#VOZES NA PAUSA DA NOITE# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto/GRAÇA FONTIS: PROSA
Seria
possível guardar as vozes todas ouvidas na pausa da noite?
A princípio
o mundo parece deserto como se tudo houvesse esvaecido num abrir e fechar de
olhos. E por que não ouvir vozes? O mundo esvaeceu-se? Não esvaeceria. Sou quem
assim fantasio - que loucura esta de esvaecer o mundo para ouvir os sons
produzidos pelo homem. O homem permanece vivo sem o mundo? O mundo existe
porque existe o homem, assim dizem os doutos. Impossível!...
Ouço o corpo
ranger, refluir. Sinto ser noite no vento, sinto que é noite não porque a
sombra desça, mas porque bem no fundo de mim, nos interstícios das prefundas,
gritos antigos silenciaram-se. Sinto que é noite no tronco de árvore dentro de
uma valeta no meio da rua. Saber que ainda há bosques, a terra continua
girando, o tempo não murchou como a rosa branca no canteiro do jardim, embora
todos os esforços do jardineiro para que ela sobrevivesse ao dia.
Torno-me
humano, ó noite. Torno-me compassivo e solícito. Guardar as vozes ouvidas, na
vossa pausa, imagino ser o modo de demonstrar o humano em que me tornei.
Negligencio a essência do que é reconhecido e venerado, renego a força dos
impulsos no reconhecimento, na veneração, e no geral, entendo a atividade da
razão como in totum livre, que surge de si própria. Uma coisa é fundamental: o
ser humano encontre a sua satisfação consigo próprio.
Se me
satisfaço a mim, então por que guardar vozes ouvidas? Não tem qualquer sentido.
Sinto uma espécie de fastio, meço com olhares estrangeiros tudo o que é velho,
caquético; com estranha perspicácia de quimeras, que fundar tudo, pelo menos em
pensamento, colocar a mão e sentido nisto de guardar vozes - mesmo que seja
apenas pelo instante de uma noite sem vozes, quando minha insaciável e
nostálgica alma sente-se saciada e pode mostrar aos seus olhos apenas o que lhe
é próprio, e mais nada do que lhe é estranho.
Quero mandar
acender a luz do mundo. A luz ilumina sítios e lugares onde habitam homens,
é-lhes necessário enxergar por onde andam, em que tocam, o que fazem, mas a do
mundo não há quem acenda para iluminar, só o alvorecer fá-lo, a noite não
precisa de luz.
O vazio não
carece de vozes, sente ele a ausência de algo que o preencha, faça-o cheio. A
noite sente o vazio das coisas que preenchem o quotidiano, que satisfaçam a
alma das quimeras e ilusões, o tempo que lança as utopias. As vozes sentem a
falta dos desejos inerentes da pronúncia dos sonhos, da fala das possibilidades
e das dúvidas para delinear as alamedas do que possa ser senão a verdade do
nada que germina, concebe a liberdade, a imaginação do ser possa ser o presente
colhendo as dimensões pretéritas, esquecidas nas curvas, eivando-as de
perspectivas outras que no vai-e-vem das dialécticas, nonsenses, esbocem a vias
de promessas do futuro.
Do futuro?
Sinto a
obviedade das coisas acalentando, a saber, um porvir inusitado por quando
pertinentes sinais estampam anunciações que minha alma faz questão de
preservar, a mim inda não coube enunciações. Talvez aqueço-me numa taça de
vinho tinto, néctar suave, quente nos interstícios do pensar fluido às juras
evidentes em foco ao que inspire e aspire simétrica nas ondas emitidas ao longo
dos séculos que hoje pendem nas calçadas dessas manchas corpóreas sem alguém
que ouça o quedar-se evolutivo do tempo neste mundo abismal dos símbolos e
grandes transformações. Então penso... Ao pensarem nas dores angustiosas do
novo século, andariam marchantes na contramão dos elementos frutíferos e
provocantes à hora de acolher e extrair da janela subjetivada pelos
embaçamentos contemporâneos reais aos entendimentos nos labores contingenciais,
estes em que me revolvo empolgado pela gama de sensações psicógenas e inefáveis
na minha elasticidade nunca vacilante em virtude da melodia desértica
imprescindível neste universo superficial de aparência ordenada, ao fim aberto
ao reboliço orgulhosamente em êxtases às ousadas fantasias que se apossam do
que parecia perdido aos olhos míopes das minhas percepções em transe na madura
idade deste "coração pensante" e já fatigado pelas andanças e
heroísmos opostos.
#riodejaneiro#,
13 de junho de 2019#
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