#ESPÍRITO DE PRUDÊNCIA ALBERGADO NO PEITO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Teço a teia
de idéias, pensamentos, surgindo-me vão. Sobre elas há milhões de gotas de
orvalho brilhantes como o diamante. Todas as cores do céu refletem-se
deslumbrantes no tapete cinza que teço. O que espero ressurgir em todo o seu
esplendor não são lembranças ou esquecimentos de tempos anteriores a quaisquer
outros. Saberia dizer o que espero ressurgir?
Embora as
muitas tonalidades do cinza, uma peculiar transição entre uma e outra, entre
elas, ilude as paredes e crateras com a parca luz da manhã obliterada por
vórtice de sombras a engendrar os ecos ilusórios de sons de palavras perdidas
desde o momento em que se me anunciou uma intuição, tecer as paredes rochosas
das crateras, um tapete a ser ostentado na parede de meu quarto.
Por que
nalguns instantes do tecimento das paredes rochosas das crateras me perturbou o
espírito de prudência que se albergava no peito? Tivesse interrompido o
suficiente para saber o que me perturbava, teria ora que termino o dia de
trabalho, só cessando ao se aproximar a noite, DESCER AS CORTINAS DA LUZ,
quando as vistas não me permitem continuar, uma visão nítida de todas as
preocupações de meu coração, todos os males que suportei, o orgulho de haver
sido iluminado por dom gratuito.
Deveria ter
vivido feliz entre os homens, mas me deixei ser levado por angústias, medos,
temores, deixando arrebatar pela imaginação fértil, nos liames de impetuosos
pensamentos e sensações! Defendo-me com o tecido de estratégias e artimanhas,
não permitindo que tão difíceis dores me tomem por inteiro, acabando-me por
enfastiar de tantas lamúrias com as lágrimas a correrem-me sobre as faces.
Mantenho os olhos enxutos e imóveis nas pálpebras, como se fossem insensíveis,
recalcando as lágrimas, por assim me convir ao ardil.
Não
interrompi um só segundo para descobrir o que estava a perturbar-me, o porquê
de o espírito de prudência perturbar-me. Olhando o tapete, os pontos em que o
espírito de prudência se anunciou, e, por alguma hesitação ou medo, preferi não
dar atenção, e só agora percebo estão presentes ainda mais que antes, são todos
os instantes reunidos, não podendo discernir os caracteres diferentes de uns e
outros, acompanhados de nuanças sensoriais.
Se houvesse
deixado as lágrimas caírem, roçarem-me os lábios, diante das lembranças e desejos
me tomaram por inteiro, não estivesse olhando os pontos tecidos das crateras,
não estivesse a sentir-me em falta com o que hoje teci desde o amanhecer, só
parando para as necessidades fundamentais do corpo e do espírito. Ao longo do
dia, armazenando o espírito de prudência aqui e ali, esperava súbito se
esvaecessem e pudesse com serenidade continuar construindo a imagem das paredes
rochosas das crateras, duas, divididas por um caminho árido até ao encontro
imaginário da terra e das nuvens.
Não me fora
possível realizar a esperança e ao término do dia, restando poucos minutos para
cair plena a noite, quando nada mais há a fazer senão deitar na rede no
alpendre do terceiro andar, com o som ligado ouvir músicas ou ler algum livro,
nada há que amenize as dores que me perpassam a alma.
Se, ao
terminar, ostentando na parede do quarto, lembrando-me das dores e sofrimentos
enquanto tecia, seja tudo quanto pode originar desgraça, se se quiser
calamidade, não o sei dizer, por estarem presentes em cada ponto dado,
mostrando-me a imagem nítida da alma sedenta e faminta.
#riodejaneiro#,
16 de junho de 2019#
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