RÉSTIA DE CREPÚSCULO E CÃNTICOS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Assim como
agora dou um trago no cigarro, posso ir à casa de amigo quem conheci há algum
tempo e ultimamente nos relacionamos quase com constância, trocar com ele
algumas frases e idéias, sendo verdade, útil, bom o que conversarmos.
Nunca como
alguns amigos de longa data, a vida inteira juntos, conversas mais ou menos
falsas. Tudo isso contra os meus interesses, pontos de vista, contra a vontade.
Não é assim que vive a maioria dos homens que vivem e se relacionam no
quotidiano, forçadamente e sem na realidade querê-lo?
Fazem
visitas, vão a churrascos, aniversários, bebem e comem a esmo, falam besteiras
e coisas tão sérias que nem Deus acreditava serem tão inteligentes, superaram
as expectativas - ótimo, Ele mesmo assim o deseja. Sentam-se durante horas em
seus escritórios e empresas, tudo à força, de modo mecânico, inerente à
vontade.
Os homens
que assim vivem, que se divertem com suas marionetes, que correm atrás de seus
interesses, assuntos, ao invés de se oporem quanto a este nível de vida, esta
miséria sem limites, mas que proporciona conforto e tranqüilidade junto aos
íntimos e amigos, de olharem desesperados e desesperançados o vazio que lhes
circunda, nele está até a medula, é-o sem qualquer discussão ou ponto de vista,
como faço eu, interessa dizer ser indivíduo marginalizado. Creio que só Deus
sabe a razão. Eles mesmos não sustentam a marginalização a partir da verdade,
do útil, do bom acerca de mim, não importando as mazelas e pitis.
Se, às
vezes, desprezo e até me burlo destes homens nalgumas páginas anteriores a
quaisquer outras, não é por isto que os culpe de minha indigência pessoal,
intransigências, vícios e achaques os mais diversos possíveis, gastaria quem
sabe um tempo longo para as elencar com a verdade, o útil, o bom.
Eu, quem
chegou tão longe e está à margem da vida, compreensões, entendimentos, de onde
se reflete a réstia de crepúsculo e cânticos, insinuo de alhures, quem sabe
intuindo algumas revelações, estilos esquisitos e ridículos, valores e atitudes
que encaminhem a humanidade no decurso de sua existência e história, posições e
ações que levem os homens à busca de quem representam e são neste mundo,
lembrando-lhes, desde já, que ser não é mostrar-se e mostrar-se não é ser...
Se pretendo
enganar-me com toda esta verborréia sem limites, levando-me, inclusive, a usar
as retrógradas reticências, há muito o que pensar e refletir sobre isto que
está sendo confessado nalgumas linhas - não me interessa levar a quem ler às
lágrimas fáceis e superficiais. Quem sabe esta verborréia sem limites reflita
problemas inúmeros de caráter, personalidade, não sei. Como se vivesse a fugir
das verdades quotidianas com respeito desta e daquela atitude, palavra, as
fugas e representações, continuasse a viver vida fútil e imbecil, o eterno
jogo.
Poderia
dizer as coisas mais racionais, inteligentes e intelectuais sobre as palavras
de não, neuroses irreversíveis, sobre a enfermidade de minha alma, a dinâmica
disto chega a ser imbecil de tão evidente, sem qualquer orgulho e consciência
das misérias habitam-me poeticamente, e muitas vezes desejo fossem reais, assim
veria nítido o que estou vivendo.
O que mais
me faz falta, sendo a razão desta busca infatigável de quem sou e represento
neste mundo, o por que suspiro tão neuroticamente, não é saber e compreender,
entender, elencar as razões e motivos conscientes ou inconscientes, mas vida,
decisão, movimento e impulso.
Confesso
jamais haver esperado com tanta ansiedade a noite anterior a qualquer outra.
Apesar da angústia, tensão, impaciência se me tornem quase insuportável, nó
górdio na garganta, aperto no peito, isto me causa muitíssimo bem, acredito ser
quando agradeço a Deus estar aqui no mundo, vivendo todas estas experiências,
acompanhadas de dores e sofrimentos, alegrias e conquistas.
É formoso, terno,
novo para mim, para o desiludido que há muito nada mais esperava, que não se
satisfazia com o quer que fosse; é esplêndido andar daqui para ali o dia todo,
resolver alguns assuntos, tomar a branquinha, cheio de impaciência, angústia,
desilusões, alguns pequenos prazeres e alegrias que quase nada dizem de tão
ínfimos são.
Imagino
antecipadamente os encontros, conquistas, dificuldades. Enfim, faço um
inventário superficial até, pois que não aprecio isto de estar elencando,
talvez por não prestar muita atenção, confundindo, às vezes, as situações e
circunstâncias. Imagino as conversações, atitudes, olhares de soslaio.
Se consegui
romper a solidão, desalgemar-me, tirar-me as correntes, é porque as arranquei
das próprias portas do inferno e consegui despertar-me.
Talvez não
chegue a compreender por completo a minha vida espiritual. Enfim, o que resta
dela? Não está toda espalhada aqui e ali, nestas ou naquelas circunstâncias,
acompanhados de prazeres ou dores, alegrias ou neuroses. Não perdera o sentido?
Quanto ao
resto, aos problemas pessoais, anseios, utopias, não tenho dúvida de que os
compreendo bem. Não se é possível antecipar a vida, pode-se postergá-la, é
sempre o momento presente. Se há quem tenha dúvidas sobre isto, não o sei;
aliás, não me diz qualquer respeito sabê-lo ou não sabê-lo.
A vida fora
penosa, angustiante, cheia de transtornos e infeliz, não diria o contrário, não
teria qualquer razão que me justificasse esta atitude ou comportamento, o
discernimento pouco me importa. Sou disto consciente.
Ainda que o
resto do caminho a que me entreguei até o ocaso seja inteiramente desfigurado,
estruturado dentro deste ou daquele valor, o cerne desta vida é nobre, tem
feição e laia, não gira em torno de interesses e ideologias, mas em torno da
réstia de crepúsculo e cânticos.
Volto a
respirar. Os olhos voltam a ver, e às vezes suspeito que só necessito
reconhecer o mundo disperso de tantas imagens, que só necessito congregar a
minha vida na unidade de uma só imagem, a fim de poder mergulhar no mundo do
feixe de luz e ser imortal.
#riodejaneiro#,
11 de junho de 2019#
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