#ATEÍSMO, ABSOLUTIZAÇÃO E NIILISMO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ENSAIO
DEUS
ESTÁ MORTO - CAPÍTULO VII..................
Deus,
segundo Spinoza, à medida que é causa eficiente de todas as coisas, é a
condição prévia, no sentido de uma anterioridade lógica e não cronológica, de
tudo o que decorre de sua potência. As coisas, de fato, envolvem Deus por sua
existência, visto que a existência de Deus não é explicada por elas.
A
comunidade de ser é acompanhada de uma distinção quanto à essência e à
existência: a existência de Deus é necessária no sentido em que, causa de si,
ela decorre de sua essência, ao passo que as coisas singulares têm Deus por
causa necessária de sua essência e de sua existência, mas a sua essência não
contém Deus como uma propriedade.
A
imanência do ser infinito tem seus efeitos e a distinção que se estabelece
entre a substância e seus modos, tanto no plano da essência como no plano da
existência, significam uma e a mesma coisa: o modo é um efeito determinado do
ser infinito e está dotado tanto de uma essência como de uma existência que lhe
pertencem como próprio.
Assim,
poder-se-ia distinguir uma dupla atividade de Deus: de um lado, a determinação
interna, in se, da essência como potência singular e, de outro lado, a
determinação externa, atransitiva ou in alio, pelas outras essências e
existências singulares.
Com
a exclusão do espírito religioso, será forçoso reconhecer que o mundo, como
força, não pode ser concebido como ilimitado, e será preciso concluir que a
noção de força infinita é agora até mesmo incompatível com o conceito de
força. O mundo como força é uma
quantidade finita. Finita e fixa. Pois, se as forças tendessem a diminuir, como
já transcorreu um tempo infinito, o mundo teria sucumbido.
A
estrutura onto-teo-lógica da metafísica criou em sua dinâmica Histórica de
Absolutização o mundo técnico-científico do sistema de controle, onde Deus está
morto. Na situação atual não se pode falar em Deus. A metafísica se apoderou de
todas as palavras, de toda a gramática e de todas as expressões,
transformando-as em outras tantas funções de sua estrutura onto-teo-lógica.
Estamos tão saturados de linguagem metafísica que só nos resta o silêncio. É
por isso que o Pensamento essencial é “um pensamento sem Deus”.
Em
verdade, parte da Europa entrava nesse processo de ateísmo, de secularização.
Os tão apregoados ateísmos, secularização nunca deixaram de ser enganosos.
O
ateísmo do século XIX alemão era, antes de tudo, o resultado da crise do
sistema hegeliano, que comentaremos mais tarde, quando os “jovens hegelianos”
tratam de desfazer a unidade que o mestre instituíra entre cristianismo e
filosofia – onde a filosofia apenas diria, com boa gramática, o que o
cristianismo já falava, só que expressando-se mal.
E
se o seu modelo mais acabado era a dissolução da teologia na antropologia, tal
como Feuerbach a empreendera em A essência do cristianismo, de 1841. Ali,
Feuerbach procurava mostrar que a religião – na verdade uma antropologia que
esqueceu sua origem demasiado humana – nasce de um duplo movimento, de
transposição e de depreciação.
Conforme
análise do movimento de transposição, Feuerbach pretende indicar que o Deus
cristão não é senão a própria essência humana agora hipostasiada. A operação
constitutiva da religião é retirar do homem suas forças, qualidades e
determinações essenciais, para divinizá-las sob a forma de seres independentes.
O
objeto religioso não é senão a própria essência do homem, tomada como
Gegenstand, e a consciência de Deus é uma consciência de si do homem, mas que
se desconhece como tal. E é esse desconhecimento que funda a essência própria
da religião. O homem projeta fora de si a sua essência, antes de reencontrá-la
nele mesmo: é a consciência dessa alienação, até então despercebida, que deve
transformar a religião na sua verdade – a antropologia.
O
que significa, para Feuerbach, essa “essência” do homem? A essência humana é o
homem enquanto “ser genérico”, não enquanto indivíduo. Se o indivíduo é
limitado, o gênero não o é: se a razão, amor e vontade são limitados enquanto
atributos do indivíduo, não o são enquanto atributos do gênero humano, da
essência. Se o Deus dos teólogos é construído como predicados humanos pensados
como ilimitados, essa ilimitação, ausente do indivíduo, está presente na
espécie, e por isso mesmo a oposição entre o divino e o humano é ilusória: ela
só designa a oposição entre a essência humana e o indivíduo humano e, se é
assim, o objeto e o conteúdo da religião cristã são, do começo ao fim, humanos.
