paletó de madeira, e todos dizendo que
as "indacas", por haver jogado pedra na cruz, foram tantas,
resultando no passamento no exato dia de meu aniversário.
Você
deve estar caindo na gargalhada, pensando e sentindo que sou terrível quando
resolvo fazer graça, as graças são dignas de um picadeiro, esteja eu querendo
tirar sarro de sua cara, mas é verdade, meu caro amigo: joguei pedra na cruz.
Encontro
de amigos no domingo, fui comer uma costela assada, quebrei um dente; na
segunda-feira, no almoço, fui comer um torresmo, quebrei outro dente. Depois
deste almoço, fui abrir a garagem, iria ao dentista, a porta caiu. Agora,
diga-me: "Isto é ou não é de quem jogou pedra na cruz?"
Fui
tomar o banho, como faço todas as manhãs, cantando, assobiando, alegre e saltitante
por ser mais um dia, deu curto circuito no chuveiro, fogaréu daqueles. Saí do
banheiro completamente nu, correndo, fui parar na rua, exatamente no momento
que passava uma radiopatrulha; detido por atentado ao pudor. Pode uma coisa
dessa?
Você me
pediu para retornar a sua cartinha, contando as novidades, o que tenho feito e
não feito. E é isto mesmo que tenho a lhe dizer, descobri que joguei pedra na
cruz, tudo quanto é "indaca" resolveu baixar no terreiro de minha
vida.
Aquele
abraço, meu caro amigo, esperando que, ao abrir o envelope, não leve um murro
daqueles nas fuças.
(**RIO
DE JANEIRO**, 12 DE JULHO DE 2017)
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