ATEÍSMO, ABSOLUTIZAÇÃO E NIILISMO# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: ENSAIO
DEUS ESTÁ MORTO - CAPÍTULO XII..............................
No mundo contemporâneo, Martin Heidegger irá tentar, através de sua
“hermenêutica etimológica”, colocar em evidência alguns dos “sinais” e
convidar-nos-á a interrogar a significação “original” ou fundamental da palavra
Logos.
Com efeito, esse substantivo grego – “logos” – está associado ao verbo
“legein”. O que quer dizer, originalmente, “legein”?
Antes de toda significação que se refira à ordem da linguagem, existe em
“legein” um sentido primeiro que se encontra no termo latino “legere” e no
termo alemão “lesen”: a idéia de colher ou coletar. Segundo Heidegger, esse
primeiro sentido de logos será, portanto, a “colheita” (die Lese): coletar,
colher, para colocar a salvo.
Heidegger mostrará que o ato de coletar comporta três idéias: levantar
do solo (aufhbewharen), mas é o “colocar a salvo” que predetermina os atos do
“colher” e do “reunir”, e que constitui sua característica fundamental. É por
essa característica que o ato de colher é algo diferente da ação de levar tudo
sem deixar nada, e que o ato de reunir é algo diferente de amontoar.
João Batista vive da luz para a qual está voltado. Forma uma só coisa
com ela, do mesmo modo que o Logos forma uma só coisa com Deus, e, nesse
movimento de “adesão” ou aderência, ele leva os outros a crerem, a participarem
nisso com ele.
O Prólogo de João, versículo 8, “Ele não é luz,/ mas a testemunha da
luz”, adverte-nos contra o perigo que consiste em tomar, algumas vezes, o
reflexo pela luz, a tomar o Precursor pelo Messias.
No nível da experiência interior, podemos também tomar o reflexo pela
luz. Podemo-nos iludir, enganar-nos, e tomar os sinais precursores da
realização pela própria realização: certa sabedoria, certa calma e
tranqüilidade, certa clareza de espírito ainda não são a luz.
Não é a intuição do nada, mas antes a imaginação de alguma coisa (ou
seja, a negação do existente através de uma “outra” coisa) que é o elemento
indispensável ao exercício da liberdade.
Quando o imaginário não é traduzido em realidade, a superação e a
anulação do existente são impedidas pelo próprio existente, o homem é esmagado
pelo mundo, oprimido pelo real e está mais próximo da coisa .
A imaginação é, portanto, a preciosa e essencial prerrogativa da
consciência humana para transcender esse mundo com o qual está, no entanto,
ligada, com isso mesmo afirmando a sua liberdade, é a capacidade de negar o ser
na perspectiva de um novo ser que ainda não é, mas que pode ser, é a faculdade
de distanciamento de uma determinada situação em nome ou em vista de nova
situação.
É difícil negar ou negligenciar o fascínio da teoria sartreana do
imaginário, que em alguns aspectos se parece sugestivamente aproximar de
algumas teses do pensamento utópico-negativo (a liberdade como negação do que
existe, a construção do novo como elaboração utópica de um não-ser, a razão
como relação positiva com o real à qual se contrapõe a imaginação como
superação e rejeição desse real), mas que revela um pensamento utópico-cristão,
segundo Dr. Paulo César Lopes:
A fé está profundamente relacionada com a liberdade; quando falamos em
adesão de fé, isso logicamente implica liberdade .
Importa sentirmo-nos incessantemente em gênese, em via de criação; não
somos feitos uma vez por todas; o Logos está, incessantemente, em ação para
manter-nos fora do nada.
De fato, e ao contrário do que haviam afirmado inúmeras teorias
estéticas, o belo não se encontra já nas componentes concretas e visíveis da
obra de arte nem no prazer psíquico e físico que dela possamos retirar, mas sim
no fato de se dar como essência ou estrutura “irreal”, captada num mundo
imaginário em relação ao qual o sujeito fruidor se coloca de um modo bem
determinado (contemplativo, desinteressado, etc.) e que não é redutível a
outros modos de consciência.
João Batista não é a luz. Ele transporta a luz. Sua presença é pura
capacidade do outro, com Maria – por sua humildade, virgindade interior,
vacuidade -, ele faz-se “capax Dei” = capaz de Deus.
Quando Nietzsche anuncia a morte de Deus, fala do Deus que tem de morrer
mesmo, porque é o Deus das nossas cabeças, interesses, de nossas fantasias e
quimeras, o Deus inventado, o Deus da metafísica, o Deus que não é vivo.
A linguagem não diz de modo positivo se Deus é e quem é. Contudo, pode
dizer o que não é Deus. Deus não é o mais alto “Sendo”, o último elo da cadeia
dos seres. Este Deus, assimilado à causa suprema, é homogêneo aos “sendos” que
produz.
A teologia ocidental, defendendo a causa do Deus-Causa, contribuiu para
o advento do Deus dos filósofos. O Absoluto dominador e criador apagou os
traços do Ser, o qual não se pensa em termos de eficiência, mas de presença e
de gratuidade. Libertar-se da imagem do Deus da filosofia para se aproximar do
Deus verdadeiro, interrogando o Ser, tal é a função do pensamento e talvez
também a da teologia.
(**RIO DE JANEIRO**, 21 DE JULHO DE 2017)
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