Assim, a religião, “pelo menos a religião cristã, é a relação do homem consigo
mesmo ou, mais exatamente, com seu ser, mas uma relação com seu ser que se apresenta
como um ser outro que ele.
Declarar
que Deus morreu é mergulhar em um vasto horizonte onde nada parece ter sentido,
onde nada parece valer a “pena”; adentrar num nada infinito onde não há apoio,
amparo, consolo, é niilismo absoluto, é estar jogado no mundo; penetrar num
abismo, cujo fim só é estabelecido e concretizado a partir do instante em que
escolher o caminho de volta à superfície.
Apresenta caráter positivo. Pregar a morte de Deus e fazer a mais ácida
e violenta crítica ao cristianismo significa tê-los feito a partir de
experiência radical do Deus vivo, do Deus real.
O
grande inimigo da Antiguidade foi o Cristianismo. O Cristianismo é hostil à
vida – volta-lhe as costas – e assim destruiu a antiga cultura, exatamente
porque era através da antiga cultura que a vida florescia. O cristão é um
decadente e atua por forma desintegradora, tóxica e estiolante, como uma
sanguessuga.
O
Cristianismo foi o vampiro do imperium Romanum – numa noite estilhaçou a
estupenda realização dos Romanos .
O
cristianismo tomou o partido de tudo o que é fraco, baixo, malogrado,
transformou em ideal aquilo que contraria os instintos de conservação da vida
forte; corrompeu a própria razão das naturezas mais fortes de espírito,
ensinando-lhes a perceber como pecaminosos, como enganosos, como tentações os
valores supremos do espírito .
Num
dos seus primitivos ensaios, assim nos diz Nietzsche:
De
fato, de tempos a tempos e aqui e ali, um exuberante grau de compaixão abriu,
durante um curto prazo, caudais de vida de Cultura, um arco-íris de compassivo
amor e de paz surgiu com o radiante alvorecer do Cristianismo e nasceu então o
seu mais belo fruto – o Evangelho segundo S. João .
Tomando
em consideração esta análise, será que o “ateísmo” de Nietzsche teria algum
parentesco com o de Feuerbach, e a proposição “Deus está morto” seria formulada
com o mesmo sotaque? Não faltam textos que fazem esta abordagem, não faltam
textos que possam sugerir essa interpretação.
E
assim quando Nietzsche afirma querer
[...]
restituir ao homem, como propriedade sua, como produção sua, toda beleza e
sublimidade que projetou sobre as coisas reais e imaginárias, para fazer deste
modo sua mais bela apologia. O homem como poeta, como pensador, como Deus, como
amor, como poder: oh!, com sua magnanimidade real ele enriqueceu as coisas para
empobrecer-se a si mesmo, para sentir-se miserável. Esta foi até agora a sua
maior abnegação: a de admirar e adorar, e saber ocultar-se que era ele mesmo o
que criava aquilo que admirava .
Neste
ensaio, declara que “no caso de muitos Estados, como, por exemplo, na
constituição que Licurgo deu a Esparta, podemos descortinar claramente o cunho
dessa idéia fundamental do Estado, isto é, a criação do gênio militar”. E
depois continua a estabelecer o princípio geral de que “todo o ser humano, em
plena atividade, unicamente tem dignidade à medida que, consciente ou
inconsciente, é um instrumento do gênio”.
Nietzsche
parece retomar, por sua própria conta, os dois movimentos de transposição e
depreciação que costuravam a crítica feuerbachiana à teologia. O que falta para
afirmar que a antropologia é a verdade da alienação religiosa? Essa
interpretação é sobremodo apressada. Por um lado, o “insensato” se vê na
obrigação de anunciar a morte de Deus aos próprios ateus, quer dizer, aos
feuerbachianos. Por outro lado, em O anticristo, Nietzsche apresenta uma
avaliação da filosofia alemã que levanta suspeitas quanto ao seu propalado
ateísmo. O sacerdote protestante é o avô da filosofia alemã – diz Nietzsche -,
e o protestantismo é o pecado original dessa filosofia.
(**RIO
DE JANEIRO**, 12 DE JULHO DE 2017)
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