INTERIM DE OLVIDOS E JAMAIS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Encolhido
num canto da Igreja, olho pela janela para os campos distantes e claros e para
a estrada, que foge em meio ao brilho frio do lugar.
Outras
palavras não me saem, como se não mais existisse em mim o anterior sentimento
de ternura, substituído que fora por sentimentos de não. Os olhos procuram
algo, e sinto, de repente, que não meço esforços de encontrá-lo – esse algo é
amor, amor novo, amor verdadeiro e real, não apenas duas assinaturas no
cartório.
Pertenço-lhe
todo e sou feliz com a força dele sobre mim.
Se me fosse
possível, fosse-me dado dizer outras palavras, quem sabe não teria expressado o
que perpassa as linhas anteriores, preenchendo dois parágrafos. E o importante
é que as tenha dito, e o esforço é ampliar a visão de algo sublime e divino que
se distanciou tão logo a aproximação, deixando-me nos lábios o desejo de
segui-lo, sem olhar para trás, em direção ao horizonte longínquo. Desejo poder
sentir de novo o que me foi anunciado, enquanto, cofiando a barba, ouvia a
homilia da cerimônia, presidida pelo arcebispo - após a missa, fica esperando
fiéis irem beijar a sua mão.
Não consigo
rezar, dirigindo um olhar embotado para os ícones, velas, a cruz bordada nas
costas do sacerdote, a iconóstase, a janela da igreja, e não compreendo
bulhufas. Sinto que me acontece algo inaudito. O que seja não posso dizer única
palavra que defina esse minuto, faltam-me os termos que desfilam na mente, sem
condições de reuni-los.
Quem sabe
seja conveniente agradecer a Deus por isto!
Neste
mundinho peculiar, loucamente feliz, ressoa tão estranhamente vozes vindas de
alhures repassadas de gravidade e etiquetas, que, com freqüência, não me
contenho e somente rio, sorrio, se assim desejar, em respostas às fantasias e
imaginações que me percorrem o íntimo.
Rio. Sorrio.
A cerimônia continua. Esqueço-me. Deixo-me livre, não me importando com os
sentimentos de antes, o desejo de seguir o que se distanciou. Por que? Por ser
preciso manter a abertura infinita. Experimento uma oração pequena, pois a voz
do arcebispo, seja do cônego, do padre, atrapalha-me, e todo segundo preciso
retornar a palavras anteriores, buscando tecer a mensagem divina, a de eternidade.
Aliás, após
a homilia, se não tiver o folheto em mãos para rezar o Credo, seguindo junto
com o presidente da cerimônia e os fiéis, não consigo fazê-lo. Perco-me. Se não
o tenho em mãos, silencio-me, prestando atenção às palavras, participando
intimamente.
Amiga
íntima, numa conversa, após a cerimônia, disse-me que assiste toda a missa sem
fazer qualquer oração. Terminada a cerimônia, ajoelha-se e reza com todo
fervor. Na presença de sua intimidade, agradece a Deus por suas conquistas, por
sua vida coberta de glórias e sucessos com a sua Pintura. Pede-Lhe que a
ilumina. Ao sair, ninguém mais no interior da Igreja.
A música é o
melhor e mais amado prazer, atingindo cada vez novas cordas no coração e como
que tornando a desvendar um e outro mistério. Observo os cantores e músicos que
executam os cânticos que embelezam e anunciam o amor de Deus no coração.
Procuro surpreender-me no rosto os vestígios de sons, ressoando com maior
nitidez as vozes, tendo a impressão de distingui-las uma a uma, fazendo-as falar
com júbilo ou angústia. O sangue aflui-me ao coração, quando intuo o vazio de
suas vidas na estação de águas.
O fogo
percorre-me as veias, a visão brilha, eu tremo, e as palavras tocam as cordas
vocais com carícias e carinhos.
O próprio
céu, coberto de estrelas, olha os jardins com sorridente satisfação, como se
estivesse contente por ver que a natureza é capaz de reter um espaço vital nas
sombras da escuridão, ninhos de pardais escondidos no escuro das árvores. Um
impulso me impele, como se o coração estivesse tão cheio de amor que fosse
necessário esvaziá-lo um pouco para poder respirar.
Beleza
irreal anima-me o semblante. Esta transfiguração só pode ser interpretada, isto
se houver necessidade de mergulho nas palavras, como reflexo de felicidade
interior. As rugas do rosto, os cabelos grisalhos da cabeça e barba, o aspecto
amargurado, angustiado, entristecido, vão-se desmaiando, e sinto a tentação de
argumentar com o Tempo que, furtivamente, e a despeito de tudo, me vai
aumentando a idade, tornando-me velho, e a morte se anunciando mais e mais. A
velhice não me incomoda. Disseram-me na juventude que os velhos são portadores
da sabedoria e inteligência das experiências.
Naturezas
como a minha, cuja única aspiração é a contemplação do Belo, mereciam o mais
suave destino na terra. A claridade da lareira conforta a inúmeros indivíduos
que se agrupam em torno, sem se preocupar com a personalidade.
As Palavras
de Deus, hora da Liturgia da Palavra, afagam os inúmeros sofrimentos e dores
que habitam todos os que estão presentes, não mais necessitando de anunciação
das profundezas que buscamos os homens em outros momentos, longe e fora da
igreja.
#riodejaneiro#,
11 de junho de 2019#
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