LINHAS BRANCAS E O NADA GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Estas linhas brancas... Faço alguma ideia do que
possa significar? O que é isto - estarem, serem brancas? Engraçado nada saber a
respeito, e o mais cômico é estar observando-as com tanta atenção, acreditando
possa des-velar este segredo dos mais profundos. Bem, penso sê-lo, quiçá não o
seja. Atribuo um segredo no fato de estarem, serem brancas para ser mais fácil.
O pensamento não possui o talento de pensar linhas brancas. Fossem vazias, não
apenas pensaria, patentearia a verdade: esperam ser preenchidas, como o copo
vazio espera o líquido para enchê-lo. Mas não. Brancas, o pensamento não pensa
o branco, este não possui essência. Se não tem essência, é nada.
O que, então, estou fazendo em observá-las? Deveria
estar observando o cigarro queimando no cinzeiro sobre a mesa. Neste instante
tão vazio, nada me sobrara senão observar o branco das linhas, as linhas
brancas, um modo de ocupar e gastar o tempo, segundos e minutos passarem, a
areia ir passando na ampulheta, a cada um deles sentir a presença do agora, mesmo
cônscio de ser efêmero, de agora em agora o vazio se preenche, outros
horizontes se revelam. Este instante será outro, serei outro nos instantes
seguintes.
Metafísicas, apenas metafísicas!... As linhas
permanecem brancas, continuo aqui observando-as. Observá-las, olhá-las não as
preencheram. Não sou quem irá preenchê-las. Com que preencher o branco delas?
Nada há que o faça. Seria até ingenuidade crer pudesse isto real-izar, um tolo
puro seria eu, digno de chacota e escárnio. Em verdade, sou nada frente ao
branco, diante das linhas brancas.
Não terá sido esta a questão? As linhas brancas
seriam a luz para a consciência do nada que sou. Não haverá mais qualquer
dúvida a respeito. Não mais poderei fantasiar algum sentido na vida, per
siempre nada. E estas linhas são efetivamente o Nada Branco ou o Branco de
Nada. Linhas artísticas do Branco Nada. Poderia intitulá-las com vários nomes
até mesmo interessantes, mas continuariam sendo brancas, o pensamento não as
pensaria, não conceituaria o branco delas. Não tenho qualquer capacidade de
trafulhar com este jogo. Nem mesmo debaixo da manga tenho a carta para
vencê-lo. Não me engano, não me iludo, não minto para mim. Há sempre quem
acredita preenchê-las, sinta-se orgulhoso, vaidoso de vê-las preenchidas, mas
de por baixo do preenchimento o branco inda está presente. A vaidade, o orgulho
não permitem que isto seja visto. Não tem a cor-agem de assumir, ser nada
diante delas, frente à existência. Nem vazio o é, o nada tampouco o é. Não
existe. Olhar-se e saber que não existe isto é loucura. Por vezes, olho-me e
pergunto o que mesmo me faz existência. O que me faz existência é ser nada,
alfim encontrei a resposta de que tanto carecia.
Sou nada, portanto existo. As linhas existem,
portanto são brancas. O homem é a síntese de linhas brancas e nada. Não é mais
digno, mais honrado disto ser cônscio? Nada há superior à verdade.
Vou seguindo nada, vou existindo. Melancólico,
nostálgico. Nostalgias e melancolias são a essência do vazio, cumpre receber
com paciência, deixando o tempo ir passando, o que nele há de cheio, o que
enche os espaços nostálgicos e melancólicos, encher a existência.
Nada há de vazio. O vazio está preenchido de nada.
O instante de vazio foi preenchido com o nada, foi preenchido de mim. Contudo,
não preenchi o branco das linhas com o nada. Nada pode preencher o branco das
linhas, serão e estarão per siempre brancas.
#riodejaneiro#, 22 de junho de 2019#
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